Saúde ignora há 2 anos multa milionária para importadora da Covaxin
Uma multa de ao menos R$ 1,3 milhão, sugerida por um departamento do Ministério da Saúde em maio de 2019 contra a Precisa Medicamentos, aguarda até hoje a aplicação pela pasta. A punição foi recomendada à época pelo Departamento de Prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis após o descumprimento do prazo de entrega de preservativos femininos, mas até hoje nada efetivamente aconteceu.
O atraso da empresa na entrega dos preservativos tem sido recorrente. Em uma escala de sanções previstas nos contratos, a sequência de problemas poderia ter levado a Precisa até a ser impedida de realizar negócios com a União. Mas a realidade ficou bem distante disso.
O UOL analisou 13 processos administrativos envolvendo os contratos de venda de preservativos pela Precisa ao Ministério da Saúde e constatou que houve ao menos nove atrasos na entrega do produto, chegando a cinco meses em um dos casos.
Mesmo com esse histórico, a empresa —que já recebeu R$ 96 milhões do governo federal pela venda de preservativos— se tornou este ano o principal agente no Brasil da bilionária compra da vacina indiana Covaxin. Suspensa após denúncias de irregularidades, a aquisição do imunizante é um dos principais alvos de investigação da CPI da Covid.
Em novembro de 2018, a empresa ganhou a primeira licitação, na modalidade de registro de preços —em que a aquisição é feita de acordo com a demanda—, para fornecer até 29,3 milhões de unidades do produto.
Os problemas começaram logo no primeiro contrato. No dia 23 de abril de 2019, o diretor do Departamento de Prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis, Gerson Fernando Mendes Pereira, aplicou uma advertência —primeira punição prevista em contrato— contra a Precisa por causa do atraso na entrega dos preservativos.
'Incalculável prejuízo'
Em seguida, em 20 de maio de 2019, Gerson elaborou um relatório sugerindo ao DLOG (Departamento de Logística) do Ministério da Saúde que aplicasse uma multa de ao menos R$ 1,3 milhão para a empresa. A medida seria uma forma de "tentar evitar eventos semelhantes nas próximas contratações". O valor correspondia a uma porcentagem estipulada em uma cláusula contratual.
"Verifica-se incalculável prejuízo à administração, haja vista a indisponibilidade do insumo para distribuição de preservativos do material látex, que compõem 90% do total adquirido no último pregão eletrônico", afirmou o diretor, acrescentando que havia falta do produto desde junho de 2018.
Depois disso, sem nenhum retorno do DLOG e com mais atrasos acontecendo, Gerson Pereira encaminhou um novo despacho ao setor, em 31 de outubro de 2019, pedindo um posicionamento diante do "descumprimento contratual recorrente por parte da empresa".
Em 7 de novembro de 2019, Adriana Maria Pinhate, diretora substituta do DLOG, encaminhou o pedido internamente para que sejam tomadas providências. Somente em 29 de abril de 2020 Meri Helem de Abreu, coordenadora-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos do DLOG, pediu ao setor de contabilidade o cálculo preciso da multa.
Em 14 de maio de 2020, o setor retornou dizendo que o cálculo se referia apenas a uma parcela dos atrasos do contrato e pediu que fosse enviado um relatório completo para "evitar retrabalho".
Desde então, nada mais aconteceu, e a reportagem do UOL não localizou no sistema do Ministério da Saúde nenhum outro processo que trate da multa. Procurada, a pasta não se manifestou sobre o encaminhamento da multa.
Nova licitação e mais atrasos
Por causa dos problemas recorrentes, a Precisa, pelo previsto em contrato, poderia até, em último caso, ter sido impedida de realizar negócios com o governo federal.
Mas, sem qualquer punição, em agosto de 2020, a empresa venceu um novo pregão, com registro de preços, para a venda de até 10 milhões de preservativos femininos ao Ministério da Saúde. A licitação foi homologada por Roberto Dias, diretor do DLOG à época, que foi exonerado no mês passado após suspeitas envolvendo a compra de vacinas.
Com base nessa nova licitação, o próprio Dias então assinou, em novembro do ano passado, um contrato para o fornecimento de 5 milhões de unidades. Houve novamente atrasos, de até 28 dias, nas três entregas. Reportagem do UOL mostrou que o governo federal está avaliando agora se comprará mais 5 milhões de preservativos com a Precisa por causa dos problemas recorrentes.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ministério da Saúde e da Precisa para esclarecimentos a respeito dos problemas nos serviços prestados pela empresa, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
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