Meu mundo vai bem além do cercadinho, diz Barroso após ofensas de Bolsonaro
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso se recusou a responder às ofensas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas lançou algumas indiretas ao presidente durante evento hoje. Sem incluir nominalmente o Brasil, Barroso disse, em sua primeira fala, que a "mentirocracia" é uma das grandes ameaças à democracia no mundo.
Ele participou de um debate sobre governabilidade e democracia no Insper, instituto privado de ensino superior em São Paulo, com os colegas de Corte Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Ele já estava no evento quando começou a circular um vídeo em que Bolsonaro o chama de "filho da p...", mas evitou tratar do tema.
A conquista e a preservação da democracia foram as grandes causas da minha geração e é a isso que eu dedico minha vida pública. Por isso, eu não paro para bater boca, não me distraio. Meu universo vai bem além do cercadinho."
Luís Roberto Barroso, presidente do TSE
A fala do ministro faz referência ao local no Palácio da Alvorada onde Bolsonaro normalmente conversa e tira selfies com apoiadores. Na live de ontem, Bolsonaro já havia dito que o ministro defende a redução da maioridade para estupro de vulnerável. A informação é falsa. Hoje, foi gravado em Joinville (SC) referindo-se ao ministro como "filho da p...".
Barroso ouvia ao painel com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB) no momento em que o vídeo de Bolsonaro passou a circular na internet. Quando uma jornalista presente questionou os debatedores sobre a fala, ele agitou os braços, em sinal de que não havia o que comentar.
Em outra resposta à imprensa, Barroso disse que não tinha ouvido o xingamento e se negou a comentar. "Não tenho interesse nem cultivo polêmicas pessoais", disse.
"Mentirocracia"
Alvo de críticas do presidente, toda a fala do ministro foi voltada a comentários sobre governos autoritários e o alastramento de manobras antidemocráticas em diversos países.
"Alguma coisa parece não estar indo bem no mundo em relação à democracia", disse Barroso, ao citar uma série de nações que estariam passando por um momento de "recessão democrática", como Polônia, Hungria e Rússia, sem incluir nominalmente o Brasil.
"São países em que líderes políticos eleitos por voto popular desconstroem tijolo por tijolo os pilares da democracia", complementou, e introduziu um novo conceito que chamou de "mentirocracia".
Em alguns países se criou também a mentirocracia, que é a difusão da inverdade e das narrativas falsas como método de governo e estratégia de manipulação das massas. Criam-se milícias de fanáticos e de mercenários que vivem de disseminar ódio, a desinformação e teorias conspiratórias com o propósito de enfraquecer as instituições."
Luís Roberto Barroso, presidente do TSE
Questionado se o Brasil faria parte do sistema de mentirocracia, Barroso desviou. "Eu fiz uma longa análise do panorama mundial, não me referi a nenhum país especificamente... embora o Brasil esteja no mundo", disse, arrancando risada entre os presentes.
Alvo de ataques do presidente
Barroso e o STF têm sido alvo frequente de Bolsonaro, em meio ao avanço investigativo da CPI da Covid, a reprovação recorde do governo e pesquisas de intenção de voto para 2022 favoráveis ao ex-presidente Lula (PT).
O principal foco do presidente são as eleições gerais do ano que vem, caso não seja aprovada proposta do voto impresso auditável que tramita na Câmara dos Deputados. O presidente do TSE é um dos maiores críticos do projeto e defende que as urnas eletrônicas são seguras e auditáveis.
Na segunda-feira (2), o TSE aprovou a abertura de inquérito para investigar Bolsonaro por divulgar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. O tribunal também enviou notícia-crime ao STF para incluir o presidente no inquérito das fake news.
As denúncias têm base a "live" da última quinta-feira (29), na qual o presidente prometeu apresentar provas de fraudes nas eleições, mas, em vez disso, reciclou teorias e fatos já desmentidos por órgãos oficiais e serviços de checagem na imprensa.
No fim de semana, Bolsonaro disse que cogita participar de uma manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, para dar o que chamou de "último recado" sobre o voto impresso. Na ocasião, também disse que não haverá "eleições duvidosas" em 2022.
Mas não é só contra Barroso. Em entrevista na manhã de ontem, o presidente disse que "a hora" de Moraes "vai chegar", em referência à decisão do ministro de acolher uma notícia-crime do TSE e determinar a inclusão do presidente no inquérito das fake news, que investiga o financiamento e a disseminação de notícias falsas.
Em meio aos disparos do presidente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, e o presidente do STF, Luiz Fux, se encontraram para "reconhecer a importância do diálogo permanente entre as duas instituições".
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