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Senado aprova texto-base do projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional

O plenário do Senado - MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO
O plenário do Senado Imagem: MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

Colaboração para o UOL*

10/08/2021 19h02Atualizada em 11/08/2021 14h59

O Senado aprovou hoje o texto-base do projeto de lei que revoga a LSN (Lei de Segurança Nacional), criada durante a ditadura militar. O PL também adiciona ao Código Penal os crimes contra a democracia e soberania nacional. A votação foi simbólica e ainda serão votados destaques, que podem alterar o texto — porém, se estes forem rejeitados, o texto segue para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O relator do PL 2.108/2021 é o senador Rogério Carvalho (PT-SE). O projeto cria um novo título no Código Penal para tipificar dez crimes, como os de interrupção de processo eleitoral, fake news nas eleições e atentado ao direito de manifestação.

Esse é um projeto que, de fato, modifica, para não dizer enterra, o entulho autoritário, com uma modificação de conceitos, estabelecendo e valorizando o Estado Democrático de Direito.
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado

O relator do projeto afirmou que a aprovação "representará um dos mais importantes avanços democráticos dos últimos anos".

"A Lei de Segurança Nacional estava submetida ao esquecimento quando, nos últimos tempos, foi recuperada do fundo da gaveta e foi promovida como instrumento preferencial de silenciamento do atual governo", afirmou.

Foram várias as tentativas de calar a crítica, com ações contra o influencer Felipe Neto e o cartunista Aroeira. E não somente eles. Muitos outros jornalistas e manifestantes foram alvos de perseguição política apoiada por um diploma do tempo da ditadura.
Rogério Carvalho (PT-SE), senador e relator do PL

Em maio, o texto foi aprovado pela Câmara. No lugar da LSN, os deputados criaram a chamada "Lei do Estado Democrático".

Entre as principais mudanças, está a retirada da previsão dos crimes de calúnia e difamação contra os presidentes do três Poderes federais, punições para práticas como incitação à guerra civil, insurreição e espionagem, além de inserir o crime de golpe de Estado.

A Lei de Segurança Nacional foi sancionada em 1983 pelo último presidente do regime militar, João Figueiredo. Recentemente, voltou a ganhar destaque porque foi aplicada pelo Ministério da Justiça contra críticos do presidente Bolsonaro.

A aprovação do texto pelo Senado acontece horas após o desfile militar em Brasília, que foi acompanhado por Bolsonaro e pelo ministro da Defesa, Braga Netto. O evento gerou a reação de políticos, que viram o ato como uma tentativa do presidente de intimidar deputados.

Retirada de traços da ditadura

Para especialistas em direito constitucional, o projeto de lei discutido pelos senadores retira traços autoritários herdados da época em que a LSN foi elaborada.

"Ela tem problemas porque foi desenhada numa lógica de proteger o Estado contra os indivíduos. A lógica de uma lei de segurança nacional tem de ser a de dar os instrumentos necessários para a democracia sobreviver e resistir contra os atentados que perpetrem contra ela", disse o professor de direito público Wallace Corbo, da FGV Rio.

A LSN, que prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato "definido como crime ou ofensivo à reputação", está em vigor no país, em sua última versão, desde 1983.

Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo em março, o número de procedimentos abertos no governo Bolsonaro com base na legislação pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo atual em comparação ao mesmo período das gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Entre 2015 e 2016 foram 20 inquéritos instaurados, enquanto, entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.

Entre os inquéritos abertos pela gestão Bolsonaro, há os que se basearam no artigo 26 da lei, que prevê como crime calúnia e difamação dos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. Entre os casos recentes, está a intimação do youtuber Felipe Neto por ter chamado Bolsonaro de "genocida".

Na avaliação do constitucionalista Juliano Zaiden Benvindo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito Constitucional Comparado da Universidade de Brasília (UnB), o artigo é a principal herança autoritária da lei e abre brechas para o uso com objetivo de silenciar críticos de autoridades públicas.

"O novo projeto tira esse ranço autoritário, por exemplo, no caso das confusões com liberdade de expressão, especialmente na previsão de crime que tem sido muito usada recentemente para calúnia a autoridades públicas", afirmou Benvindo.

Fake news

O projeto prevê também a criminalização de disparos em massa de fake news relacionados ao processo eleitoral. O assunto é polêmico, entre outros pontos, pela dificuldade de determinar, segundo juristas, o que entra na definição de fake news, além de se tratar de uma legislação penal, não eleitoral.

"O texto diminui brechas no sentido de crítica a autoridades públicas, mas abre essa nova brecha sobre fake news que não havia no texto original", avaliou o pesquisador da UnB. Ele, no entanto, defende a importância de regulações relacionadas a fake news.

A votação pelo Senado coincide com a escalada na polêmica em torno do voto impresso e aos ataques do presidente Jair Bolsonaro e aliados à realização de eleições com o atual modelo de urna eletrônica.

Desde a adoção das urnas eletrônicas no Brasil, em 1996, nunca houve comprovação de fraude nas eleições. Essa constatação foi feita não apenas por auditorias realizadas pelo TSE, mas também por investigações do MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos independentes. Além disso, as urnas eletrônicas são auditáveis e este procedimento é feito durante a votação.

Para o jurista Miguel Reale Jr., abordar fake news no texto extrapola objetivo central da lei, mas ele disse ver justificativa manter o tema. "É muito mais voltado ao processo eleitoral do que à segurança nacional ou à defesa das instituições democráticas. Mas, como há urgência de proteção do processo eleitoral, a lei deve ser promulgada um ano antes e se justifica colocar esse aspecto do processo eleitoral", disse.

* Com informação de Reuters e Estadão Conteúdo