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Barros confronta CPI, nega crimes e diz que não foi 'acusado' por Bolsonaro

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Rayanne Albuquerque

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

12/08/2021 04h00Atualizada em 12/08/2021 17h10

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), trocou farpas com senadores em depoimento prestado hoje à CPI da Covid. Após bate-boca, a sessão foi encerrada e a CPI anunciou que Barros será reconvocado.

Ele negou qualquer envolvimento com possíveis irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin e contestou as indagações do colegiado. Na versão do deputado, há uma "narrativa" construída contra ele a partir de declarações falsas de testemunhas ouvidas anteriormente pela comissão.

Barros disse por várias vezes se sentir injustiçado e afirmou que as investigações realizadas no âmbito da CPI "causaram [a ele] um dano de imagem muito grande".

O líder governista no Parlamento também rejeitou a ideia de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria o "acusado" de envolvimento no suposto esquema da Covaxin.

Barros foi chamado a depor depois de ter seu nome mencionado pelo também deputado Luis Miranda (DEM-DF), em oitiva da CPI. Na ocasião, o colega —que é irmão de um servidor da área técnica do Ministério da Saúde— relatou ter levado ao conhecimento do presidente Bolsonaro fatos e indícios de suposto tráfico de influência em favor da parte contratada no acordo da Covaxin.

De acordo com a versão de Miranda, após ser informado do que estava ocorrendo, Bolsonaro teria respondido que "isso é coisa de fulano". Para Barros, no entanto, a intenção do presidente era apenas indagar se ele, Barros, tinha alguma associação com os fatos.

Inicialmente, no depoimento à CPI, o democrata não quis dizer de quem o presidente da República falava. Os senadores do colegiado pressionaram o depoente e, praticamente no fim da oitiva, ele revelou que se tratava de Ricardo Barros.

"Então, começa essa versão de que o presidente [Bolsonaro] falou que eu estava envolvido no caso Covaxin e que o presidente deveria desmentir. O presidente nunca afirmou e não tinha como desmentir o que ele não afirmou. Eu acho correto que o presidente não se dirija ao deputado Luis Miranda, porque o deputado Luis Miranda fez uma quebra de confiança no relacionamento com o presidente. Mas o presidente nunca afirmou que eu estava envolvido no caso Covaxin, ele perguntou. E aí, todas as falas do Luis Miranda são nesse sentido, não há nenhuma em que ele tenha colocado de forma diferente", explicou.

Desde o depoimento de Miranda, a possível participação do parlamentar paranaense em uma teia de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana passou a ser um dos principais objetos de interesse da Comissão Parlamentar de Inquérito.

O acordo para aquisição de 20 milhões de doses do imunizante foi assinado em fevereiro deste ano ao custo de R$ 1,6 bilhão, mas nenhuma unidade do produto chegou a ser entregue. Após indícios de irregularidades, o contrato foi suspenso pelo Executivo federal.

Segundo Luis Miranda, houve pressão interna para que as tratativas fossem aceleradas. A conversa com o presidente teria acontecido em 20 de março.

Barros culpa Anvisa por atraso em entregas da Global

O negócio do Ministério da Saúde com o laboratório indiano Bharat Biotech foi intermediado pela Precisa Medicamentos, cujo dono, Francisco Emerson Maximiano, possui outras empresas que já prestaram serviços para o governo em circunstâncias às quais recaem suspeitas.

É o caso da Global Saúde, que, em 2017, acertou contrato para vender medicamentos ao Ministério da Saúde e jamais entregou os produtos. À época, a pasta era chefiada por Ricardo Barros no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Em 2019, quando cobrava a devolução da verba, o ministério afirmou que a Global havia usado "expedientes procrastinatórios e obscuros" e induzido o governo a acreditar que os medicamentos seriam entregues. Dos R$ 20 milhões que foram negociados, apenas R$ 2,8 milhões teriam sido ressarcidos aos cofres públicos.

Barros, a Global e servidores da Saúde à época respondem a uma ação de improbidade por causa dos medicamentos não entregues. O MPF (Ministério Público Federal) aponta que houve favorecimento à empresa.

Questionado sobre tais fatos, Barros respondem que a Global "ganhou uma chamada pública de compra de medicamentos para doenças raras" em 2017, mas a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) teria recusado à época a concessão de licença de importação. Posteriormente, a Global teria recorrido à Justiça e obtido liminar favorável. A Anvisa, no entanto, teria se recusado a cumprir.

"A Global entra na Justiça de novo, ganha outra liminar, a Anvisa não cumpre, atrasa em mais de um mês a autorização de importação dos medicamentos. Portanto, a Anvisa tem culpa no atraso dos medicamentos. A AGU entra contra a Anvisa, ganha a liminar, aí finalmente a Anvisa libera a licença de importação."

Ou seja, na versão do deputado do PP, o atraso na entrega dos medicamentos que foram contratados da Global em 2017 teria ocorrido por culpa da Anvisa e de burocracias relacionadas ao aval para importação dos produtos.

Após o cumprimento da liminar, segundo explicou Barros, a Global fez uma entrega parcial de medicamentos e não conseguiu entregar o resto "porque o fabricante proibiu os distribuidores no resto do mundo de vender para ele como ele tinha pré-contratado".

"Então, descumpriu-se o prazo de entrega já depois que eu saí do ministério. Eu saí do ministério em abril para concorrer à eleição e depois é que venceu o prazo de entrega dos medicamentos. Portanto, as medidas tomadas para suprir essa falha da Global foram do ministro sucessor."

Bate-boca, acusações e sessão encerrada

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu encerrar a sessão de hoje e afirmou que Ricardo Barros voltará à comissão como convocado após a cúpula da CPI acreditar que o depoente mentiu ao longo da fala.

Na avaliação de Aziz, Barros "quer usar a CPI, o mecanismo de investigação, para se defender, não para falar a verdade".

Ainda, disse que Barros esteve "desde o primeiro momento defendendo a imunização de rebanho" e ficou "provado" que o líder está no "radar de todo mundo que vende vacina por intermediação". Intermediários estão no centro de negociações investigadas pela CPI.

"Sempre tem uma narrativa, uma desculpa, um pretexto [de Barros]. Posso assegurar: ainda não chegamos nem na metade das perguntas que o [relator] senador Renan [Calheiros] tinha para fazer. Tinha muito mais novidade, perguntas e provas que serão guardados para o próximo dia que vamos marcar porque convocado ele já está."

Os senadores independentes e da oposição também se irritaram quando Barros acusou que a comissão estaria afastando do Brasil empresas que vendem vacinas contra o novo coronavírus. Para esses senadores, esta foi uma das principais "mentiras" ditas por Barros.

"Quero lembrar aos senhores senadores que o mundo inteiro quer comprar vacinas, e espero que essa CPI traga bons resultados para o Brasil, que produza um efeito positivo para o Brasil. Porque o negativo já produziu muito: afastou muitas empresas interessadas em vender vacina ao Brasil", declarou o líder do governo.

A declaração de Barros causou reação imediata de senadores contrários ao governo de Jair Bolsonaro, que não concordaram com o líder.

Após muito bate-boca, a sessão acabou suspensa por Aziz próximo das 13h20. A sessão foi retomada por volta das 15h15, mas, então, logo encerrada após pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), prontamente atendido por Aziz.

Na condição de convocado, Barros não poderá optar por faltar à CPI, ao contrário de quando há um convite. No entanto, o próprio Barros vinha pressionando para ser ouvido pelo colegiado. A data e o horário do novo depoimento ficam a critério da CPI.

Inicialmente, Barros já seria convocado, mas Aziz transformou o chamamento em convite por "deferência" a pedido do líder.

Após encerrar a sessão, Aziz disse que a convocação é "para quem a gente perde o respeito" ou "quem desrespeita o trabalho da CPI". Ele negou ter politizado a situação.

A primeira a reagir à acusação de Barros de que a CPI estaria espantando empresas de vacinas foi a senadora Simone Tebet (MDB-MS): "Isso não é verdade". Em seguida, ela foi acompanhada por diversos senadores independentes e de oposição.

Omar Aziz disse que "afastamos as vacinas que vocês do governo queriam tirar proveito, rapaz". O bate-boca continuou e, diante da falta de diálogo e da irritação da maioria dos senadores, Aziz decidiu suspender a sessão.

Quando Aziz já tinha comunicado a decisão de suspender a sessão, Simone afirmou ainda ao microfone que não poderia "ficar calada" ao ouvir a acusação de Barros, porque, antes de a CPI começar os trabalhos, há menos de três meses, o Brasil já registrava quase 400 mil vidas perdidas para a covid-19.

Senadores governistas rebateram com "aceite a realidade" e um novo bate-boca se formou. No retorno, a sessão foi encerrada.

Em coletiva após a confusão, Ricardo Barros disse que estar à disposição da CPI, mas que seu "direito de opinião não pode ser cerceado em nenhum momento".

Ele deu as declarações à imprensa ao lado dos senadores governistas da comissão, como Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO).

Mais tarde, em nova coletiva, Barros justificou que ao menos duas empresas estariam evitando o Brasil por terem descredenciado representantes em território nacional, uma das condições para que possam vender vacinas ao Ministério da Saúde, disse.

A fabricante indiana Bharat Biotech decidiu acabar com a parceria com a Precisa Medicamentos para a venda da Covaxin em 23 de julho após denúncias e suspeitas de irregularidades no processo virem à tona. No entanto, a Bharat afirmou que continuaria a trabalhar junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para obter as aprovações necessárias para a liberação do uso da Covaxin.

Já a farmacêutica chinesa CanSino afirmou que rompeu o acordo com a representante Belcher Farmacêutica, no final de junho, mas seguir interessada em vender vacinas ao Brasil, segundo senadores da oposição. Isso contraria a fala de Barros.

A Belcher é sediada em Maringá, no Paraná, terra-natal de Barros. O líder confirmou ser amigo dos donos da empresa.

"A narrativa de corrupção no governo Bolsonaro é deles [CPI]. O fato concreto é que não tem corrupção nenhuma, o contrato nem foi executado. Estou absolutamente tranquilo quanto às minhas declarações, eu fui ministro da Saúde e sei do que estou falando", disse o líder.

"Entendi tudo [o que aconteceu na CPI]: o jogo não estava bom. Ele é o dono da bola, põe a bola embaixo do braço e vai embora, não quer jogar mais", completou.

Barros ainda afirmou que "a narrativa da CPI está perdendo força" e que retornará "para um embate tão bom quanto foi hoje".

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que a comissão consultará o STF (Supremo Tribunal Federal) para saber como proceder "se o deputado voltar aqui e insistir nas mentiras".

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.