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'Fui usado e me trataram como lixo', diz funcionário fantasma confesso

André José de Oliveira (ao centro), com o vereador Márcio Ribeiro (à esquerda) e o secretário Pedro Paulo (à direita) - Divulgação
André José de Oliveira (ao centro), com o vereador Márcio Ribeiro (à esquerda) e o secretário Pedro Paulo (à direita) Imagem: Divulgação

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

12/08/2021 16h08

O estudante de Direito André José de Oliveira, 51, surpreendeu nesta semana ao se declarar funcionário fantasma da Prefeitura do Rio desde abril. Além da confissão, fez um diário em vídeo mostrando estar de folga nas horas de expediente exibido em reportagem da TV Globo.

Ao UOL, ele justificou a decisão e revelou os bastidores de um jogo político que se transformou em decepção, mágoa e, por fim, vingança. Somente após aparecer na frente de uma câmera e contar a sua história, foi exonerado.

O agora ex-funcionário diz ter feito uma espécie de "investimento na carreira" ao aceitar trabalhar de graça na campanha eleitoral do ano passado para um vereador integrante da base do prefeito Eduardo Paes (PSD).

Sua ideia era que isso o levasse em seguida a concretizar o sonho de ter um cargo no município, na área de Habitação. No entanto, acabou nomeado como assistente na Secretaria de Ação Comunitária, com salário de R$ 1.600.

Ali, diz ter ficado largado, sem função, e resolveu denunciar que estaria recebendo sem trabalhar.

"Vou te explicar: quando uma pessoa trabalha na campanha e recebe por isso, acabou a campanha, ela vai embora e ponto. Eu não recebi por quê? Porque eu quero ter um futuro. Aí, você pode me perguntar se eu trabalhei para receber um cargo. Sim, eu trabalhei na campanha para receber um cargo e trabalhar. Não foi para receber um cargo e guardar o dinheiro no bolso, entendeu?"
André José de Oliveira, ex-funcionário da Prefeitura do Rio

O principal alvo da mágoa do ex-funcionário é o atual secretário municipal de Fazenda e deputado federal, Pedro Paulo (DEM), considerado braço direito de Paes. Oliveira diz ter "trabalhado para cacete" na campanha do vereador Márcio Ribeiro (Avante), amigo de Pedro Paulo, com a promessa de um cargo na área de Habitação. Mas terminou sem o que almejava.

"Fui usado e depois me trataram como lixo. A minha indignação é essa: ano passado, o Pedro [Paulo] me abraçava, até quase me beijava, eu me sentia 'o cara'. Eu estava feliz achando que as coisas iam acontecer, que eu teria uma carreira profissional muito legal."

"Estou no último ano de Direito, e o meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso] estou fazendo na área de Habitação. A promessa era que eu trabalhasse nessa área", disse ele.

Oliveira diz que quer devolver os R$ 6.300 que recebeu da prefeitura no período.

Prefeitura diz que 'fantasma confesso' trabalhava

Na terça (10), após a reportagem da TV Globo, Pedro Paulo postou no Twitter uma série de fotos que comprovariam que Oliveira teria efetivamente trabalhado na Secretaria de Ação Comunitária.

O secretário mostrou também um relatório feito pelo ex-funcionário em julho sobre problemas na Favela da Muzema, na zona oeste do Rio.

"Já viram funcionário fantasma que vai em tudo quanto é agenda pela cidade, usa crachá e vive tirando foto com sua secretária, subprefeitos...", ironizou o deputado federal licenciado, acrescentando que iria processar Oliveira por calúnia e injúria.

Procurado, o vereador Márcio Ribeiro não quis se manifestar.

A assessoria de imprensa da prefeitura afirmou que Oliveira "nunca foi funcionário fantasma".

"Ele vinha demonstrando insatisfação com sua função, teve seu pleito de aumento salarial negado e insistia em ser transferido para cargos superiores em outras secretarias, como a de Habitação. Nenhuma das demandas foi atendida", afirmou a prefeitura, por meio de nota.

A administração municipal disse ainda que a entrevista é "totalmente desconectada da realidade" e que, após a exoneração, abrirá sindicância para apurar o caso.

O ex-funcionário alega que as fotos divulgadas por Pedro Paulo não comprovam que ele efetivamente trabalhou, mas apenas participou de eventos. Sobre o relatório, afirma que fez por iniciativa própria, para tentar provar que poderia ser melhor aproveitado.

Cargo na Alerj

O cargo na prefeitura não foi o primeiro que Oliveira teve no setor público. Ele confirmou que, entre 2015 e 2017, esteve lotado na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), com a função de assistente na Subdiretoria de Assuntos Legislativos.

Neste caso, admite que também teria sido fruto de um trabalho anterior sem remuneração, mas na campanha do ex-deputado estadual Rafael Picciani (MDB). Na época em que Oliveira foi nomeado na Alerj, o presidente da Casa era o pai de Rafael, Jorge Picciani, que morreu em maio passado.

Rafael Picciani disse não se recordar de Oliveira, que "deve ter trabalhado [na campanha] espontaneamente, sem vínculo formal".

Apesar de não ser formado em Direito, Oliveira diz que tem atuado nos últimos anos auxiliando um escritório de advocacia que atua na defesa de pessoas que tiveram obras irregulares embargadas pela Prefeitura do Rio.

Auxílio emergencial

Ao ser informado pela reportagem que também havia recebido R$ 450 do auxílio emergencial enquanto teve cargo na prefeitura, disse inicialmente não saber desse dinheiro.

Em seguida, afirmou ter checado o extrato bancário e visto que o valor estava em sua conta. Ele mandou então um comprovante de depósito de devolução para o Ministério da Cidadania.

Em julho, a continuidade do benefício foi cancelada pelo próprio governo federal, que detectou o emprego formal de Oliveira.

Em 2020, ano em que fez campanha de graça para um vereador, ele ganhou nove parcelas do auxílio, num total de R$ 4.200.