Duda Mendonça fez do coração sua marca e a de seus candidatos, eleitos ou não.
Na distante eleição de 1985, a primeira em que o marketing eleitoral pode enfim se desviar das amarras da Lei Falcão (aquela que impunha programas eleitorais com a foto do candidato e um breve currículo), o publicitário elegeu o radialista Mário Kertész, então no velho PMDB, prefeito de Salvador baseado no formato infantil e popular do coração humano.
Em uma era pré-redes sociais, a TV impulsionava campanhas. Programas eleitorais elaborados eram um grande primeiro passo para postulações bem-sucedidas.
Naquele ano, o PT saiu com o personagem Zé do Muro em São Paulo e começou a amaciar sua imagem de radicalismo com Eduardo Suplicy. Chico Malfitani inventou o personagem e carregou a fama bem-humorada para as eleições seguintes. Assim, elegeu Luiza Erundina em 1988.
É aí que surge Paulo Maluf. O ex-governador tinha a imagem desgastada por acusações de corrupção e por ter sido o antagonista de Tancredo Neves na eleição indireta para presidente em 1985. Perdeu o governo em 1986, a prefeitura em 1988, novamente a Presidência em 1989 e criou a imagem de "candidato competente": compete, compete e nunca ganha.
Perder para o emergente PT já era demais. Assim, Duda assumiu a campanha de 1990 de Maluf para o governo disposto a repaginar seu contratante. E assim começou a reciclagem: de Salvador, trouxe o coração de Kértesz. Para Maluf, colou uma imagem de homem preocupado e realizador em vez do sisudo político biônico criado pela ditadura.
Naquele ano, o que mais se viu em São Paulo foi uma combinação de ambos: um coração colado nos vidros do carro com o slogan "Amo SP, voto Maluf". E um jingle arrebatador, tido como um dos melhores (se não o melhor) da história brasileira: "São Paulo é Paulo porque Paulo é trabalhador".
Tudo ali é perfeito: "Sou operário, empresário, eu sou lavrador/Na capital ou pelos campos do interior/Sou retirante, imigrante, sou a multidão/Eu sou São Paulo e pra São Paulo dei meu coração". A letra, em primeira pessoa, poderia assumir que o personagem era o eleitor e, ao mesmo tempo, também era Maluf. Era possível enxergar o candidato por trás do jingle.
Maluf não venceu daquela vez, embora tenha obtido êxito na capital (bateu na cidade o vitorioso Luiz Antônio Fleury Filho, então no PMDB quercista), mas deixava o terreno preparado para a eleição seguinte, 1992. Duda novamente reciclou seu coração —agora eram quatro que formavam um trevo, com o slogan "Boa sorte, São Paulo". Nenhuma menção a Maluf. Duda fez com que o eleitor associasse diretamente o objeto a Maluf. E deu certo.
Dizer que Duda era só o coração também não é justo. Naquela eleição, dirigiu um programa eleitoral perfeito com o certeiro "Bairro a Bairro". A cada inserção, Maluf visitava um dos 96 distritos paulistanos. Era treinado para falar de coisas e problemas corriqueiros, como se tivesse um conhecimento monumental do que era a cidade.
Foi eleito contra o próprio Malfitani do Zé do Muro, que coordenava novamente Eduardo Suplicy. A derrota provocou nos petistas a mesma inquietação de 1988 nos malufistas. Era hora de mudar, mas isso só aconteceria dez anos depois.
Enquanto isso, Duda foi novamente exitoso, ao reaproveitar o trevo malufista com Celso Pitta, negro e carioca, em 1996. Mas ali também começava a inventar problemas, como o marqueteiro Fura-Fila, uma obra desconectada da cidade e que demoraria décadas para ser entregue, completamente descaracterizada da versão apresentada na campanha eleitoral. E enterrou uma maldição contra Maluf: "Se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim", disse o político, que jamais voltaria a ser eleito para um cargo executivo —Pitta é o prefeito mais mal-avaliado da história paulistana.
Em 2002, Duda repetia a fórmula: convencer o eleitor médio de que Lula, derrotado nas três eleições presidenciais anteriores, era um candidato afável, e não um radical. A construção do "Lulinha Paz e Amor" teve choque de vestuário e barba aparada.
O primeiro programa eleitoral trazia um imenso plano aberto, com Lula mostrando um corpo técnico e qualificado como que para provar que era possível governar. Teve momentos como o do jingle de Maluf com a declaração de um certo João: "Meu nome é João, sou brasileiro, amo meu país, viva o Brasil, viva São Paulo, viva o Cristo Redentor, viva a Amazônia, viva Luiz Inácio Lula da Silva".
Deu certo, novamente. Lula foi eleito, e Duda, elevado à condição de Midas eleitoral. Essa trajetória vitoriosa seria interrompida dois anos depois, quando assumiu a candidatura da então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, à reeleição. Marta perdeu, e muito dessa derrota foi atribuída a Duda.
O programa eleitoral era desconectado da gestão da candidata. Uma pesquisa interna atribuía à saúde o ponto fraco da gestão. Tirou do bolso um "CEU da Saúde", o que foi apelidado pelo candidato tucano, José Serra, como o "Fura-Fila da Saúde". Pegou muito mal. A uma semana da eleição, Duda foi preso em uma rinha de galo no Rio de Janeiro. A campanha desmoronou.
O envolvimento com o mensalão terminou por tirar Duda do foco. O PT convocava agora João Santana para a campanha de reeleição de Lula à Presidência, em 2006. Duda ficou com as margens. Cuidou da candidatura de Marta Suplicy ao Senado em 2010, sem, no entanto, manter comunicação com outras esferas do petismo. Não havia elo com o candidato ao governo Aloizio Mercadante.
O Duda de 1990 virava uma espécie de Vanderlei Luxemburgo do marketing político: saudado pelo passado, mas caro demais para o presente, com ideias recicladas e nem sempre exitosas. Mas, como o treinador, foi um gênio de seu tempo, e deve ser reverenciado por isso.
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