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'Vivemos um retrocesso civilizatório', diz Marta Suplicy

Colaboração para o UOL

19/08/2021 11h41Atualizada em 19/08/2021 12h16

Para Marta Suplicy, a sociedade brasileira vive, hoje, um "retrocesso civilizatório" —em especial no que diz respeito ao campo dos costumes. A política, que nos anos 1980 falava abertamente na televisão sobre temas relacionados à sexualidade feminina no extinto programa "TV Mulher", diz acreditar que a sociedade acabou "involuindo".

"Acho que vivemos um retrocesso civilizatório, não conseguimos mais ter educação sexual nas escolas, há uma banalização do vocabulário, as pessoas incorporaram uma deselegância no trato", disse Marta ao participar hoje do UOL Entrevista, conduzido pela jornalista Fabíola Cidral e pelos colunistas Josias de Souza e Leonardo Sakamoto.

É nesse contexto que, na avaliação dela, a disseminação de ideais conservadores vem ganhando espaço.

Quem estava recluso e tinha vergonha de se expressar no seu conservadorismo agora fala abertamente, defende coisas absolutamente inapropriadas, como abstinência sexual para adolescentes. Em que mundo vivem, onde estamos?
Marta Suplicy

Para Marta, esse processo acontece apesar de haver, ao mesmo tempo, uma "vulgarização" do vocabulário, com maior uso de palavrões no cotidiano. "Notei, inclusive, em mim mesma. Eu, que nunca fui de falar palavrão, de repente estou falando", afirmou.

O uso das redes sociais, segundo ela, é um dos fatores que contribuiu para essa alteração nos costumes. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que frequentemente faz uso de palavrões em discursos públicos, também tem sua parte nesse processo, na avaliação de Marta.

"É assustador, e vem de mansinho. Você só percebe quando fala essa palavra. As redes sociais também têm a ver com isso, porque você xinga à vontade e não olha no olho de quem está xingando. Isso vai ter um preço, ou já está tendo, porque tem a figura da Presidência dando um exemplo de deselegância, e isso é muito ruim", disse.

União e frente ampla na rua

Na entrevista, Marta defendeu a necessidade de se construir uma frente ampla entre diversos políticos e partidos para derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022. Nos trabalhos por essa alternativa, ela disse já ter conversado com o ex-ministro Moreira Franco, o ex-prefeito Gilberto Kassab, o deputado federal Baleia Rossi (MDB) e até mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Agora, o que temos que ter é humildade. Todos os líderes que são respeitados no país hoje e que são a favor da democracia têm que baixar a arrogância e vestir a tal da sandália da humildade, sentar junto", afirmou.

A palavra "mágica" para o momento que temos hoje, para ela, é "pacificação".

As pessoas nunca estiveram tão ligadas em política, e de um jeito ruim, também, porque é tensão o tempo todo. Insegurança, investimento que não vem. Isso dá uma angústia. [Não saber se] Amanhã vou ter emprego ou não, e quem quer investir não vem porque não sabe o que vai acontecer nesse país. As pessoas querem paz.
Marta Suplicy

Para ela, é possível termos, "daqui a alguns meses", um evento que reúna, em um mesmo palanque na avenida Paulista, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o ex-presidente Lula e os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Ciro Gomes (PDT).

"Só vai ter capacidade de juntar e fazer essa costura quem tiver capacidade de diálogo, quem for respeitado. Vai estar todo mundo na rua no mesmo palco, isso que vai ser incrível", afirmou.

Negacionismo de Bolsonaro e Brasil como 'pária'

Para Marta, que atualmente comanda a secretaria municipal de Relações Internacionais de São Paulo, o negacionismo de Bolsonaro acabou colocando o Brasil em condição de pária internacional.

"Isso é uma tristeza absoluta. Você tinha um Brasil que entrava com orgulho, de cabeça alta, tinha posições muito corretas em todos os sentidos civilizatórios. Agora, com quem o Brasil conversa no mundo?", questionou.

"A personalidade do presidente é belicosa. Temos uma coisa muito complicada, um presidente que a cada semana inventa alguma coisa para criar confusão", disse ainda.

Sem retorno para o PT

Atualmente sem partido, Marta já foi filiada ao PT, sigla que a abrigou por mais de 30 anos, ao MDB e ao Solidariedade.

Hoje, ela diz que mantém o diálogo com amigos que fez no PT, mas afirma que não tem intenções de voltar para a política partidária. "Estou sem partido e com a intenção de continuar sem partido", afirmou.

"Eu não quero mais ser deputada, senadora. O que eu pensava antes é o que eu penso agora: tenho que ajudar, não preciso estar em partido nenhum e é isso que vou fazer", disse.

Uma das principais vozes na defesa por uma maior participação de mulheres na política e no Congresso, Marta lamentou que não existam, hoje, grandes nomes femininos entre as alternativas que são cogitadas para a disputa presidencial em 2022.

Nós, mulheres, temos dificuldades de entrar na política. Você não faz um candidato a presidente só porque é mulher. Tem que ter um legado.
Marta Suplicy