CPI: Sem prever indiciamento, relatório parcial da VTCLog pede PF no caso
Relatório parcial sobre supostas irregularidades da empresa de logística VTCLog apuradas pela CPI da Covid, ao qual o UOL obteve acesso, não propõe o indiciamento de envolvidos nas suspeitas nem cita o motoboy da empresa Ivanildo Gonçalves, que chegou a depor à comissão. No entanto, sugere que a Polícia Federal continue investigando possíveis ilegalidades.
O parecer foi elaborado por um grupo de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito coordenado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). O texto foi entregue ao relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), para que ajude a subsidiar o relatório final a ser apresentado pelo senador. A previsão é que ele entregue o relatório em 19 de outubro para, nos dias seguintes, ser votado no colegiado.
A VTCLog presta serviços para o Ministério da Saúde na área de logística, incluindo a distribuição em território nacional de insumos e vacinas contra a covid-19. Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enviado à CPI aponta que a empresa fez movimentações atípicas de R$ 117 milhões desde 2019.
A CPI apura suspeitas de irregularidades em contrato e termos aditivos assinados pela empresa com o Ministério da Saúde, além da existência de um suposto esquema de propina da VTCLog a políticos, que teria começado em 2018, durante a gestão do atual líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) à frente do Ministério da Saúde. Ele comandou a pasta no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e nega as acusações.
Sócio minoritário da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil, negou nesta terça (5), em depoimento à CPI, que a empresa esteja envolvida em irregularidades. Ele disse também não se relacionar com Ricardo Barros e afirmou que a prestadora de serviço não quitou boletos em favor do ex-diretor de logística da pasta da Saúde Roberto Ferreira Dias — demitido em junho deste ano.
Segundo Raimundo Nonato, a VTCLog é uma "empresa familiar", sem processos financeiros internos modernizados, com uma estrutura contábil desproporcional à realidade de outros grandes fornecedores na gestão pública. Por esse motivo, de acordo com o empresário, faz uso de procedimentos como pagamentos de boletos na boca do caixa e outros que levantaram suspeitas durante a apuração da CPI.
Relatório parcial propõe investigação da PF
Embora não sugira indiciamentos, o relatório parcial aponta uma série de indícios de irregularidades e afirma que as investigações sobre a empresa devem continuar.
Para o grupo de trabalho, devem ser abertos processos administrativos ou inquéritos da Polícia Federal para apurar se houve crime por parte de agentes públicos na elaboração de um edital ou de termos aditivos sob suspeita de corrupção para benefício da VTCLog.
O relatório parcial cita, por exemplo, a possibilidade de negligência ou má-fé no cálculo de estimativas de demanda, advocacia administrativa em favor da VTCLog ou vazamento de informações para empresas mais bem colocadas na disputa.
"Dada a diferença de um centavo entre as propostas no pregão, e posterior desqualificação da primeira colocada, também é válido investigar se houve conluio entre as empresas participantes", diz trecho do texto.
Também é sugerido que o TCU (Tribunal de Contas da União) analise uma licitação em que a VTCLog está envolvida para verificar a hipótese do chamado "jogo de planilha". Isso porque, segundo o relatório, a empresa ofereceu descontos "substanciais" em diversos itens de menor demanda, mas não em um serviço de demanda elevada.
O "jogo de planilha" consiste na prática em que, "dado um certame de menor preço global com previsão de preços unitários, uma ou mais empresas oferecem preços muito baixos em alguns itens, buscando compensação posterior com o aumento de quantidades em outros
itens de preço unitário menor, cujo preço fora (proposital ou inadvertidamente) superestimado pelo poder público", explica o parecer.
"Chamam atenção, em especial, os descontos dados no armazenamento refrigerado, cujo principal insumo é a eletricidade, item que tem custo virtualmente idêntico para todos os competidores", afirma o texto.
Motoboy ausente de parecer
O relatório parcial não menciona o motoboy da VTCLog Ivanildo Gonçalves, apesar de ele ter sido ouvido em depoimento pela CPI da Covid, sobre saques e pagamentos considerados suspeitos por senadores da comissão, e ter tido sigilos quebrados.
O nome de Ivanildo é citado várias vezes em relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Dados enviados pelo órgão mostram ainda que Ivanildo efetuou saques que somaram mais de R$ 3 milhões na mesma agência bancária —da Caixa Econômica Federal, localizada no aeroporto de Brasília—, somente no período entre janeiro e julho de 2021.
Senadores então passaram a ver o motoboy como "aparente intermediário em esquemas duvidosos" da VTCLog.
Em depoimento à CPI, em 1º de setembro, Ivanildo afirmou que realizou saque de cerca de "R$ 400 mil", sem especificar valores exatos, em contas bancárias da VTCLog, e negou ter entregado recursos de forma indevida a terceiros.
Indagado se ele havia feito entregas no prédio do Ministério da Saúde, ele confirmou que esteve no local diversas vezes e que, em dado momento, se dirigiu ao quarto andar para entregar um pendrive.
Posteriormente, a comissão verificou que o quarto andar é justamente onde está instalado o departamento de logística, isto é, o ex-local de trabalho de Dias. Ivanildo, porém, negou conhecer Dias ou ter estado com ele.
As movimentações do motoboy com suspeitas de corrupção foram noticiadas originalmente pelo Jornal de Brasília.
Em uma explicação que não convenceu todos os senadores, um dos donos da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil, declarou que cabia ao motoboy a função de quitar despesas da empresa e de seus sócios. Ele negou que sobrava algum dinheiro em espécie desses pagamentos.
Questionado sobre o pendrive levado ao Ministério da Saúde, Raimundo Nonato disse que é costume da empresa utilizar desse recurso para enviar as faturas mensais à pasta em razão do tamanho dos arquivos, que seriam grandes demais para serem encaminhados por email.
O que diz a VTCLog
Por meio de nota, a VTCLog afirmou que a CPI apresenta "uma série de questões técnicas que poderão ser amplamente aprofundadas e discutidas pelos órgãos de controle".
"Algumas já são objeto de legítimo e institucional questionamento, recebendo por parte da VTCLog todos os esclarecimentos necessários. Sempre nos colocamos e sempre nos colocaremos à disposição para demonstrar a idoneidade de nossa atuação, responsável durante a pandemia pela entrega de todas as vacinas da covid-19 a todos os brasileiros vacinados."
Suspeitas na mira da CPI
Ao longo dos trabalhos, a CPI apontou que a VTCLog conseguiu oito contratos com dispensa de licitação firmados entre 2016 e 2018, totalizando R$ 335 milhões e que os negócios da empresa com o Ministério da Saúde aumentaram em cerca de 50% no período em que o Ricardo Barros comandava a pasta, com base em dados do Portal da Transparência.
Até 2018, a distribuição de vacinas e de outros insumos pelo governo federal era feita pelo próprio Ministério da Saúde por meio da Cenadi (Central Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos), órgão que existiu por cerca de 20 anos.
Sob a justificativa de redução de gastos, Ricardo Barros decidiu desmobilizar a Cenadi e promover uma licitação para concentrar em uma única empresa a logística do Ministério da Saúde. A primeira colocada acabou inabilitada, e a VTCLog assumiu o contrato com o Ministério da Saúde em março de 2018, no valor de R$ 97 milhões ao ano, segundo o relatório. O contrato é válido até 2023.
"As demandas informadas para alguns serviços, por motivos que até o momento não foram esclarecidos, não chegaram nem perto de corresponder à realidade observada, mesmo antes do início da pandemia", afirma trecho do relatório parcial, que ainda aponta possível direcionamento do edital para que a VTCLog saísse vencedora.
Termos aditivos foram feitos em cima desse contrato, nos quais senadores veem indícios de sobrepreço e mudanças erradas na forma de se calcular os novos valores cobrados pelos serviços prestados.
Em um deles, técnicos do ministério haviam estipulado inicialmente o valor de R$ 1 milhão para os serviços, quase 19 vezes abaixo do que acabou sendo aceito pelo Departamento de Logística, que tinha Roberto Ferreira Dias como diretor, após revisões na metodologia de cálculos, afirmam senadores.
Dias teria, inclusive, ignorado parecer da consultoria jurídica do Ministério da Saúde contra aspectos do termo aditivo, segundo parlamentares.
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