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Relatório governista diz que tratamento precoce foi no afã de salvar vidas

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo*

20/10/2021 12h23

O senador bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou hoje o resumo do relatório alternativo ao texto de mais de mil páginas feito pelo relator da CPI da Covid no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL).

No documento de 11 páginas, que sintetiza o original com cerca de 200, Rogério, alega que o trabalho de Renan na Comissão Parlamentar de Inquérito foi parcial. Além de negar as acusações feitas contra o governo federal no combate à pandemia, o senador apresenta uma autocrítica sobre o tratamento precoce contra a covid-19, algo que nunca foi comprovado pela ciência, mas até hoje é reforçado por Bolsonaro.

Para o senador, que é aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a indicação para uso de hidroxicloroquina, entre outras medidas de tratamento precoce, "foram feitas no afã de enfrentar a pandemia e salvar o maior número possível de vidas de brasileiros".

"Aliás, não se pode afirmar quantas vidas tenham ou não sido salvar em função de diferentes protocolos adotados, os quais, sem exceção, tiveram que considerar medicamentos sem comprovação científica comprovada, pelo chamado tratamento off label", escreveu o senador. Tirando as vacinas, aprovadas cientificamente, e as medidas não farmacológicas —distanciamento, uso de máscara, higiene—, não há protocolo que utilize medicamentos sem comprovação.

Rogério, aliás, evita utilizar o termo "tratamento precoce", difundido por Bolsonaro e aliados desde o ano passado. Para o senador, é "tratamento imediato". O uso de protocolos não comprovados —mas estimulados pelo presidente— é alvo de denúncia contra a operadora de saúde Prevent Senior. O senador diz que "o fato não possui qualquer conexão com o governo federal".

Quanto ao uso desse ou daquele medicamento para enfrentamento da pandemia, tanto na rede pública quanto na privada se respeitou a autonomia do médico, que não tinha --e ainda não tem-- opção alguma de medicamento com previsão de eficácia contida na bula
Marcos Rogério (DEM-RO), senador e membro da CPI da Covid

Para o senador, caso a CPI considere "que a cloroquina ou a hidroxicloroquina realmente causaram mortes de pacientes", prefeitos e governadores que compraram esses medicamentos também deveriam ser colocados na lista de pedidos de indiciamento.

Pesquisas já indicavam a ineficácia da hidroxicloroquina contra a covid desde meados de 2020. Em dezembro do ano passado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) passou a contraindicar o uso do medicamento em casos da doença. A entidade também não recomenda o uso de ivermectina, a não ser em ensaios clínicos.

Sobre a pandemia no Amazonas, que foi um dos focos mais problemáticos no país, o senador colocou a culpa na gestão estadual e na Prefeitura de Manaus. O senador, porém, não faz referência ao envio de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento de pacientes na região.

Imunidade de rebanho

Rogério diz que o governo não apostou na imunidade de rebanho como estratégia contra a pandemia, que seria controlada quando a maior parte da população estivesse contaminada. Prova disso seria o fato de o governo ter adquirido doses de vacina para imunizar a população.

No início da crise sanitária, porém, o presidente chegou a defender a tese. Ele, inclusive, não se vacinou até hoje, apesar de a ciência indicar que isso deveria ser feito visando a proteção coletiva.

Rogério, aliás, faz uma ligação entre a diminuição de mortes e casos com o avanço da vacinação no país. O resumo, porém, não cita que o governo federal ignorou ofertas de venda de vacina feitas pelo laboratório Pfizer e atuou contra o imunizante do Instituto Butantan, a CoronaVac, ligado ao governador paulista, João Doria (PSDB), ex-aliado e atual adversário de Bolsonaro.

Sobre o gabinete paralelo que aconselhava Bolsonaro, Rogério diz que isso não é crime, já que "a prática de aconselhamento com pessoas e especialistas não vinculados à Administração Pública não é crime e pode ser verificada em outros governos".

Covaxin

Rogério também disse que a CPI não conseguiu provas sobre superfaturamento na compra da vacina Covaxin, com contrato firmado mesmo antes de o imunizante ter sido aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), algo que Bolsonaro sempre disse que seria condição para compra.

A comissão, porém, diz que, no caso Covaxin, houve "benefício a uma empresa intermediária, uso de documentos falsos no processo de compra, tentativa de recebimento de pagamento antecipado", além de documento "com informações erradas e conflito com as regas regulatórias da Anvisa".

Governos locais

Rogério também coloca a culpa da pandemia em prefeitos e governadores, que "prejudicaram" e "comprometeram" o combate à pandemia. Ele também queria o indiciamento de chefes de Executivos estaduais e municipais por suspeitas de irregularidades na pandemia.

A CPI, porém, não pode atuar além do que diz respeito do âmbito da administração federal. Ou seja, apenas se envolvesse o uso de verba federal nos estados e municípios. A comissão não ouviu governadores em mandato.

Por isso, o senador diz ter ficado evidente "que o foco da maioria dos membros sempre foi atacar o Presidente da República, num claro jogo político e eleitoral". "Não restam maiores dúvidas de que a CPI não se ocupou em apurar as verdadeiras causas das milhares de mortes de brasileiros, quando do combate à pandemia da covid19, mas apenas taxar o presidente da República como culpado."

Outro relatório

O senador Eduardo Girão também preparou um relatório paralelo, que ainda não foi protocolado. Ele foi autor de um requerimento que incluiu no escopo da CPI a investigação das transferências de recursos federais a estados e municípios em função da pandemia de covid-19.

Para ele, no entanto, a CPI "fugiu" dessa parte por ligações com governadores do Norte e do Nordeste. "A CPI perdeu a mão usando o ódio como instrumento de vingança pessoal com propósitos politiqueiros", disse.

*Com informações do Estadão Conteúdo

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.