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Governo diz não ter atingido 1/3 das metas do 1º ano do plano anticorrupção

O presidente Jair Bolsonaro participa da solenidade que marcou um ano do plano anticorrupção lançado pelo governo - Antonio Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro participa da solenidade que marcou um ano do plano anticorrupção lançado pelo governo Imagem: Antonio Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes e Eduardo Militão

Do UOL, em São Paulo e Brasília

10/12/2021 04h00Atualizada em 10/12/2021 10h52

O governo de Jair Bolsonaro (PL) anunciou ter alcançado 60 das 90 metas que estabeleceu no primeiro ano do Plano Anticorrupção. O prazo de entrega de 28 das 30 não atingidas foi adiado. As informações estão em anúncio feito na quinta-feira (9).

A CGU (Controladoria-Geral da União) havia informado, em comunicado na semana passada, que parte das ações "teve o prazo remanejado para os anos seguintes". "As alterações ocorreram por questão operacional e, em alguns casos, pela necessidade de amadurecimento das discussões", justificou a CGU.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam, porém, a importância de uma das medidas executadas, o projeto de regulamentação do lobby, que estava atrasado, mas pode impulsionar projetos já em andamento no Congresso. O governo anunciou um decreto para uniformizar a divulgação de agendas de autoridades e proteger servidores que denunciam irregularidades.

O plano anticorrupção foi lançado em dezembro de 2020. Tem 145 metas até 2025. Ou seja, 39% foram atingidas até o momento. Para 2021, estavam previstas 83 ações, quantidade que foi reajustada para 90.

Além da regulação do lobby, as ações alcançadas foram:

  • inclusão de cláusulas, em acordos de cooperação internacional, para recuperação de dinheiro desviado no exterior antes das condenações terem sido totalmente julgadas;
  • publicação de notas fiscais no portal da transparência;
  • coleta de informações de autoridades e pessoas ligadas a elas, as chamadas "pessoas politicamente expostas" (PEPs);
  • e lei para divulgar as renúncias fiscais na internet com dados dos beneficiários.

Entre 30 as propostas que não foram entregues, estão:

  • mudar a lei de conflito de interesses, em vigor desde 2013;
  • atualizar normas sobre conduta ética de autoridades;
  • impedir que uma pessoa acusada de sonegação deixe de responder criminalmente apenas porque parcelou uma dívida de impostos;
  • e regras para dar descontos nas multas pagas por empresas que fazem acordos de leniência.

"Não dá para arrumar de uma hora para outra", diz Bolsonaro

Na cerimônia de apresentação dos resultados, nesta semana, Bolsonaro voltou a defender que não há corrupção em seu governo. "Não dá para arrumar de uma hora para outra. Me sinto às vezes impotente", disse o presidente nesta quinta-feira.

Desde 2019, existem suspeitas de crimes de colarinho branco e outras irregularidades no Executivo sob investigação. Em 2020, havia sete casos.

Um deles é o de Fábio Wajngarten, então secretário de Comunicação da Presidência da República. Trabalhando dentro do Palácio do Planalto, ele passou a ser investigado em 2020 por suspeita de corrupção e desvio de dinheiro na administração da verba de publicidade estatal. O inquérito segue em andamento na Polícia Federal, mas Fábio Wajngarten deixou o governo neste ano. Ele nega irregularidades.

"Estamos cumprindo a determinação dada no início do governo: fortalecer instituições e criar mecanismos eficientes de luta contra a corrupção. Não temos hoje um único caso de corrupção na cúpula do governo federal"
Wagner Rosário, ministro da CGU

OCDE reconhece ação dos governos Lula e Temer

O Plano Anticorrupção de Bolsonaro foi lançado, no ano passado, em meio às tentativas do Brasil de integrar a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

No evento realizado ontem para marcar um ano do plano, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann — que enviou vídeo para a cerimônia —, e o ministro Wagner Rosário destacaram um relatório sobre a atuação da CGU. No documento, a entidade internacional diz que dois sistemas considerados "iniciativas importantes" em políticas de integridade no Brasil foram criadas em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e em 2017, na gestão de Michel Temer (MDB).

A OCDE alertou ainda haver órgãos e sistemas que aparentam atuar de forma sobreposta. "O Brasil poderia considerar transferir do SGEP [um dos sistemas de políticas de integridade] a responsabilidade de apoiar a ética pública e gerenciar conflitos de interesses para o Sipef [outro sistema] e suas instituições, levando assim ao estabelecimento de um sistema único que evite sobreposições e mal-entendidos", disse a entidade no relatório do plano, divulgado na quarta-feira (8).

Mathias Corman elogiou a atuação do país em políticas de integridade. "O Brasil está bem posicionado para apoiar esse esforço", afirmou.

Ministro da Justiça reprova críticos

O ministro da Justiça, Anderson Torres, rebateu "aqueles que insistem em dizer que nosso governo não combate a corrupção", durante a cerimônia no planalto. Ele citou a Polícia Federal como exemplo.

"Reestruturamos e ampliamos o setor da Polícia Federal, que realizou, somente este ano, mais de 150 operações de combate à corrupção e resultaram na apreensão de cerca de R$ 209 milhões", disse ele, destacando ações na pandemia.

"Fomos implacáveis contra aqueles que se aproveitaram de um momento de fragilidade da população e de necessidades urgentes na área de saúde para se beneficiar com essa prática criminosa."
Anderson Torres, ministro da Justiça

O ministro da CGU, Wagner Rosário, também defendeu a atuação do governo Bolsonaro. "Lutar contra a corrupção não é fácil; é um desafio enorme. Mas o governo federal vem fazendo a sua parte", afirmou.

Atuação é tímida e não ataca problemas, diz instituto

O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o procurador de Justiça Roberto Livianu, disse que a atuação do governo no combate aos crimes de colarinho branco é tímida. Ele disse que os projetos sobre lobby, agendas de autoridades e proteção a informantes são bem vindos.

No entanto, Livianu destacou os temas que não são abarcados pelo governo no plano anticorrupção (na lista, ele inclui leis que, a seu ver, foram enfraquecidas no Congresso e acabaram sancionadas por Bolsonaro):

  • punição ao caixa dois eleitoral;
  • fim do foro privilegiado em tribunais superiores para políticos e autoridades investigados por crimes e até irregularidades cíveis;
  • prisão de pessoas condenadas por tribunais de segunda instância;
  • medidas para controle interno de partidos políticos, o chamado "compliance";
  • reforço à eficácia da Lei de improbidade administrativa;
  • reforço à eficácia à da lei da "Ficha Limpa";
  • e uso de escutas ambientais como provas de crimes de violência, inclusive doméstica, e de corrupção.

É uma enorme timidez destas iniciativas. Nove de dezembro é um dia triste para o combate à corrupção, porque tivemos enormes retrocessos. 2021 foi um ano terrível"
Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

O diretor da Transparência Internacional Bruno Brandão, a presidente da Associação Brasileira de Relações Governamentais (Abrig), Carolina Venuto, e o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), autor de projeto que regulamenta o lobby, disseram ao UOL que vão esperar a publicação dos textos das propostas do governo para analisar a eficiência delas.