Topo

CGU e Congresso tentam retomar projetos que regulam o lobby no Brasil

O petista Zarattini ofereceu relatoria de proposta ao líder do governo Bolsonaro, que tem ideia própria - Cleia Viana/Ag.Câmara/22.set.2021
O petista Zarattini ofereceu relatoria de proposta ao líder do governo Bolsonaro, que tem ideia própria Imagem: Cleia Viana/Ag.Câmara/22.set.2021

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

22/10/2021 04h00

Enquanto o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, tenta mandar ao Congresso um projeto que regulamenta o lobby, deputados e lobistas pressionam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a votar uma proposta sobre a atividade que está parada no plenário da Casa há três anos.

A ideia é dar mais transparência para as atividades dos grupos sociais e econômicos que pressionam autoridades do Executivo e do Legislativo na construção de leis, regras e políticas públicas. Além disso, regulamentar o lobby é uma das exigências para que o Brasil entre no "clube dos países ricos", a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Há duas semanas, Rosário disse à rádio Bandeirantes que "se Deus quiser" a proposta chegaria ao Congresso em breve. Ele tentou mandar a proposta em março passado, mas não conseguiu.

Há cerca de duas semanas, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), autor de um projeto que regula o lobby e que já está no Congresso, procurou Lira para falar sobre o assunto. "Falei que ele deveria pautar, porque o governo vem falando que vai apresentar outro já faz dois anos", disse o petista ao UOL.

Zarattini também foi até o líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), deputado Ricardo Barros (PP-PR): "Sugeri ao Ricardo Barros que ele assumisse a relatoria". Por sua vez, Barros disse à reportagem que aguardará o projeto "atrasado" da CGU e que a proposta será apensada ao projeto de Zarattini ou a algum outro mais antigo.

Barros contou que o projeto da CGU está na Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência e que chegará "brevemente", "nos próximos dias".

Deve ser encaminhado e vai ficar apensado a esse para a gente votar"
Ricardo Barros, líder do governo na Câmara

Lobby Legal 3 - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

"É importantíssimo", diz Rosário

Ricardo Barros confirma o interesse do governo: "Já está atrasado, mas eu estou esperando. Se o Arthur Lira me convidar, eu relato".

O líder se disse favorável à ideia, assim como fazem 67% dos parlamentares, segundo pesquisa da Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais). "Eu tenho interesse na votação do [projeto do] lobby", afirmou Barros. "Acho que é importante para o país."

Wagner Rosário disse à rádio que o projeto do lobby "é um ponto importantíssimo". "Já está pronto", continuou. "Está na revisão final jurídica. Vamos encaminhar para o parlamento uma lei atualizada, uma lei aderente ao que a OCDE e os países mais desenvolvidos preconizam."

Ministro promete projeto de lobby (tempo: 36min)

Mas a Casa Civil da Presidência não se compromete com prazos para apresentar o projeto. O conteúdo da minuta da proposta está em análise pela pasta comandada por Ciro Nogueira (PP). A Secretaria-Geral cuida dos aspectos legais e formais. "No momento, não há previsão de envio do projeto ao Congresso", informou a Casa Civil ao UOL.

A assessoria do presidente da Câmara, Arthur Lira, disse à reportagem que ele "não vai comentar" o assunto. A assessoria da CGU não prestou esclarecimentos.

Políticos e lobistas querem lobby sem regras, reclama petista

Para Zarattini, o histórico de atraso na votação da regulação do lobby mostra que poucos têm real interesse na mudança. Isso incluiria parlamentares, lobistas e o governo Bolsonaro. "É só conversa", reclama. "Ninguém quer regulamentar o lobby."

Os lobistas aqui ficam à vontade, falam com quem querem, fazem o que querem, não tem nenhum registro. É isso que eles querem. Acha que eles querem anotar quem é que fala com quem? Prestar contas? Nada disso"
Carlos Zarattini, deputado

Segundo ele, os lobistas reunidos em associação, como a Abrig, aceitam regulamentar a atividade, ao contrário do típico "lobista para valer", que seria o grupo formado por "aqueles que chegam aí para resolver projeto a favor, contra".

CGU tenta mandar projeto pela segunda vez

Essa é a segunda minuta de projeto sobre o lobby que a CGU envia ao Palácio do Planalto. A última foi em 2017, ainda na gestão de Michel Temer (MDB). Em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o órgão ainda fez debates sobre a regulação do tema.

Com o apoio da Controladoria e do Congresso, um pacote de medidas contra a corrupção virou lei entre 2011 e 2013, na gestão de Dilma Rousseff (PT). Foram criadas a Lei de Acesso à Informação, o decreto para divulgação dos salários de servidores e políticos, a Lei Anticorrupção empresarial, a Lei do Conflito de Interesses, que tratou a divulgação de agendas, e a Lei das Organizações Criminosas, que incrementou a colaboração premiada.

No ano passado, o governo Bolsonaro lançou um plano anticorrupção, com 142 propostas para serem feitas até 2025. Entre elas, uma lei para regular o lobby que deveria ter sido enviada ao Legislativo em março. O plano previu atualizar duas regras criadas na era Dilma: divulgação de agendas de autoridades e normas sobre conflito de interesses.

No Congresso, existem projetos sobre regulação do lobby desde 1989. A proposta do falecido senador Marco Maciel (DEM-PE) foi aprovada em 1990 e está parada no plenário da Câmara desde 2003. O projeto de Zarattini foi apresentado em 2007. Começou a ser votado no plenário da Câmara em abril de 2018, mas está parado desde então.

Há outras propostas, mas que foram apresentadas há pouco tempo, pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) e a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP).

Lobby legal reduz corrupção, diz ONG

Consultor sênior da Transparência Internacional no Brasil e professor de direito da PUC do Rio, Michael Mohalem diz que uma boa regulação das atividades de lobby tem potencial para trazer três benefícios ao cidadão. A transparência, a integridade, o oposto da corrupção, e a igualdade de acesso dos lobistas aos tomadores de decisão podem ser atingidos se as leis forem bem feitas, disse ele.

"Saber quem, que empresa, que interesse foi atendido pelo tomador de decisão no momento em que a decisão era formada é relevante para a sociedade", diz Mohalem. Segundo ele, isso ajuda a entender por que a decisão do governo ou do Congresso foi numa direção, e não em outra.

"As relações de lobby são legítimas. Quando a regulamentação é feita de forma correta, isso ajuda a preservar o ambiente de integridade, ou seja, reduz as oportunidades de corrupção, aquela oferta de pagamento para a tomada de decisão"
Michael Mohalem, consultor da Transparência Internacional

Para Zarattini, a regulamentação do lobby dará mais informações para o eleitor escolher seus candidatos. "Se você souber quem conversa com quem, se você tiver uma noção de quem é que está articulado com qual interesse, você vai escolher melhor o seu voto. Se você tiver transparência, o eleitor vai saber em quem ele está votando, qual é o comportamento real do deputado. Isso é o mais importante."

A presidente da Abrig, Carolina Venuto, disse que a transparência e a igualdade de acesso são as principais necessidades da categoria. Segundo ela, a atividade ajuda a melhorar a democracia e a qualidade das decisões tomadas.

Ela lembra que as agendas das autoridades precisam ter mais detalhes. Carolina disse que estranha quando, por exemplo, funcionários do Ministério da Economia colocam em suas agendas os temas das reuniões apenas como "assuntos econômicos" ou "despachos internos".

Profissionais precisam do mesmo acesso dos ex-políticos, diz associação

Carolina destaca que todos os representantes de empresas, associações, sindicatos e ONGs precisam ter o mesmo acesso às autoridades que têm os políticos profissionais que deixaram os mandatos e passaram a atuar como lobistas.

Com regras, isso valeria para qualquer lobista, independentemente de sua origem. "É importante ter regulamentação que permita a atuação tanto desses que, naturalmente, vão ter um acesso privilegiado, como daquele que nunca foi parlamentar, que está começando, que vai defender o interesse de um pequeno setor ou de uma parcela pequena da sociedade, que é tão legítimo como dos grandes ex-políticos, que venham a exercer a atividade de lobby", afirmou Carolina Venuto.