Na TV, Bolsonaro critica 'passaporte' vacinal, distorce e omite informações
Em pronunciamento de seis minutos em rede nacional de rádio e televisão hoje à noite, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a criticar governadores e a exigência de "passaporte" vacinal. Ele ainda voltou a defender a prescrição médica para que crianças sejam vacinadas contra a covid-19, além de distorcer e omitir informações.
"Não apoiamos o passaporte vacinal, nem qualquer restrição àqueles que não desejam se vacinar. Também, como anunciado pelo ministro da Saúde, defendemos que as vacinas para as crianças entre 5 e 11 anos sejam aplicadas somente com o consentimento dos pais e prescrição médica. A liberdade tem que ser respeitada", declarou.
O presidente da República também buscou defender as ações do governo federal ao longo da pandemia do novo coronavírus, em especial as medidas econômicas.
A fala de fim de ano do presidente Jair Bolsonaro foi transmitida às 20h30 e serviu como um compilado do governo em defesa das ações praticadas ao longo de 2021.
Bolsonaro, a primeira-dama, Michelle, e a filha deles, Laura, estão de folga em São Francisco do Sul, em Santa Catarina.
O período de descanso tem sido marcado por críticas pelo fato de o mandatário não ter voltado a sobrevoar áreas atingidas por enchentes na Bahia. Também tem sido marcada por passeios de moto aquática, aglomerações em praias, passeio em parque temático e ida a uma pizzaria. A expectativa é que a família Bolsonaro retorne a Brasília na semana que vem.
Crítica a governadores e vacinação de crianças
O ano de 2021 foi marcado, mais uma vez, por embates entre Bolsonaro e governadores, principalmente em questões relacionadas à vacinação contra a covid-19, como o fechamento do comércio e restrições de circulação para evitar a disseminação do novo coronavírus no período mais crítico da pandemia. Essas medidas eram recomendadas por especialistas na tentativa de conter a pandemia e diminuir a superlotação em hospitais.
Ao criticar essas decisões de parte de governadores e prefeitos, Bolsonaro disse que uma "quebradeira econômica só não se tornou uma realidade" por causa de ações do governo federal. Segundo o presidente, os "mais humildes" foram "abandonados pelos que mandavam fechar tudo".
O governo federal quer que crianças de 5 a 11 anos sejam vacinadas contra a doença com a apresentação de prescrição médica. Ao menos 19 estados mais o Distrito Federal já declararam que não devem cobrar o documento para a imunização.
Embora a vacinação em crianças com o imunizante da Pfizer já tenha sido autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 16 de dezembro, o governo federal ainda não aplicou qualquer dose nessa parcela da população.
O Ministério da Saúde diz que a previsão é que a vacinação em crianças de 5 a 11 anos comece em janeiro. Enquanto isso, promove consulta pública sobre o tema. A expectativa é que a pasta anuncie alguma atualização em 5 de janeiro.
Ao longo do discurso, Bolsonaro buscou ressaltar que o governo federal comprou vacinas contra a covid-19 e que, atualmente, o Brasil é um dos países que mais vacinaram a população. Ele defendeu que cada um tem "liberdade" para decidir se quer vacinar-se ou não, e que todo adulto no país já teve a oportunidade de tomar um imunizante, se assim o desejar.
"Encerramos o ano de 2021 com 380 milhões de vacinas distribuídas à população, todas adquiridas pelo nosso governo."
O governo federal foi duramente criticado ao longo da CPI da Covid, no Senado, por não ter respondido de imediato a ofertas da farmacêutica Pfizer no segundo semestre de 2020 para a compra de vacinas contra o novo coronavírus. Hoje, Bolsonaro ignorou o episódio e buscou ressaltar que a primeira pessoa vacinada contra a covid-19 no mundo foi no Reino Unido em dezembro do ano passado.
Na avaliação de Bolsonaro, o Brasil foi um "exemplo para o mundo" na vacinação em meio à pandemia.
Bolsonaro reforça oposição a 'passaporte' vacinal
O presidente aproveitou o discurso para criticar a exigência da apresentação do comprovante de vacinação completa contra a covid-19, conhecido como o "passaporte da vacina", para acesso a determinados lugares ou atividades.
Hoje à noite, o governo federal sofreu um revés no tema com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), de suspender despacho do Ministério da Educação que proibia as instituições federais de ensino de cobrarem o documento como condição para o retorno às atividades presenciais.
Especialistas criticam esse posicionamento do governo e avaliam que a Anvisa já analisou corretamente as informações técnicas necessárias que asseguram que a vacina da Pfizer contra a covid-19 para crianças é segura. Lembram ainda que a prescrição médica não é exigida para a aplicação de outros imunizantes no público infantil.
Outros destaques do pronunciamento de Bolsonaro foram a liberação do auxílio emergencial, para ajudar pessoas de baixa renda ao decorrer da pandemia, e a criação do Auxílio Brasil, que substituiu o programa Bolsa Família, entre outros pontos econômicos.
"Para aqueles que perderam sua rende, criamos o auxílio emergencial, onde 68 milhões de pessoas se beneficiaram. O total pago em 2020 equivale a mais de 13 anos de gasto com o antigo Bolsa Família."
Ele não citou, porém, iniciativas do Congresso Nacional para ampliar o valor do auxílio emergencial. Inicialmente, a equipe econômica planejava que o benefício fosse de R$ 200 mensais aos trabalhadores informais. Após ser criticado, o presidente passou a defender o valor de R$ 600, conforme articulado e aprovado pelos parlamentares.
Bolsonaro atribuiu a inflação à "equivocada política do 'fique em casa, a economia a gente vê depois'".
Segundo economistas ouvidos pelo UOL em outubro deste ano ao serem questionados se a inflação no Brasil é culpa do governo ou é reflexo do que acontece no mundo, houve mesmo uma alta mundial no preço dos alimentos e do petróleo. Mas a inflação poderia ser menor se o governo brasileiro não tivesse alimentado a valorização do dólar e adotasse medidas para reduzir o impacto da alta de preços no mundo, avaliam especialistas.
Crise após chuvas fortes na Bahia em 2º plano
A crise enfrentada pela população na Bahia e em Minas Gerais foi abordada pelo presidente no final do discurso, sem tanto destaque. Bolsonaro disse que, "desde o primeiro momento, determinei que os ministros João Roma e Rogério Marinho prestassem total apoio aos moradores desses mais de 70 municípios atingidos".
Bolsonaro liberou hoje R$ 700 milhões para a assistência social à população de áreas afetadas pelas fortes chuvas, como na Bahia e em Minas Gerais. A Medida Provisória que abre crédito extraordinário no valor de R$ 700 milhões para uso do Ministério da Cidadania foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.
O valor representa apenas 35% do custo total que a Bahia precisa para reconstruir as estruturas destruídas pelas chuvas, segundo o governador Rui Costa (PT). Ele disse ontem, quinta-feira (30), durante visita a municípios da região sul, que serão necessários R$ 2 bilhões para recuperar casas, rodovias estaduais e federais, além do custo social de moradores e comerciantes que perderam móveis, eletrodomésticos e mercadorias.
A Defesa Civil da Bahia aumentou ontem para 25 o número de mortos no estado por causa das fortes chuvas que acometem a região. De 163 cidades afetadas pelos temporais, 151 estão em situação de emergência.
A quantidade de pessoas feridas aumentou para 517. Ao menos 643.068 pessoas foram atingidas pela tragédia, que tirou 91.806 delas de suas casas; 37.035 estão completamente desabrigadas.
Bolsonaro nega corrupção; veja suspeitas
Em determinado momento do pronunciamento, Bolsonaro disse que o Brasil não registra casos de corrupção há três anos, o que coincide com o início de seu mandato.
"Completamos três anos de governo sem corrupção. Já concluímos, com menor custo, centenas de obras paradas há vários anos", disse.
No entanto, o presidente é alvo de investigação por suspeita de prevaricação no caso das negociações para a compra da vacina contra a covid-19 Covaxin pelo Ministério da Saúde.
A suspeita nasceu de uma acusação feita durante a CPI da Covid, no final de junho deste ano, pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, o servidor da pasta da Saúde Luis Ricardo Miranda. Aos senadores, eles disseram terem alertado Bolsonaro pessoalmente, em encontro no Palácio da Alvorada, sobre irregularidades na compra da vacina, sem que o chefe do Executivo tivesse tomado medidas para acionar investigações.
A CPI da Covid também abordou a oferta de vacinas pelo cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti, que acusou o então diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias de ter cobrado propina na negociação dos imunizantes, que acabou não se concretizando.
Outro caso de repercussão é o das chamadas emendas secretas do orçamento, usadas sem transparência para que políticos que apoiam o governo possam efetuar repasses a municípios de suas bases eleitorais.
Há outras suspeitas que não têm relação direta com o governo, mas que atingem a família Bolsonaro.
Dois filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), são investigados por suspeitas de corrupção. O primeiro é suspeito de suposta prática de "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio, quando era deputado estadual, enquanto o segundo é suspeito de ter abrigado funcionários fantasmas na Câmara Municipal carioca.
Para evitar a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro na Câmara dos Deputados, o Planalto intensificou a negociação de cargos e emendas a parlamentares, com destaque aos integrantes de partidos do chamado centrão -mais fisiológicos, sem tantas ideologias políticas sólidas.
A medida permitiu que o governo ampliasse a base aliada no Congresso Nacional. Mas isso não foi suficiente para impedir o funcionamento da CPI da Covid no Senado, em que várias suspeitas de corrupção —como ainda no contrato bilionário do Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos para o fornecimento de vacina contra a covid-19— foram apuradas.
O presidente Jair Bolsonaro foi apontado no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia de coronavírus, que matou mais de 600 mil pessoas no Brasil.
Os crimes apontados a Bolsonaro pelo documento foram epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos; e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).
O governo Bolsonaro tem sido marcado pela troca frequente de ministros. Ao comentar sobre a saída de titulares de pastas, disse que "alguns nos deixaram por livre e espontânea vontade" e que "outros foram substituídos por não se adequarem aos propósitos da maioria que me elegeu".
O presidente não citou que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro pediu demissão do governo alegando interferência de Bolsonaro no comando da Polícia Federal, por exemplo.
Bolsonaro finalizou o discurso dizendo que o Brasil tem hoje um governo que "acredita em Deus, respeita seus militares, defende a família e deve lealdade ao seu povo".
"Um excelente 2022 a todos. Que Deus nos abençoe."
Panelaço durante pronunciamento
Ao longo da transmissão do pronunciamento de Bolsonaro, houve registro de panelaços contra o presidente da República em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e Florianópolis.
Hoje mais cedo, Bolsonaro publicou um vídeo em suas redes sociais em que ironizou o então possível panelaço.
"Estou convocando toda a esquerda do Brasil para fazer um panelaço, bem grande, para comemorar três anos sem corrupção", disse, em conversa com apoiadores em Santa Catarina.
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