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Câmara aprova projeto que flexibiliza regras sobre agrotóxicos

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

09/02/2022 17h12Atualizada em 10/02/2022 11h53

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou hoje, por 301 votos a favor e 150 contrários, além de duas abstenções, o projeto de lei que muda série de regras sobre os agrotóxicos no país. O texto é apelidado de "pacote do veneno" pela oposição e alvo de críticas de ambientalistas. Agora, segue para análise do Senado.

O projeto de lei 6299/02 altera diversos pontos sobre os agrotóxicos, como experimentação, produção, embalagem, transporte, comercialização, propaganda comercial, destino final dos resíduos, registro, classificação e fiscalização de agrotóxicos e seus componentes.

Os agrotóxicos são substâncias utilizadas para o controle de pragas nas lavouras, mas seus potenciais maléficos para a saúde das pessoas e do meio ambiente vêm sendo cada vez mais ressaltados e estudados. O uso de controle biológico é uma alternativa, mas ainda insuficiente para atender toda a produção agrícola mundial.

Para a Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como a bancada ruralista ou do boi, o projeto vai desburocratizar processos e permitir modernizações na área, o que pode ajudar na competitividade agrícola do Brasil no exterior, avaliam.

O texto foi apresentado em 2002 pelo então senador Blairo Maggi, um dos principais agricultores brasileiros e ex-ministro da Agricultura no governo do presidente Michel Temer (MDB).

"O PL inova toda a sistemática relativa aos pesticidas, apresentando uma política de Estado para esses produtos e uma nova sistemática para procedimentos de avaliações e registros a semelhança de países como Estados Unidos e Canadá que concentram tal atividade em um único órgão de governo. A ideia é que a ciência paute a matéria e afaste a subjetividade", diz trecho de um resumo executivo sobre o projeto no portal da frente parlamentar.

O relator do projeto, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), disse que hoje a autorização de um novo princípio ativo demora de 3 a 8 anos, o que impede que produtos mais modernos cheguem logo ao mercado brasileiro. Ele defendeu que o projeto agilizará os processos de análise e que o país precisa de mais moléculas "seguras, eficientes e menos tóxicas".

Com o projeto, a previsão é que o registro de novos produtos leve, no máximo, dois anos. O texto também estipula prazo menor para a análise do Registro Especial Temporário para produtos novos quando destinados à pesquisa e experimentação: 30 dias.

"Nenhum agricultor usa pesticida porque quer. Isso gera um custo para o produtor, mas precisamos utilizar. São remédios para as plantas."

Na avaliação da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), porém, o projeto propõe série de medidas que podem, inclusive, facilitar o registro de substâncias cancerígenas, por exemplo.

"Nós temos um governo federal e um legislativo que não têm nenhuma preocupação com a saúde e o meio ambiente, desmontando e perseguindo ambientalistas, lideranças de povos e comunidades tradicionais e até mesmo os órgãos de fiscalização. Tudo isso somado ao PL do veneno será um desastre sem precedentes na nossa história", afirmou, em nota, Karen Friedrich, integrante do Grupo Temático Saúde e Meio Ambiente da Abrasco e toxicologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Em 2018, o Inca (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva) soltou nota pública contra o projeto de lei. O instituto disse que o projeto possibilita o "registro de agrotóxicos com características teratogênicas, mutagênicas e carcinogênicas, colocando em risco a saúde da população exposta a esses produtos e o meio ambiente".

Naquele mesmo ano, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também se posicionou contra o projeto, especialmente porque, na prática, o texto tira a competência da agência de realizar a reavaliação toxicológica e ambiental dos agrotóxicos, disse. Pela última versão do texto, o registro, a normatização e a reavaliação de agrotóxicos ficariam centralizados no Ministério da Agricultura.

Coordenador da Frente Ambientalista do Congresso, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) afirmou que "não dá para nós colocarmos na mesa do brasileiro cada vez mais veneno" e classificou o projeto como um "libera geral".

"O atual governo registrou 1500 moléculas nesses 3 anos, 1500 moléculas de agrotóxicos, muitos deles banidos em diversos países. Nós temos que trabalhar em uma outra perspectiva de incentivar a produção orgânica, a produção mais limpa, a produção sustentável e saudável", declarou.

Para o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ), o projeto enfraquece não somente a Anvisa, mas também o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Isso porque, atualmente o registro de agrotóxicos têm de passar pelo Ibama, pela Anvisa e pelo Ministério da Agricultura. Na nova proposta, o Ibama e a Anvisa devem perder o poder de regulamentação. Os órgãos analisariam eventuais riscos, mas a decisão final caberia à pasta da Agricultura.

Na avaliação do líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), o projeto "vai facilitar o registro de substâncias que causam câncer, mutação genética, danos no aparelho reprodutor e distúrbios hormonais, classificando-os como riscos aceitáveis".

Além disso, destacou que o projeto de lei permite a modalidade de registro temporário. A seu ver, isso vai permitir a comercialização de substâncias "que não tenham tido tempo para a verificação se são danosas ou não".

O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) criticou o que chamou de "campanha mentirosa" por opositores à proposta e defendeu que o projeto não permite a aprovação de nenhum novo produto que seja mais tóxico do que o que está no mercado.

"O mercado está ficando cartelizado, na mão de uns poucos, o preço do defensivo agrícola indo lá nas alturas, sacrificando o produtor, inclusive aquele da agricultura familiar. Portanto, ser contra discutir isso é ser contra os avanços da tecnologia a bem da saúde. O que nós queremos são produtos menos tóxicos e com um custo menor para o produtor."

Pelo texto em tramitação, o termo "agrotóxico" vai ser substituído por "pesticida". Para críticos, a mudança é uma tentativa de suavizar o potencial tóxico diante da opinião pública. Defensores afirmam que a alteração visa padronizar o nome no Brasil à nomenclatura internacionalmente.

Projeto entre as prioridades do governo

Esse projeto foi elencado na lista de prioridades do governo federal no Congresso Nacional para 2022. A agenda legislativa do governo, com 45 temas ao todo, foi publicada no Diário Oficial da União hoje.

O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm atuado de forma próxima, como em relação à proposta para tentar diminuir o preço de combustíveis, mesmo que sem o aval da equipe econômica.

Apesar de medidas da oposição na tentativa de atrasar ou travar a votação, a urgência do projeto foi aprovada por 327 votos a favor e 71 votos contra. Houve uma abstenção.

Logo após a aprovação da tramitação em urgência, Lira abriu a discussão sobre o mérito, ou seja, o conteúdo do texto. A medida gerou protestos da oposição pela rapidez com que o texto foi tratado.

Ainda no momento de análise da urgência, parte da oposição reclamou que não houve reunião de líderes para combinar quais projetos seriam analisados hoje em plenário. Para oposicionistas, também há projetos mais importantes a serem votados no retorno do recesso parlamentar.

Arthur Lira argumentou que a pauta desta semana foi tratada ainda na última sessão do ano passado e, por isso, "não há atropelo".