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Bolsonaro mantém silêncio há um ano sobre suspeitas do caso da rachadinha

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília em novembro do ano passado - Ueslei Marcelino/Reuters
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília em novembro do ano passado Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Felipe Betim*

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/02/2022 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PL) mantém há quase um ano a "tática do silêncio" quando é instado a responder sobre suspeitas de sua participação no esquema ilegal de entrega de percentuais de salários de assessores dos gabinetes de sua família.

Procurado novamente pela reportagem nos últimos dias para comentar as declarações divulgadas pela "Veja" do jornalista Waldir Ferraz, seu ex-assessor de imprensa, o Palácio do Planalto nada respondeu. Na matéria publicada há três semanas, a segunda ex-mulher de Bolsonaro, a advogada Ana Cristina do Valle, foi apontada como uma espécie de comandante da rachadinha.

"Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. É isso. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele. Ele vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar?", afirmou Ferraz. Em outra declaração, ele afirmou, porém, que Bolsonaro foi "traído e não sabia do esquema".

Em entrevista ao UOL, Ferraz afirmou que foi "vítima de sacanagem" da revista "Veja", porém tampouco desmentiu o conteúdo da reportagem. "Eu confirmo tudo que está na imprensa. Não vi nada. Eu disse que se a pessoa [alguém] tiver feito alguma coisa, pode ser a ex-mulher".

Ferraz apontou o dedo para Ana Cristina, mas há indícios da participação direta de Bolsonaro no esquema.

Sem respostas

O UOL teve acesso às quebras de sigilo de Flávio Bolsonaro e seus ex-assessores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, após analisar mais de 600 mil operações bancárias, revelou vários indícios de que a rachadinha também era uma prática comum nos gabinetes de Jair Bolsonaro durante seus mandatos como deputado federal e do vereador carioca Carlos Bolsonaro. Em março de 2020, O UOL mostrou em uma das reportagens que quatro funcionários do presidente -e que também trabalharam para Flávio- retiraram 72% de seus salários em dinheiro vivo, um total de R$ 551 mil.

Bolsonaro empregou em seu gabinete na Câmara por oito anos Andrea Siqueira Valle, irmã de sua segunda mulher, Ana Cristina Valle. Como mostrou uma outra reportagem, Ana Cristina ficou com o saldo de R$ 54 mil da conta bancária em que sua irmã recebia o salário.

Quatro meses depois, o podcast do UOL "A Vida Secreta de Jair" revelou um áudio inédito de Andréa afirmando que Bolsonaro demitiu um irmão dela porque ele "não devolvia o dinheiro" como estava combinado.

"O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: 'Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'.

O presidente nunca se pronunciou sobre o áudio da ex-cunhada.

Bolsonaro se esquiva de responder perguntas e acusa os promotores do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) de agirem para constranger sua família no caso da investigação que tem foco o atual senador Flávio Bolsonaro, na época em que era deputado estadual.

Em agosto do ano passado, a PGR (Procuradoria-Geral da República) abriu duas apurações preliminares para investigar as declarações da ex-cunhada do presidente, mas não há notícia sobre o avanço desses procedimentos. De acordo com a assessoria de imprensa da PGR, "o assunto está em análise da assessoria Criminal, não sendo possível fornecer informações adicionais."

Na investigação oficial mais avançada sobre o caso da rachadinha, a família Bolsonaro obteve vitórias judiciais recentes. O STF negou um recurso do MP-RJ e manteve o foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro, além de anular quatro relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontavam as movimentações atípicas nas contas bancárias de Flávio e seus assessores. O inquérito contra Flávio recomeçou do zero.

*Colaborou Eduardo Militão, de Brasília