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Bolsonaro e gabinete do ódio usam facada e Adélio para tentar manter base

Momento em que o então candidato a presidente Jair Bolsonaro é atingido pela facada desferida por Adélio Bispo. O crime ocorreu em setembro de 2018 - Reprodução de vídeo
Momento em que o então candidato a presidente Jair Bolsonaro é atingido pela facada desferida por Adélio Bispo. O crime ocorreu em setembro de 2018 Imagem: Reprodução de vídeo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

15/02/2022 04h00Atualizada em 17/02/2022 12h08

Em ritmo de campanha pela reeleição, Jair Bolsonaro (PL) e o chamado gabinete do ódio — estrutura informal destinada a promover a imagem do presidente em meios digitais — investem em mais uma estratégia para manter o engajamento da militância: relembrar o episódio do atentado a faca do qual o então candidato foi alvo em 6 de setembro de 2018.

A tática é recorrente para bolsonaristas nas redes sociais desde 2019, mas vem sendo amplificada à medida que a eleição de 2022 se aproxima — e a polarização se acirra.

Bolsonaro deve ter como principal adversário nas urnas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu maior desafeto. Pesquisas de opinião divulgadas até o momento indicam ampla vantagem de Lula à frente do rival, com possibilidade até de vitória ainda no primeiro turno.

Nos últimos dias, o episódio da facada voltou a ecoar nas redes sociais com boatos de que, em novo depoimento à Polícia Federal, o autor do crime, Adélio Bispo, teria citado um partido de oposição como mandante da facada. Segundo apuração do UOL, a informação é falsa, e não houve esse depoimento. A PF afirma que os inquéritos já concluídos sobre o caso mostram que Adélio agiu sozinho.

A mentira foi publicada no sábado (12) por um perfil anônimo hospedado no Twitter e, na segunda-feira (14), atingiu escala entre os assuntos mais comentados na rede social no Brasil. A performance se deve ao engajamento da base bolsonarista.

"Dentro da lógica da polarização, é uma estratégia de guerra. Deixar o seu eleitorado o tempo inteiro preparado, armado, seja por medo ou por raiva. Ele [Bolsonaro] mantém o eleitorado reativo. Isso é uma estratégia de campanha. Desde o início do mandato dele [em 2019], ele está em campanha. Ele nunca deixou de estar em campanha, o que é bastante curioso", afirmou Natália Aguiar, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Bolsonaro pegou carona na reverberação da notícia falsa e, na manhã de ontem, postou um vídeo do momento em que acordou da cirurgia pela qual passou após o atentado.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, manter a rede de apoio unida na internet é fundamental para Bolsonaro tentar chegar ao segundo turno em outubro.

"Ele tem de 2% a 20% de eleitores muito cativos. Quando ele se mantém nessa esfera da lembrança da facada, de querer culpar algum partido de esquerda pela facada, pela tentativa de homicídio contra ele, (...) ele não consegue expandir muito para fora dessa bolha porque é esse o teto moral e afetivo que ele já tem", afirmou Natália.

"Me parece que ele já não consegue expandir para fora desse teto dele. Só que, dependendo de como ele constrói isso, e ele vai bem nessa área, nessa arena [de polarização], ele conseguiria se beneficiar indo para um segundo turno", disse a cientista política.

Carolina de Paula, diretora-executiva do DatalESP e doutora em ciência política pelo Iesp/Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), disse entender que Bolsonaro tenta repetir as estratégias que foram vitoriosas na eleição de 2018, mas sem considerar que os cenários são completamente distintos para o agora candidato à reeleição. Há quatro anos, segundo a especialista, o episódio da facada o ajudou a "aparecer na mídia".

"Para repetir esse mesmo efeito, eu acho praticamente impossível que ele consiga. O que eu acho que ele pode tentar fazer, mas isso teria alcance muito pequeno e limitado, é ativar o público dele, em especial os evangélicos, e usar essa ideia, como pesquisas recentes mostram que ele faz, de que ele seria um enviado [de Deus], um Messias. Ele vai conseguir usar esse discurso, mas para um público que ele já tem."

A fake news que cita falso depoimento de Adélio também foi vinculada por militantes a um comentário do presidente, feito em conversa com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada, em Brasília, na última quinta-feira (10). Na ocasião, Bolsonaro afirmou que "acreditava em Deus" e que, "nos próximos dias", aconteceria "algo que vai nos salvar [do PT e da esquerda] no Brasil".

No dia seguinte, um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro (Republicanos), publicou no Twitter em seu canal no Telegram que "a tentativa de assassinato de Bolsonaro" foi "cometida por antigo membro de aliado do PT [lembrando que Adélio foi filiado ao PSOL antes de cometer o crime; segundo a polícia, não há relação entre os fatos]". A mensagem foi postada originalmente em resposta a uma seguidora.

Na segunda (13), o vereador no Rio de Janeiro voltou a abordar o tema, mais uma vez relacionando o episódio ao partido rival. Carlos é tido como o principal estrategista do pai no ambiente digital e deverá repetir papel de protagonismo na campanha, como fez em 2018.

Pano de fundo religioso

Segundo apurou o UOL junto a interlocutores do Planalto, há um entendimento interno de que a tentativa de homicídio contra o então candidato à Presidência em 2018 nunca "saiu de pauta" e vai além da questão eleitoral. O episódio é encarado como um registro histórico fundamental para impulsionar o ideário bolsonarista, e não apenas a figura pessoal do político Jair Messias Bolsonaro.

Em geral, em meios bolsonaristas, a abordagem ao tema da facada é acompanhada de dois tipos de repercussão. O principal diz respeito às teorias conspiratórias de que Bolsonaro teria sido vítima em 2018 de um complô interessado em sua morte —o próprio Bolsonaro é defensor dessa ideia e já disse publicamente ter convicção de que Adélio não agiu sozinho, a despeito da conclusão contrária da PF.

O segundo ponto em questão tem pano de fundo religioso, com a disseminação, sobretudo em grupos bolsonarista evangélicos, da ideia de que o governante escapou da morte "por um milagre" — e, por esse motivo, vestiria o figurino de "escolhido por Deus" para comandar o país.

O vídeo postado ontem por Bolsonaro em suas redes sociais, que mostra o momento em que ele acordou da cirurgia na região atingida pela facada, em setembro de 2018, busca explorar justamente esse viés de crença religiosa. "Todos nós temos uma missão aqui na terra", legendou o presidente na publicação.

"O único efeito em potencial para essa estratégia que eu consigo ver é o reforço para a militância, o que também é importante para um político reforçar as suas bases, da narrativa do Messias, do enviado. Mas é uma aposta, para mim, um pouco insignificante em relação à exposição para o eleitorado [como um todo]. Coisa que ele precisa agora", avalia a professora Carolina de Paula.

Pregação em evento oficial

Um dos personagens que surgem no vídeo publicado ontem pelo presidente é o ex-senador Magno Malta (PL-ES), liderança evangélica, defensor do conservadorismo e aliado de Bolsonaro desde o período que antecedeu a campanha eleitoral de 2018.

Na semana passada, Malta — que deve ser candidato ao Senado no Espírito Santo e conta com o apoio de Bolsonaro — subiu no palanque em evento oficial no Rio Grande do Norte e fez um discurso em tom de pregação.

"Ele te tirou das garras da morte [em referência a Bolsonaro] para que se cumpra no Brasil a glória de Deus", disse o ex-parlamentar, pedindo que uma plateia formada por apoiadores repetisse a mensagem.

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Estratégia expõe fragilidades, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que, além da radicalização do embate com Lula e dos duelos de narrativas na internet —território no qual Bolsonaro se sente confortável e confiante na atuação de Carlos , "requentar" temas como o atentado a faca em 2018 ajuda a tirar luz dos erros cometidos pelo governo nos últimos quatro anos (sobretudo da performance ruim na economia e da alta do desemprego).

"Recorrer à facada é uma demonstração de fragilidade do ponto de vista governativo", afirmou José Álvaro Moisés, cientista político e diretor do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo).

"O fato de o presidente Bolsonaro tentar explorar novamente a questão da facada demonstra como ele está frágil em outros aspectos, como economia e geração de emprego. Se a administração e o governo do país tivessem bem na economia, se ele tivesse cuidado bem do país na pandemia, no meio ambiente, se não tivesse batido recorde no desemprego, ele não precisaria disso", disse Moisés.

A professora Natália Aguiar afirmou considerar que "a economia está vindo com tudo" na campanha eleitoral.

"As pesquisas de intenção de voto e de avaliação de governo têm mostrado que o principal descontentamento com o governo Bolsonaro não foi sequer a pandemia. Teve um momento durante a pandemia que foi, mas esse momento foi superado. O grande problema dele, a meu ver, é esse problema da economia", disse ela.