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Serra do Curral: Mineração em símbolo de BH ameaça abastecimento de água

Serra do Curral (MG), na divisa entre BH, Nova Lima e Sabará - Divulgação/CMBH
Serra do Curral (MG), na divisa entre BH, Nova Lima e Sabará Imagem: Divulgação/CMBH

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

08/05/2022 04h00

Foi durante a madrugada de sexta para sábado (30/4), por volta das 3h, que governo de Minas Gerais autorizou o projeto de mineração da Serra do Curral. O empreendimento, que compreende um local em processo de tombamento, está localizado na cidade de Nova Lima, na divisa com Belo Horizonte e Sabará. As duas últimas não foram consultadas sobre a liberação.

O MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) abriu um inquérito em que indica que o Complexo Minerário Serra do Taquaril —nome dado ao projeto— será instalado em uma área de preservação ambiental. A Prefeitura de Nova Lima nega que o local seja protegido.

A Prefeitura de Belo Horizonte, por outro lado, ajuizou uma ação pedindo a suspensão do licenciamento. A administração considera inconstitucional não ter sido consultada. Além disso, afirma que a cidade será afetada pelas obras.

Minerar a serra do curral, para Belo Horizonte, equivale a minerar o Pão de Açúcar no Rio de Janeiro. Não dá para imaginar isso."
Duda Salabert (PDT), vereadora de BH

A vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT) tem sido uma das maiores críticas ao processo de mineração na área e ao governo Romeu Zema (Novo). Ela integra o movimento "Tira o Pé da Minha Serra", organizado para protestar contra o empreendimento na Serra do Curral e que conta com a adesão de Milton Nascimento, Ailton Krenak e outras personalidades.

bh - Brasil Escola - Brasil Escola
Serra do Curral aparece na bandeira de BH
Imagem: Brasil Escola

O projeto, diz Salabert, será construído a 150 metros do Pico Belo Horizonte, "que é o símbolo maior da capital" — ele consta, inclusive, na bandeira de BH. "Esse empreendimento com certeza vai abalar o pico, podendo até causar seu desabamento, o que alteraria profundamente a paisagem de BH".

A prefeitura indica seis consequências da atividade mineradora na cidade:

  • Risco geológico de erosão do Pico Belo Horizonte, bem tombado nas esferas municipal e federal;
  • Risco à segurança hídrica, considerando que o empreendimento interfere na Adutora do Taquaril, responsável pelo transporte de 70% da água tratada consumida pela população de BH;
  • Risco à população pelos ruídos decorrentes do empreendimento, inclusive aos usuários do Hospital da Baleia [conhecido pelo atendimento oncológico], situado a menos de 2 km da exploração minerária;
  • Risco à população pela queda da qualidade do ar, tendo em vista que a poeira da exploração minerária invadirá a cidade;
  • Risco à população de BH decorrente da violação ao sossego, diante das vibrações decorrentes da exploração minerária que serão sentidas em comunidades situadas na capital mineira;
  • Risco ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com risco real ao Parque das Mangabeiras, integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, cujo limite se encontra a cerca de 500 m da denominada Cava Norte.

Desabastecimento de água

"Sabe aquele acordo que o Zema fez com a Vale?", questiona Jeanine Oliveira, professora-social do projeto Manuelzão, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e uma das coordenadoras do "Tira o Pé da Minha Serra".

Oliveira se refere ao acordo da reparação de danos da tragédia de Brumadinho, firmado entre a Vale e o governo mineiro. O documento previa que a Vale arcasse com os custos da perfuração de poços artesianos para compensar a contaminação do rio Paraopeba, que foi inundando pelos rejeitos de mineração após o rompimento da barragem B1 na mina Córrego do Feijão, em 2019.

"A perfuração dos poços foi no mesmo local em que a mineração vai sair", diz Oliveira. Na ocasião do incidente, a estação de captação do rio teve de ser desligada. O acordo buscava evitar novos riscos de desabastecimento da capital mineira. "É o único lugar na região que dá conta de abastecer quem depende do rio das Velhas e ao mesmo tempo tem volume de água para abastecer 70% de BH e 40% na região metropolitana", acrescenta.

Salabert, que é professora de literatura, recorre à etimologia para explicar a relação entre a água e as atividades mineradoras: "É impossível minerar sem destruir aquíferos, que são nossos reservatórios de água. A própria palavra 'aquífero' significa água mais ferro."

Decisão na madrugada

O Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) concedeu a licença na madrugada do dia 30 de abril após uma reunião que durou cerca de 18h.

"Por que levaram essa reunião até a madrugada? Poderiam ter parado e continuado em outro dia, em horário hábil. Mas foi tudo para cansar as pessoas", diz Jeanine Oliveira. Segundo ela, mais de 280 pessoas haviam se inscrito para falar na reunião, embora não tenham sido ouvidas.

O que alguém tem de útil para falar quatro horas da manhã?"
Jeanine Oliveira, do movimento Tira o Pé da Minha Serra

A Serra do Curral tem um projeto de tombamento em nível estadual em andamento no Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico). Ela já é tombada em BH e seus picos são tombados pelo governo federal.

O processo de tombamento na região tem sido um dos argumentos utilizados para que a mineração não seja aprovada na área.

"A serra está no processo de tombamento, então tombada está, não se deve fazer nenhuma atividade ali até o fim desse processo", observa Duda Salabert.

O Iepha não respondeu aos questionamentos feitos pelo UOL. Já o governo de MG afirma que não há "tombamento provisório" na área e que, por isso, a licença não é irregular.

"Conforme legislação de referência acerca da proteção do patrimônio cultural, não há neste momento tombamento provisório a ser aplicado e, portanto, não há bem cultural acautelado pelo Estado de Minas Gerais, conforme manifestação apresentada pelo Iepha", diz o texto.

A mineração e o governo

O projeto autorizado naquela madrugada pertence à mineradora Tamisa (razão social da Taquaril Mineração S.A.), que tem, entre os sócios, um correligionário de Romeu Zema.

Ao UOL, a Tamisa afirma que o fato de um dos sócios ser filiado ao partido Novo — o mesmo do governador — não configura conflito de interesse. "Todos os alvarás, autorizações, anuências, outorgas e licenças sempre foram obtidos com rigorosa observância dos parâmetros legais", diz o texto.

Sem emitir um posicionamento oficial, a assessoria do Novo afirmou: "Afinal a representação e participação política no Brasil continua sendo um direito. Até porque o pedido de licenciamento ocorreu muito antes inclusive de o partido existir. A priorização do licenciamento foi feita pelo governo anterior. Todo o processo atende a legislação ambiental vigente."

Quem é contrário à implementação de uma barragem na Serra do Curral também critica o fato de que o prefeito de Nova Lima, João Marcelo Dieguez Pereira (Cidadania), é ex-funcionário das mineradoras Vale e AngloGold Ashanti.

"A relação com qualquer empresa aqui instalada se dá de maneira estritamente institucional, independentemente do ramo de atuação, sempre pautada na defesa dos interesses do município. Portanto, não há ligação pessoal do prefeito com esse ou qualquer setor da economia", diz a Prefeitura de Nova Lima.