MG: Doações, correligionário e prefeito ex-Vale aproximam Zema da mineração
O pedido de exploração de minério na Serra do Curral em Nova Lima (MG) expõe mais uma faceta da relação entre o setor minerador e o governo Romeu Zema (Novo). Além de o prefeito da cidade ser ex-funcionário da Vale e de o projeto pertencer a uma empresa cujo sócio é filiado ao Novo, há quatro anos a campanha do governador recebeu doações de sócios de mineradoras.
O UOL conferiu nas doações de campanha, disponíveis para consulta pública, que ao menos R$ 650 mil foram transferidos pelos sócios de duas mineradoras para a candidatura de Zema. O valor equivale a 11% do financiamento da campanha.
Nenhuma das transferências foi feita diretamente para o então candidato: o dinheiro foi enviado para o fundo estadual do Novo e o partido repassou os valores para a campanha eleitoral.
Não é ilegal que pessoas físicas façam doações às campanhas. O financiamento de empresas é proibido desde as eleições de 2018. Isso não significa, na visão do advogado eleitoral Luiz Eduardo Peccinin, que não possa haver algum conflito de interesse nos repasses feitos por empresários.
"Apesar de não haver uma vedação expressa da legislação em torno da doação de pessoas naturais para campanhas eleitorais, naturalmente chama atenção se esses doadores forem posteriormente beneficiados com contratos com o governo Zema", explica o advogado.
Peccinin observa que é necessário prestar atenção quando há "várias doações, orquestradas" vindas de sócios de uma mesma empresa.
Em 12 de novembro de 2018 foram registrados R$ 400 mil doados por Romulo, Cassio, Sergio e Frank Diniz Nogueira, sócios da Ferro+ Mineração, para a direção estadual do Novo. Cada um transferiu R$ 100 mil.
"Os acionistas indicados na pesquisa da reportagem não possuem filiação em nenhum partido político, no entanto, na condição de cidadãos brasileiros, contribuem desde longa data, para partidos políticos com o objetivo de fortalecer as eleições brasileiras no âmbito municipal, estadual e federal", diz a Ferro+.
Processo semelhante foi feito por três sócios da Herculano Mineração: Jairo, Glaucio e Mardoqueu Herculano Antunes. Juntos, eles enviaram R$ 250 mil ao Novo, em 8 de novembro de 2018, nos valores individuais de R$ 83.333. Mardoqueu doou R$ 1 a mais do que os outros.
Os três sócios da Herculano Mineração foram indiciados, em 2015, pelo rompimento de uma barragem de rejeitos em Itabirito que ocorreu um ano antes e deixou três pessoas mortas. O MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) tenta levar o caso a júri popular.
A Herculano Mineração não retornou a reportagem.
"Ainda que dentro da esfera eleitoral não haja uma ilegalidade clara e expressa da lei, no campo administrativo é possível uma investigação para ver se eventuais contratos do governo com as empresas não constem como medida de gratidão", acrescenta Peccinin.
Prefeito de Nova Lima é ex-funcionário de mineradoras
A mineração da Serra do Curral ocorre numa área onde Nova Lima faz divisa com a capital Belo Horizonte e o município de Sabará. O processo de aprovação não consultou a prefeitura de BH, que tem no local um de seus principais cartões-postais e estampa a serra em sua bandeira.
O que foi alegado é que o projeto não ultrapassa os limites do município de Nova Lima, e que, portanto, cabe apenas à cidade autorizar o empreendimento.
A ambientalista Cínthia Leone, que assina a newsletter Crise Climática de quinta-feira (5) do UOL, indica que o prefeito de Nova Lima, João Marcelo Dieguez Pereira (Cidadania), é ex-funcionário das mineradoras Vale e AngloGold Ashanti. A informação também consta no Linkedin de Pereira.
O MP-MG aponta, em ação civil pública, que a implementação de uma barragem na Serra do Curral viola o Plano Diretor de Nova Lima. O plano proíbe a atividade de mineração em zonas de proteção ambiental, caso de parte da região onde será instalado o projeto.
Procurada pelo UOL, a Prefeitura de Nova Lima afirmou ter aprovado a barragem em conformidade com o Plano Diretor do município e negou que a atividade seja facilitada pela relação do prefeito com o setor de mineração.
"A relação com qualquer empresa aqui instalada se dá de maneira estritamente institucional, independentemente do ramo de atuação, sempre pautada na defesa dos interesses do município. Portanto, não há ligação pessoal do prefeito com esse ou qualquer setor da economia", diz em nota.
Com alta aprovação no estado, Zema busca a reeleição pautado num projeto de recuperação fiscal. Uma de suas realizações enquanto chefe do Executivo estadual foi o acordo com a Vale, que rendeu R$ 37,6 bilhões aos cofres públicos de Minas.
O acordo foi feito para que a empresa pudesse ressarcir o estado de alguma forma após a tragédia de Brumadinho, em 2019 —quando o rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale deixou 265 mortos e cinco desaparecidos. No entanto, prefeitos de cidades mineradoras reclamam não terem sido contemplados com as obras de infraestrutura implementadas pelo governo estadual.
Os prefeitos disseram à reportagem que Zema priorizou obras em cidades que não possuem relação com atividades mineradoras. Para especialistas consultados pelo UOL, o governador fez uso político do dinheiro para aumentar a sua popularidade no interior —o governo nega as acusações.
Correligionário
O projeto da Serra do Curral pertence à mineradora Tamisa, que tem entre os diretores um correligionário de Zema.
O engenheiro Cristiano Caetano, que consta no quadro societário da Tamisa (razão social da Taquaril Mineração S.A), é filiado ao partido Novo desde outubro de 2015.
A Tamisa, em nota enviada ao UOL, afirma que o fato de Caetano e Zema serem do mesmo partido não configura conflito de interesse. "Todos os alvarás, autorizações, anuências, outorgas e licenças sempre foram obtidos com rigorosa observância dos parâmetros legais", diz o texto.
O governo de Minas Gerais não retornou sobre o governador e o diretor da empresa serem correligionários. Procurada pela reportagem, a assessoria do Novo informou que Caetano não contribui com o partido há 35 meses, mas que a filiação "não significa nada, se não houver outros indícios".
Sem emitir um posicionamento oficial, a assessoria afirmou: "Afinal a representação e participação política no Brasil continua sendo um direito. Até porque o pedido de licenciamento ocorreu muito antes inclusive de o partido existir. A priorização do licenciamento foi feita pelo governo anterior. Todo o processo atende a legislação ambiental vigente."
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