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Crise Climática

OPINIÃO

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Impunidade sustenta alta do desmatamento na gestão Bolsonaro, diz estudo

Imagens de satélite mostram avanço do desmatamento em Rondônia - BBC
Imagens de satélite mostram avanço do desmatamento em Rondônia Imagem: BBC

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/05/2022 11h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta-feira (28) da newsletter Crise Climática, que discute questões envolvendo a emergência climática, como elas já afetam o mundo e quais são as previsões e soluções para o futuro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Um estudo do MapBiomas mostrou que o governo Bolsonaro respondeu com ações de fiscalização a apenas 2,7% dos alertas de desmatamento na Amazônia desde 2019, o que corresponde a cerca de 13% das áreas com perda de floresta. O resultado sugere que a impunidade é o elemento mais decisivo para o crescimento do desmatamento na região neste período.

"O que os dados mostram com clareza é que onde você tem mais fiscalização, o desmatamento não está crescendo", afirma Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas (Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil), uma iniciativa em rede formada por especialistas em sensoriamento remoto e mapeamento de vegetação.

Um exemplo disso está na comparação entre os estados de Mato Grosso e do Pará. Segundo o estudo, em Mato Grosso, onde as ações de fiscalização cobrem ao menos 30% dos alertas e quase 40% da área desmatada, a perda de floresta ficou estável no período. Já no Pará, que tem sozinho 60% de todos os alertas de desmatamento para a Amazônia e onde praticamente não houve fiscalização (1,8% dos alertas foram checados, cobrindo menos de 10% da área com risco de desmatamento), o crescimento da perda florestal foi o maior do país.

Os dados foram obtidos por meio do Monitor de Fiscalização do Desmatamento, uma ferramenta digital desenvolvida pelo MapBiomas, em parceria com o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Brasil.io. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não comentou os dados.

O levantamento deixa evidente que o governo brasileiro não combateu o desmatamento mesmo sabendo com precisão em que locais ele estaria ocorrendo. O estudo teve repercussão internacional, em especial na imprensa francesa. As informações retiram a credibilidade das promessas climáticas brasileiras, incluindo o Acordo de Florestas, assinado em novembro.

"É somente no nível federal que você consegue atuar em toda a Amazônia. O governo realizou corte de verbas, redução de pessoal, criou entraves burocráticos novos para a ação de fiscalização e decidiu não fazer mais embargos remotos", descreve Azevedo. "Este conjunto de medidas criou essa situação em que a impunidade ainda perdura no Brasil."

Em 2021, o governo federal gastou apenas 41% da verba anual —já reduzida— destinada ao controle do desmatamento na Amazônia. Um levantamento do Climate Policy Initiative da PUC do Rio de Janeiro em parceria com o WWF revelou que 98% dos autos de infração aplicados na Amazônia estão paralisados desde 2019 devido a um decreto presidencial. A situação foi denunciada há um ano por funcionários do IBAMA ao Tribunal de Contas da União.

E o que mais você precisa saber

estiagem RS - Gustavo Mansur/Palácio Piratini - Gustavo Mansur/Palácio Piratini
no começo do ano, cerca de 200 municípios estavam em situação de emergência no Rio Grande do Sul devido à estiagem
Imagem: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Risco de perda bilionária

A diminuição das chuvas em decorrência do desmatamento da Amazônia gera risco de perdas agrícolas no Brasil, como quedas na produção de soja e na pecuária, da ordem de US$ 1 bilhão por ano até 2050. O alerta foi dado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) em seu informe anual sobre florestas, que destaca que a manutenção das áreas de floresta é rentável para o país na comparação com a produtividade média da área desflorestada.

Yanomami - REUTERS/Bruno Kelly - REUTERS/Bruno Kelly
Indígena ianomâmi acompanha agentes do Ibama durante operação contra garimpo ilegal na floresta amazônica
Imagem: REUTERS/Bruno Kelly

Cadê os ianomâmi?

Após dias de campanha nas redes sociais cobrando investigação de denúncias de estupro e assassinato de uma criança de 12 anos e o desaparecimento de outra de 3 anos, o Senado enviará uma comissão ao território ianomâmi, localizado na divisa do Brasil com a Venezuela. Não está claro como a comitiva investigará as denúncias de violência, que se multiplicam. Nos últimos dias, imagens de uma aldeia incendiada na região e a falta de informações oficiais sobre seus 25 moradores ganharam repercussão internacional, com Reuters, AP, TeleSur e Mongabay cobrindo em detalhes.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Descrédito de carbono

Os países ricos estão se organizando para taxar o carbono embutido em cada produto. Aqueles que não tiverem um sistema de precificação nacional, verão a competitividade de suas exportações despencarem. É por isso que o Congresso se mobiliza para criar uma regulamentação para o mercado de carbono no Brasil. Mas analistas familiarizados com os projetos de lei em debate afirmam que eles podem ser inúteis, principalmente se não criarem obrigações claras de redução de emissões e não forem verificáveis internacionalmente.

O ceticismo em relação aos créditos de carbono é justificado. Um grande poluidor que apenas compensa suas emissões não está mitigando seu impacto no clima. E o risco de fraude é alto. A Pública reporta como a empresa Ecomapuá vendeu créditos de carbono gerados em terras públicas da Ilha do Marajó (PA) sem repassar um único dólar às comunidades tradicionais que mantêm a floresta em pé. Já o Financial Times destaca uma investigação que descobriu que intermediários estão enriquecendo com a venda de créditos florestais ao repassar apenas 10% dos pagamentos aos executores dos projetos.

serra do curral - Renata Gama/UOL - Renata Gama/UOL
Serra do Curral, em Belo Horizonte
Imagem: Renata Gama/UOL

Destino mineral

Mais de 41 hectares de vegetação nativa remanescente de Mata Atlântica podem ser destruídos na região de Belo Horizonte, incluindo seis hectares localizados dentro de uma Área de Preservação Permanente. Isto porque o prefeito de Nova Lima, João Marcelo Dieguez Pereira (Cidadania), um ex-funcionário das mineradoras Vale e AngloGold Ashanti, autorizou um projeto de exploração de ferro da Serra do Curral, e o governo do Estado deu aval no sábado (30) —o Observatório da Mineração dá detalhes. A Serra do Curral é um cartão postal da capital mineira, está no brasão da cidade e é patrimônio tombado pelo governo federal.

energia solar na índia - Amit Dave/Reuters - Amit Dave/Reuters
11.fev.2014 - Guarda caminha por entre painéis solares em usina de energia solar perto de Gandu (Índia)
Imagem: Amit Dave/Reuters

O dilema indiano

Nos próximos 20 anos, a demanda por energia na Índia aumentará mais do que em qualquer outro lugar do mundo, diz a Agência Internacional de Energia. O mês de março mais quente registrado na região e uma onda de calor catastrófica nos últimos dias levou os sistemas de energia indianos ao limite. Se o país continuar dependente do carvão para expandir sua oferta de eletricidade, o aumento das emissões será robusto, aquecendo ainda mais a atmosfera da Terra, o que gera ondas de calor mais violentas e eleva a demanda por refrigeração no país - um ciclo energético suicida agora bastante claro. A imprensa global destaca o dilema indiano e a necessidade do país em investir em fontes renováveis, incluindo NYT, o canadense CBC, a britânica Sky News e o Valor.

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Cada vez mais os tribunais terão que decidir quem são os responsáveis pelas mudanças climáticas. O governo da pequena ilha de Vanuatu, no Oceano Pacífico, quer levar seu caso de iminente destruição pelo aumento do nível do mar à Corte Internacional de Justiça, e cada país terá que dizer de que lado está.

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