Indenização de Brumadinho: cidades mineradoras reclamam de divisão de Zema
O acordo de reparação dos danos da tragédia de Brumadinho (MG), feito entre a Vale e o governo de Minas, completou um ano em meio a críticas de prefeitos de cidades mineradoras, que alegam terem sido deixados de lado pela gestão Romeu Zema (Novo) na realização de obras e melhorias de infraestrutura.
Prefeitos ouvidos pelo UOL afirmam que as cidades mineradoras receberam menos recursos do que municípios pouco ou nada afetados pela mineração. O governo estadual nega qualquer favorecimento.
Na visão dos prefeitos, a indenização bilionária deveria priorizar as regiões de exploração, que estão sujeitas não só a tragédias como a de Brumadinho, que deixou 272 mortos em 2019, como também à falta de diversidade econômica. Para isso, recorrem a uma frase do ex-presidente Arthur Bernardes (1922-1926), também mineiro: "Minério não dá duas safras".
"Sequer fomos ouvidos sobre o acordo", reclama o prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando de Oliveira (MDB).
Presidente da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil), ele defende que o acordo deve indenizar o estado pelas atividades mineradoras como um todo, e que como os recursos da Vale são provenientes da exploração de minério em diversos municípios, as cidades que vivem da mineração deveriam ser priorizadas.
"Não é dinheiro para festa. É investir em infraestrutura para torná-las competitivas para outros negócios, porque um dia todas serão ex-cidades mineradoras", concorda Waldir Salvador, ex-prefeito de Itabirito e consultor de Relações Institucionais da Amig.
O que prevê o acordo
O acordo de R$ 37,6 bilhões foi elaborado pelo governo estadual, a Vale, o MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais), o MPF (Ministério Público Federal) e a Defensoria Pública Estadual. Fechado em 4 de fevereiro do ano passado, ele foi destrinchado em projetos diferentes, que incluem reparação direta a Brumadinho e municípios atingidos pela tragédia, assim como repasses a famílias afetadas.
Do valor total, R$ 11 bilhões ficaram a cargo do estado para investir em obras de infraestrutura. Por determinação da ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais), em vitória da oposição, ficou determinado que R$ 1,5 bilhão será destinado diretamente às prefeituras dos 853 municípios mineiros, com repasses proporcionais à população de cada cidade.
No entanto, a aplicação dos R$ 9,5 bilhões restantes vem sendo questionada pelas cidades mineradoras, que se sentem lesadas. Como exemplo, citam que R$ 3 bilhões serão utilizados na construção de um rodoanel na região metropolitana de Belo Horizonte, em área pouco impactada pelas atividades de mineração.
"Ninguém tira a importância de um rodoanel, mas já viram como são os acessos das cidades mineradoras de Minas? São tão ruins que tiram a competitividade delas", afirma Waldir Salvador. Ele diz que há cidades que tiveram o acesso prejudicado após as chuvas de janeiro.
De onde sai o dinheiro que a mineradora vai pagar ao estado? Das próprias cidades mineradoras que batem recorde de mineração. E você não vai pagá-las com nada?"
Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais da Amig
Cidades mineradoras querem prioridade
Prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV) também diz não ter recebido obras do governo estadual como parte do acordo. Ao UOL, ele explicou que municípios mineradores enfrentam dificuldades estruturais diferentes, como o aumento populacional, consequência da busca por trabalho em projetos das empresas de mineração.
"É importante questionar o governo sobre as prioridades que Minas ostensivamente apresenta, e entre elas coloco a situação dos municípios mineradores, que sofrem por problemas com barragens, expansões desordenadas, pessoas trazidas para trabalhar — chegam duas mil, três mil pessoas para trabalhar na expansão da mineração e muitas ficam à procura de um emprego que não existirá mais depois", diz Oswaldo.
Muitos contingentes de operários depois de projetos ficam à deriva e condenados ao desemprego e à favelização das cidades mineradoras. A mineração cria muitos bolsões de pobreza."
Angelo Oswaldo (PV), prefeito de Ouro Preto
Uso político da indenização
O cientista político e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Cristiano Rodrigues avalia que as obras em cidades do interior servem de moeda de troca política para o governador Romeu Zema, que busca a reeleição em 2022.
"Foram feitas várias obras em cidades que não têm relação direta com a Vale. Diante das condições econômicas do país e do estado, não faz sentido que o governo tenha conseguido arrumar a casa tão rapidamente a não ser usando esse dinheiro para outro tipo de situação", observa.
Para Rodrigues, Zema tem utilizado as reformas para aumentar a popularidade no interior do estado, cumprindo agendas locais e conquistando o apoio de prefeitos de cidades menores.
"Não é pelo impacto socioambiental. O governo Zema foi contrário a uma série de medidas envolvendo mineração que poderiam ter favorecido a população em algum momento", justifica.
Há três anos, a gestão Zema breca a criação de um depósito caução a ser feito por mineradoras como garantia em caso de desastres em barragens.
Outra polêmica envolve a construção de uma ponte em São Francisco, cidade da família do procurador-geral de Justiça de MG, Jarbas Soares Júnior; segundo reportagem de Thiago Herdy, colunista do UOL, a obra consta no acordo de reparação da Vale e é fruto de um pedido do chefe do MP, que participou ativamente das negociações.
Líder do governo na ALMG, o deputado estadual Guilherme da Cunha (Novo), rechaça críticas ao acordo. Correligionário de Zema, ele destaca que a elaboração do acordo foi coletiva e aprovada pelo Legislativo.
"Deputados tiveram mais de quatro meses para analisar e modificar o acordo, retirar dele qualquer coisa que considerassem eleitoreira", afirmou em nota enviada ao UOL. "O que o governo Zema fez foi um acordo histórico, o maior já feito na América Latina, ouvindo os atingidos, o Ministério Público, o Judiciário e direcionando 100% de recursos para obras de saúde, saneamento, educação e infraestrutura que vão mudar a vida da população em todo estado, ao invés de só colocar o dinheiro dentro do cofre e gastar como quiser", acrescentou.
Para Waldir Salvador, da Amig, mesmo que o governo estadual tenha mérito político na elaboração do acordo, é necessário aplicar o dinheiro "de forma justa, coerente e correta com as cidades que estão pagando a conta com a riqueza delas".
Governo nega uso político de acordo
Procurado pelo UOL, o governo de Minas Gerais negou seguir critérios políticos e afirmou que as obras provenientes da indenização foram escolhidas de acordo com a necessidade de diferentes regiões.
A gestão argumenta ter priorizado reformas em estradas onde há condições ruins de conservação e ter direcionado recursos para fortalecer o serviço público em diversas cidades.
"Os projetos de reparação a serem implementados pelo Governo de Minas Gerais não foram definidos por meio de uma perspectiva municipal ou regional, mas sim a partir da identificação técnica de necessidades nas diversas áreas de políticas públicas, com aplicação nas diversas regiões conforme demanda", diz trecho do texto enviado à reportagem.
No caso dos municípios mineradores, o estado afirma entender que eles já recebem recursos da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), uma contrapartida paga aos municípios pela atividade de mineração e administrada pela ANM (Agência Nacional de Mineração).
No entanto, a Amig afirma que há dívidas no pagamento da CFEM. Só a prefeitura de Ouro Preto contabiliza R$ 300 milhões de dívidas da Vale com a administração. "É uma dívida direta com as prefeituras, mas o estado também deveria ser solidário nesse processo de cobrança", lamenta Angelo Oswaldo.
Além disso, o CFEM corresponde a boa parte da arrecadação dos municípios mineradores, o que — na visão da Amig — os torna reféns da mineração. Como exemplo, Waldir Salvador citou a cidade de Itabira, onde foi criada a Vale.
"Há 80 anos, Itabira tem mineração, a Vale nasceu lá. Quando encerrar as atividades [mineradoras] daqui a oito anos e perder o royalty, vai viver de quê?"
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