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RJ pagou R$ 19,5 milhões a 721 funcionários que acumularam cargos secretos

Fachada da sede da Fundação Ceperj, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro - Reprodução/ Google Street View
Fachada da sede da Fundação Ceperj, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/ Google Street View

Do UOL, no Rio

05/08/2022 04h00

O governo do Rio de Janeiro gastou R$ 19,5 milhões em salários para 721 pessoas que acumularam dois ou mais cargos secretos na Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio), segundo revela cruzamento de dados feito pelo UOL.

Quase 90% desse valor foi sacado pelos funcionários em dinheiro vivo. O levantamento —feito com base em planilha com 91.788 ordens de pagamento para contratados nos cargos secretos— mostra que há pessoas que receberam, de janeiro a julho, até 18 salários.

As 721 pessoas listadas pela reportagem receberam ao menos oito pagamentos. Como os dados dizem respeito a apenas sete meses, trata-se de um indício de que os salários são relativos a dois ou mais cargos. Na ação que entrou contra a Ceperj, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) adota o mesmo critério ao tratar dos casos de dois servidores públicos.

Elizabeth Valle Viana Paiva —que recebeu R$ 114,1 mil em 13 pagamentos— é engenheira do DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e foi presidente do órgão nos governos Wilson Witzel e Castro. Já Frederico Aldabalde Munck Machado —que acumulou 13 pagamentos que somam R$ 95,4 mil— é comissionado da Segov (Secretaria Estadual de Governo).

O MP diz ver indícios de irregularidades no acúmulo de funções na Ceperj por serem "atividades que haveriam de ser desempenhadas em caráter permanente, ao longo de todo o período de duração do projeto, e cuja execução demanda subordinação, carga horária semanal mínima, controle de frequência, e pagamento de renumeração mensal sistemática e contínua".

A Fundação Ceperj tem sustentado que não há impedimento legal para que uma mesma pessoa acumule contratações em dois ou mais projetos. Procurado, o órgão não se manifestou sobre acúmulo de cargos.

Pressionado pela série de reportagens, Cláudio Castro (PL), governador do Rio, anunciou ontem a demissão do presidente da Fundação Ceperj, Gabriel Lopes. Foi a primeira manifestação de Castro, que é candidato à reeleição, sobre o escândalo dos cargos secretos revelado pelo UOL desde junho.

Esse grupo de 721 pessoas concentra boa parte das maiores remunerações pagas pela Ceperj. Como o UOL revelou ontem, a maior delas foi de Fabrício Malhães Cabral, que acumulou R$ 122,8 mil. Apesar do valor recebido, ele não conseguiu explicar em entrevista quais funções desempenha na Fundação Ceperj.

Ocupantes de cargos secretos sacaram R$ 226 milhões em dinheiro vivo na boca do caixa de agências do banco Bradesco. Em outra reportagem, o UOL mostrou que servidores públicos também estavam recebendo simultaneamente seus salários no governo do estado ou prefeituras e pagamentos por RPA (Regime de Pagamento Autônomo) em projetos vinculados à Ceperj.

Campanha para Castro

Quarto no ranking de maiores valores recebidos, Thiago Ribeiro de Paula —ex-presidente da Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro) e ex-diretor da Fundação Leão 13 nas gestões Witzel e Castro— recebeu R$ 102,4 mil por meio de 14 pagamentos. Metade deles foram sacados em dinheiro vivo na boca do caixa.

Procurado pelo UOL, Ribeiro afirmou que o número de pagamentos e o valor atribuídos a ele pelos registros enviados ao MP-RJ "podem ser um erro" e negou acumular contratos na Ceperj. Ele diz ocupar apenas um cargo no programa Observatório do Pacto RJ com um salário de R$ 20 mil. "Aí ficava R$ 14 mil líquido", diz.

De acordo com a versão de Ribeiro, ele ocupa uma função de coordenação no projeto, que realiza pesquisas de opinião pública.

"Eu sou coordenador na região oeste, faço as pesquisas. Onde o governo está fazendo obras ou outras coisas eu faço as pesquisas", relatou. "Por exemplo, o governo vai fazer uma obra em algum lugar. A gente vai fazer uma pesquisa para saber o que o pessoal está achando e o que precisa melhorar".

Ele diz trabalhar "o dia inteiro" e cumprir metas de número de pessoas entrevistadas.

Em suas redes sociais, Ribeiro demonstra proximidade com o deputado estadual Léo Vieira (PSC). Anteontem (3), ele postou uma série de stories em seu perfil no Instagram de uma reunião de campanha em que pede votos também para Cláudio Castro e para o presidente Jair Bolsonaro (PL) (veja vídeo acima).

Nas imagens, Ribeiro aparece discursando para um grupo de apoiadores de Vieira em uma reunião em Bangu, na zona oeste do Rio. No primeiro trecho, ele parece avisar a um grupo de cabos eleitorais sobre um calendário de compromissos: "Semanal, na segunda-feira, até o dia da eleição. É para a gente dizer como é que está nosso trabalho, como é que vai ser o dia da campanha. Então, essas agendas, o Léo e o Luciano [Vieira, vereador pelo PL na capital] estão vindo pra cá", diz ele.

Em outro trecho, ele pede votos para Vieira e para o governador. "Então a gente já tem três candidatos, não é isso? É o Cláudio Castro, Léo Vieira", afirma antes de o vídeo ser cortado. No story seguinte, um vídeo com ele falando sem áudio trazia o jingle de Bolsonaro, deixando claro que o presidente é o terceiro candidato.

Ao ser perguntado sobre sua participação na campanha eleitoral, Ribeiro afirma que se dedica a ela apenas nos momentos de folga. "Eu faço campanha no final do dia e no fim de semana", sustenta, negando haver conflito de interesses. "Fora do meu trabalho eu posso pedir voto para quem eu quiser. Você trabalha o dia inteiro e à noite não pode pedir voto para os seus amigos? Eu sou político".

Apesar da proximidade com Léo Vieira, aliado de Castro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Ribeiro nega ter sido indicado politicamente.

Preso por extorsão recebeu R$ 69 mil e não sabe informar sobre cargos

Outro nome que aparece no topo das maiores remunerações nos cargos secretos é o de Fabio Mathias Bullos. Ex-assessor do deputado bolsonarista Renato Zaca (PL) na Alerj, ele foi um dos oito presos em uma operação da Polícia Civil em setembro de 2020. Zaca nega ter indicado Bullos para os cargos secretos.

À época chefe de gabinete do presidente do Ipem (Instituto de Pesos e Medidas), ele foi apontado como líder de uma quadrilha de integrantes do órgão que se passavam por policiais civis para extorquir dinheiro de empresários na Baixada Fluminense.

Bullos recebeu 13 pagamentos por contratos com a Ceperj, amealhando R$ 69,6 mil entre janeiro e julho. Desse total, sacou mais de R$ 54 mil em dinheiro vivo. A reportagem falou com ele por telefone. Leia a seguir entrevista:

UOL - É o Fabio falando?

Bullos - É ele.

UOL - Gostaríamos de falar sobre a questão dos cargos na Fundação Ceperj. A gente conseguiu informações de que você é um dos que mais receberam nesse ano e tem pelo menos dois cargos na fundação. A gente quer te ouvir a respeito disso.

Bullos - Não sei te informar isso, não.

UOL - Você não está na Fundação Ceperj?

Bullos desliga o telefone abruptamente.

O que o UOL já revelou

Em reportagem exclusiva, o UOL mostrou em junho que o governo do Rio mantém ao menos 18 mil vagas de trabalho na Ceperj sem nenhuma transparência.

Levantamento feito com dados da Secretaria Estadual de Fazenda mostrou que Cláudio Castro aumentou em 25 vezes o orçamento da fundação desde que assumiu o cargo. Somente neste ano, o incremento chegou a R$ 300 milhões até junho.

Uma planilha elaborada pela Secretaria de Trabalho implica diretamente Castro no escândalo. O documento recebeu o nome de "governador" e tratava do orçamento para 9.000 cargos secretos. Procurada, a Secretaria de Trabalho afirmou que iria apurar se houve "um erro na confecção da planilha".

Após a revelação do UOL, o governo chegou a colocar o documento sob sigilo, mas voltou atrás.

Reportagem exclusiva também mostrou que polos do programa Casa do Trabalhador, o maior dentre os que têm folhas de pagamento secretas, estão sendo controlados por pré-candidatos do Podemos, partido presidido pelo secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber. A pasta afirmou que "as unidades do projeto são equipamentos públicos e não têm finalidade político-partidária".

A Ceperj usou um código genérico para esconder os beneficiados em R$ 284 milhões pagos aos cargos secretos.