'Ceperj?', pergunta gaúcho que sacou no RS salário de cargo secreto no RJ
De janeiro a julho, 171 pessoas contratadas pela Fundação Ceperj, órgão do governo do Rio que criou ao menos 20 mil cargos secretos —sem transparência—, sacaram seus salários em espécie, na "boca do caixa", em agências do Banco Bradesco fora do estado do Rio de Janeiro.
O dado é relevante porque é mais um indício de que o órgão abrigou funcionários fantasmas, que recebiam sem trabalhar. Esses funcionários retiraram ao todo R$ 903 mil em dinheiro vivo neste ano.
O que diz o governo? A assessoria de imprensa da gestão de Cláudio Castro (PL) afirma que, "na próxima semana, será apresentado o relatório preliminar de 15 dias de atuação da Comissão Especial de Auditoria e Transparência, criada pela Secretaria de Estado da Casa Civil, para apurar as contratações da Ceperj".
"O governo do estado tem total interesse em dar transparência e publicidade ao trabalho da comissão e, para isso, é preciso respeitar o prazo de apuração e levantamento de dados. Todas as medidas necessárias serão tomadas e divulgadas tão logo a auditoria seja finalizada", diz.
Por que saques fora do RJ são indícios de irregularidade? Os projetos da Ceperj não funcionam fora do território fluminense. Ou seja, ou esses contratados de outros estados saíram do Rio para sacar os seus salários no banco ou efetivamente só ganharam dinheiro público sem fazer nada.
O Rio Grande do Sul foi o estado onde mais pessoas fizeram retiradas de dinheiro pago pela fundação: 53 pessoas receberam ao todo R$ 281,8 mil.
O UOL telefonou para o dono de uma pequena empresa de obras na cidade de Canoas (RS) para perguntar sobre os três saques que fez —um total de R$ 7.110— em junho e julho em agências do município e de Porto Alegre.
"Ceperj? Fui prestador de serviços? Espera e me liga daqui a uns minutinhos que eu vou ver", disse. A reportagem tentou novos contatos, mas ele não respondeu.
Outro exemplo é o de uma mulher, também de Canoas, que, de acordo com o site da prefeitura da cidade, cadastrou-se em junho para receber uma cesta básica oferecida a pessoas em vulnerabilidade social. Nesse mesmo mês e em julho, ela sacou um total de R$ 4.740 —dinheiro da Ceperj— em uma agência do Bradesco da cidade.
A Prefeitura de Canoas afirmou que a mulher fez o registro online para receber o benefício, mas ainda não retirou a cesta básica. Ela está cadastrada como moradora da cidade no cadastro único nacional de pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Isso quer dizer que todos os que sacaram fora do RJ são fantasmas? Não necessariamente. A reportagem falou com uma advogada de Pelotas (RS) que mora na capital fluminense e alega ter efetivamente trabalhado, mas sacado os salários durante viagens para a sua cidade.
As retiradas de dinheiro da Ceperj foram registradas em 16 estados, além do Rio. Depois do Rio Grande do Sul, vem Minas Gerais (44 pessoas, que sacaram ao todo R$ 256 mil); São Paulo (19, com R$ 65,1 mil) e Espírito Santo (15, com R$ 63,1 mil). No Pará, uma pessoa sacou R$ 4.740.
Quem sacou mais dinheiro fora do Rio foi um homem que fez cinco retiradas em agências do Distrito Federal totalizando R$ 44,2 mil. O UOL não conseguiu contato com ele.
Esses saques podem ser mais um caminho de investigação dos fantasmas da Ceperj pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio). Os promotores já pediram inclusive imagens de agências bancárias para saber se as pessoas que retiravam o dinheiro eram as próprias contratadas ou se alguém centralizava os saques.
Após as reportagens do UOL, o MP-RJ entrou com uma ação que culminou com uma decisão da Justiça de interrupção de todos os pagamentos e novas contratações da Ceperj sem transparência.
O que o UOL já revelou
Em reportagem exclusiva, o UOL mostrou em junho uma estimativa de que o governo do Rio mantinha ao menos 18 mil vagas de trabalho na Ceperj sem nenhuma transparência. O número depois foi atualizado para ao menos 20 mil, após as folhas de pagamento começarem a ser reveladas por pressão do MP-RJ
Levantamento feito com dados da Secretaria Estadual de Fazenda mostrou que Cláudio Castro aumentou em 25 vezes o orçamento da fundação desde que assumiu o cargo. Somente neste ano, o incremento chegou a R$ 300 milhões até junho.
Uma planilha elaborada pela Secretaria de Trabalho implica diretamente Castro no escândalo. O documento recebeu o nome de "governador" e tratava do orçamento para 9.000 cargos secretos. Procurada, a Secretaria de Trabalho afirmou que iria apurar se houve "um erro na confecção da planilha".
Após a revelação do UOL, o governo chegou a colocar o documento sob sigilo, mas voltou atrás.
Reportagem exclusiva também mostrou que polos do programa Casa do Trabalhador, o maior dentre os que têm folhas de pagamento secretas, estão sendo controlados por pré-candidatos do Podemos, partido presidido pelo secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber. A pasta afirmou que "as unidades do projeto são equipamentos públicos e não têm finalidade político-partidária".
A Ceperj usou um código genérico para esconder os beneficiados em R$ 284 milhões pagos aos cargos secretos.
Uma planilha do Banco Bradesco enviada ao MP-RJ revelou que R$ 226,4 milhões em dinheiro vivo foram sacados somente este ano por funcionários da Ceperj. O volume sacado em espécie nas agências onde os funcionários recebem seus pagamentos representa 91% de tudo o que a fundação pagou a eles em 2022 (R$ 248,9 milhões).
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