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Compra em dinheiro vivo não é crime, mas é suspeitíssimo, diz especialista

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/08/2022 20h07

Reportagem exclusiva publicada pelo UOL hoje mostrou que quase metade do patrimônio em imóveis do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e de seus familiares mais próximos foi construída nas últimas três décadas com uso de dinheiro em espécie. Desde os anos 1990 até os dias atuais, o presidente, irmãos e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo, segundo declaração dos próprios integrantes do clã. O mestre em administração pública Fabiano Angélico participou do UOL News e, apesar de destacar que esse tipo de transação não configura um crime, acaba por levantar muitas suspeitas.

"É uma situação que as autoridades devem olhar com lupa e investigar. Não é um crime por si só, mas é extremamente suspeito e ainda mais se a gente lembrar que existem evidências e testemunhos pretéritos a respeito de um possível ou provável esquema da chamada rachadinha nos gabinetes, que gera dinheiro. Quando você olha uma ponta da história e olha outra, e tratando-se de quem se trata, tudo isso é um conjunto de indícios muito forte", afirmou

"Quando um mesmo cidadão e sua família compram vários imóveis em dinheiro vivo, isso é suspeitíssimo. Qual é a origem desse dinheiro? Por que não usou o sistema bancário? É muito mais fácil, convenhamos. Até um cheque é mais fácil, mas dinheiro vivo tem todo o risco de ser assaltado na rua enquanto carrega o dinheiro para lá e para cá, desconforto de carregar, então existe uma suspeita", complementou.

Angélico ainda pontuou que geralmente compras em dinheiro vivo são associadas ao crime de lavagem de dinheiro, por serem mais difíceis de serem rastreadas por órgãos de fiscalização. "Compras em dinheiro são associadas a crimes de lavagem de dinheiro porque isso é algo muito comum. É comum porque quando você usa o dinheiro em espécie, fica mais difícil para as autoridades rastrearem e identificarem a origem de onde veio o dinheiro. Quando um cidadão compra um imóvel em dinheiro vivo, e a gente sabe que imóvel não é um negócio que custa barato, não são duas ou três notas de R$ 50,00, então é preciso uma mala para carregar, já deve levantar suspeitas".

Ainda sobre a responsabilidade de órgãos fiscalizadores, o especialista destacou que no caso de pessoas públicas esse trabalho exige um olhar ainda mais atento por poder ser um indicativo de crimes. "Quando é alguém que detém poder, e tecnicamente existe um termo que é 'pessoas expostas politicamente', os órgãos já ficam mais de olho porque pode ser corrupção". Ele também afirmou que olhar mais atento serve justamente para identificar crimes que possam ter sido cometidos antes da utilização do dinheiro. "Existem várias maneiras de lavar dinheiro e existem vários crimes precedentes, então é preciso que a gente entenda que a lavagem de dinheiro é um segundo momento. Primeiro é cometido um crime a partir do qual dinheiro ilícito é recolhido".

Caso Jair Renan: 'Episódio mostra como Bolsonaro confunde o público e o privado', diz Kennedy

"É mais um episódio que mostra como o presidente Jair Bolsonaro confunde o público com o privado. Ele trata ele e a família como se fossem uma família imperial que estivesse acima da lei, mas não está. É importante responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de responsabilidade que ele cometeu e os crimes comuns. Isso precisa ser feito em algum momento para que esse precedente não seja aberto na presidência da república", disse o colunista do UOL Kennedy Alencar sobre a suposta interferência da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em uma investigação da Polícia Federal envolvendo o filho mais novo do presidente, Jair Renan.

Também durante o UOL News, Kennedy citou outros episódios de suposta interferência de Bolsonaro. "Estamos diante de mais uma suspeita de uma ação política do presidente para blindar os filhos de investigação. Isso já aconteceu em relação a esse caso da rachadinha, de questões patrimoniais e imobiliárias em relação ao senador Flávio Bolsonaro e a mesma coisa em relação ao vereador Carlos Bolsonaro".

Kennedy: Aras mandou recado para Moraes com fala sobre ler Constituição 'sem ousadia'

"O recado foi para Alexandre de Moraes e está fazendo uma crítica específica a decisão que Alexandre de Moraes tomou de investigar esses empresários bolsonaristas e golpistas, inclusive porque há conversas do procurador-geral da República Augusto Aras com alguns desses empresários", afirmou o colunista do UOL Kennedy Alencar sobre a fala do procurador-geral da República Augusto Aras de que juízes, procuradores e outros operadores têm o dever de cumprir a lei "sem ousadia".

Kennedy também pontuou, entretanto, que o próprio Aras não têm cumprido exatamente seu dever diante da lei. "O Augusto Aras é a última pessoa com autoridade moral na república para dar conselhos sobre leitura da Constituição, porque ele não está cumprindo o papel constitucional dele. Ele é procurador-geral da República e diante de crimes cometidos pelo presidente no exercício do cargo, ele optou pela omissão. Portanto, Aras não tem autoridade moral nenhuma para dar conselhos de moderação e leitura da Constituição".

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