Após pedir prisão, delegado do caso MEC quer depoimento da cúpula da PF
O delegado da PF (Polícia Federal) Bruno Calandrini, responsável pela operação que levou à prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, pediu para tomar depoimentos do diretor-geral da corporação, Márcio Nunes de Oliveira, do diretor de Combate ao Crime Organizado, Caio Pelim, e de mais dois policiais federais. Os quatro já foram intimados, segundo apurou o UOL.
Calandrini já havia pedido a prisão da cúpula da PF, ou seja, de seus chefes, por suposta interferência no caso. O pedido está com a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia.
O UOL apurou que a tomada de depoimento é considerada mais um "tumulto" para a cúpula da corporação. Para uma fonte que acompanha o inquérito, não seria uma "crise forte".
A suposta interferência de Jair Bolsonaro (PL) na PF é recorrentemente usada por seus adversários para atacá-lo quando o presidente afirma que não há corrupção em seu governo.
Além de Oliveira e Pelim, o delegado Calandrini quer ouvir também o superintendente da PF em São Paulo, Rodrigo Bartolamei, e o delegado Raphael Astini, lotado em Santos (SP) e responsável pela prisão de Ribeiro.
Astini já apresentou um pedido de habeas corpus ao Supremo, alegando que a medida adotada por Calandrini se trata de uma "investigação paralela, sem autorização" e uma "vingança pessoal".
O delegado de Santos diz que está sendo alvo de apuração aberta por Calandrini sobre suposta prevaricação após Milton Ribeiro não ter sido transferido para Brasília após a prisão. Em pedido enviado à ministra Cármen Lúcia, Astini pede que a investigação seja suspensa.
"Ao proceder à persecução penal por suposta (inexistente) prevaricação do paciente, e proceder para seu indiciamento, a autoridade Bruno Calandrini atua em nítido abuso de autoridade", afirmou Astini.
Delegado denunciou falta de autonomia
As acusações de suposta interferência interna na operação da PF contra Milton Ribeiro começaram no mesmo dia da prisão do ex-ministro.
Logo após a operação, Calandrini enviou uma mensagem em grupos de colegas afirmando que não tinha "autonomia investigativa e administrativa" para conduzir o caso "com independência e segurança institucional".
O delegado se queixou que Milton Ribeiro foi tratado com "honrarias não existentes na lei", e que, apesar do empenho da equipe em levá-lo para Brasília, o ex-ministro foi transferido para a Superintendência da PF na capital paulista, onde ficou até ser solto.
"O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o Inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional", disse em mensagem.
Uma sindicância interna, porém, chegou à conclusão de que não houve interferência na operação contra Ribeiro, e que a impossibilidade da transferência de Ribeiro para Brasília teria sido justificada devido à falta de logística para levá-lo ao Distrito Federal no mesmo dia.
"Nenhuma das oitivas ou documentos formalizados trouxeram algum elemento indicando que teria havido alguma interferência e 'obstaculização', por ocasião da investigação ou da deflagração. Tais afirmações foram interpretações pessoais do DPF Calandrini postas em dois grupos de WhatsApp", afirmou o relatório.
A sindicância também disse que não foi identificado nenhum "tratamento diferenciado" a Milton Ribeiro durante a prisão.
"Neste contexto, não se verificou elementos trazidos para a sindicância que permitam afirmar algum prejuízo para a investigação, sem prejuízo de o presidente do IPL [Calandrini] avaliar e informar com outros elementos. No que foi trazido para esta sindicância, não é suficiente para afirmar prejuízo para a operação", disse o relatório.
Delegado apontou atuação de Bolsonaro
Calandrini afirmou que Milton Ribeiro "estava ciente da execução de busca e apreensão em sua residência", e que recebeu a informação "supostamente" através de ligação recebida do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o delegado, as intercepções telefônicas detectaram três conversas que chamaram a atenção da PF:
- A primeira, entre Milton Ribeiro e Waldomiro de Oliveira Barbosa Júnior, no dia 3 de junho;
- Outra, entre Ribeiro e um homem identificado como Adolfo, em 5 de junho;
- E a fala entre o ex-ministro e sua filha, Juliana Pinheiro Ribeiro de Azevedo, no dia 9 de junho.
"Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de Milton com Waldemiro e Adolfo e, sobretudo, a precisão da afirmação de Milton ao relatar à sua filha Juliana que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do Presidente da República", afirmou Calandrini à Justiça.
A menção ao presidente levou o inquérito a retornar para o Supremo, onde foi retomado sob sigilo no gabinete da ministra Cármen Lúcia.
Integrantes da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do MPF (Ministério Público Federal) ouvidos pelo UOL avaliam que há elementos suficientes que justifiquem a abertura de uma apuração que pode mirar três possíveis crimes: favorecimento pessoal, violação de sigilo funcional e obstrução de justiça, cujas penas podem chegar a até cinco anos de prisão.
Balcão de negócios do MEC
Ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro foi preso no dia 22 de junho em Santos e levado para a Superintendência da Polícia Federal. A apuração mirava suposta atuação de Ribeiro e dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura em esquema para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do governo controlado pelo centrão.
Por decisão do desembargador Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), Milton Ribeiro foi liberado no dia seguinte, antes de prestar audiência de custódia em Brasília.
Os pastores são acusados de montar um "balcão de negócios" dentro da pasta ao supostamente cobrar propinas de prefeitos em troca de liberação de recursos do FNDE. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Em março, áudio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo revelou que o governo federal priorizou a liberação de recursos a prefeituras indicadas pelos pastores, que atuavam como lobistas na pasta, apesar de não terem cargos oficiais no governo.
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