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Menção a Bolsonaro é suficiente para abrir apuração, avaliam procuradores

Paulo Roberto Netto

do UOL, em Brasília

28/06/2022 04h00

Integrantes da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do MPF (Ministério Público Federal) avaliam que a citação ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no áudio do ex-ministro Milton Ribeiro é suficiente para a instauração de uma apuração sobre possível vazamento na investigação que mira o escândalo do balcão de negócios do MEC (Ministério da Educação).

Em conversa interceptada pela Polícia Federal, Milton Ribeiro diz à filha que conversou com Bolsonaro e que o presidente "acha" que ele seria alvo de buscas. O diálogo ocorreu no dia 9 de junho - duas semanas depois, o ex-ministro da Educação foi preso por suspeita de corrupção.

Na avaliação de integrantes da PGR e do MPF consultados pelo UOL em caráter reservado, a apuração pode ser aberta e mirar três possíveis crimes: favorecimento pessoal, violação de sigilo funcional e obstrução de justiça, cuja pena pode chegar a até cinco anos de prisão.

Um ponto lembrado é que o áudio envolve uma citação a Bolsonaro por Milton Ribeiro e não uma fala direta do presidente. Por isso, seria necessária aprofundar a apuração. "Se [a investigação] chegará realmente ao presidente da República, aí é outra coisa", ponderou um integrante da PGR.

Uma linha de apuração possível, por exemplo, seria a quebra do sigilo telefônico de Milton Ribeiro para comprovar se houve ou não a ligação do presidente com o ex-ministro.

Os procuradores alertam, porém, para o risco do caso subir para o STF e acabar adiando o andamento das apurações contra Milton Ribeiro sobre o balcão de negócios do MEC.

A avaliação é que o melhor caminho seria desmembrar o processo, deixando no Supremo apenas o que mencionar possível envolvimento de Bolsonaro, e devolver à 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal a investigação sobre o escândalo do MEC. Isso poderia, em tese, agilizar o processo e a apresentação de uma denúncia contra o ex-ministro.

A definição sobre o destino do caso, porém, cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem se posicionado a favor do governo em temas caros ao Planalto.

Em abril, a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo rejeitou um pedido para incluir Bolsonaro no inquérito do escândalo do MEC no Supremo.

Na ocasião, a PGR foi acionada a se manifestar após a Folha de S. Paulo revelar áudio em que Milton Ribeiro disse atender às prefeituras indicadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, apontados como lobistas com atuação no MEC, por solicitação de Bolsonaro.

No parecer, Lindôra disse que a gravação era insuficiente para incluir o presidente no rol de investigados por não apontar suposta participação ativa e concreta de Bolsonaro em crimes. A manifestação, porém, abria a possibilidade de reavaliação caso fatos novos surgissem.

"Ainda que um dos representados (Bolsonaro) não figure como investigado no INQ 4.896/DF, sabe-se que, naqueles autos, caso surjam indícios de sua participação nos fatos no decorrer das apurações, aquela autoridade poderá eventualmente passar a integrar o polo passivo do procedimento investigatório, o que, até este momento, não ocorreu", disse Lindôra, em abril.

Menção a Bolsonaro

Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura foram presos na quarta-feira passada (22) por suspeita de corrupção, prevaricação, tráfico de influência e advocacia administrativa. Eles foram soltos no dia seguinte por decisão do desembargador Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).

Inicialmente focada no MEC, a apuração sobre o balcão de negócios na pasta atingiu o Planalto após interceptação da PF captar o ex-ministro da Educação mencionar Bolsonaro em uma conversa com sua filha.

No diálogo, Ribeiro diz que conversou com o presidente, que disse ter tido um "pressentimento" de que o ex-ministro poderia ser alvo da investigação como forma de atingi-lo. A conversa foi divulgada pela GloboNews e obtida pelo UOL.

"A única coisa meio... hoje o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?", disse Ribeiro.

A filha pergunta: "Ele quer que você pare de mandar mensagens?"

E o ex-ministro responde: "Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né?".

Na sexta-feira (24), o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, decidiu mandar a investigação para o STF. A decisão atendeu a um pedido do MPF, que mencionou a possível atuação de autoridade com foro no inquérito.

A PF também viu possível interferência e citou, em despacho obtido pelo UOL, que Milton Ribeiro estava "ciente" que seria alvo de buscas, e que teria obtido a informação "supostamente" através de um telefonema com o presidente da República.

Segundo o delegado Bruno Calandrini, as interceptações telefônicas detectaram três conversas que chamaram a atenção da PF: a primeira entre Milton Ribeiro e Waldomiro de Oliveira Barbosa Júnior, no dia 3 de junho, outra entre Ribeiro e um homem identificado como Adolfo em 5 de junho e a fala entre o ex-ministro e sua filha, Juliana Pinheiro Ribeiro de Azevedo, no dia 9 de junho.

"Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de Milton com Waldemiro e Adolfo e, sobretudo, a precisão da afirmação de Milton ao relatar à sua filha Juliana que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do Presidente da República", disse.

Quando formalmente chegar ao STF, o caso será encaminhado à ministra Cármen Lúcia, que foi relatora do inquérito que originalmente apurava o caso no Supremo.

Na sexta (24), o advogado Frederick Wassef negou que o presidente tenha conversado com Milton Ribeiro.

"O presidente Bolsonaro não tem nada a ver com este inquérito, não falou com ministro, não interferiu na Polícia Federal. É uma nova campanha de acusações infundadas", afirmou. "Todos os inquéritos, todas as acusações feitas até hoje contra o presidente Bolsonaro, ficou provado que não existe nada, sempre fica provado que ele é inocente".

Em nota, o criminalista Daniel Bialski, que defende Milton Ribeiro, nega que o ex-ministro tenha cometido "qualquer ilicitude".

"Quem conhece um pouco o funcionamento do Ministério da Educação sabe que o Ministro e nem ninguém tinha e ou tem poder para favorecer pessoas, cidades ou Estados porque há todo um procedimento formal que regula o andamento e avaliação dos benefícios pretendidos. Inclusive, aperfeiçoado na gestão exercida pelo Ministro Milton Ribeiro", disse.