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1ª deputada negra do RS protesta contra racismo em hino gaúcho: Resistência

Tiago Minervino

Colaboração para o UOL, em Maceió

20/12/2022 18h50Atualizada em 20/12/2022 20h54

Primeira deputada negra do Rio Grande do Sul, Laura Sito (PT-RS) aproveitou a cerimônia de diplomação como futura integrante da Assembleia Legislativa gaúcha para protestar contra trecho do hino do estado considerado racista.

Durante a entoação do hino gaúcho, Laura sentou e se recusou a cantar a estrofe que fala que "povo que não tem virtude acaba por ser escravo". Ao UOL, a parlamentar petista destacou que esse verso "dialoga com uma ideia que justifica a desumanização das pessoas escravizadas no Brasil".

Infelizmente, o hino do nosso estado mantém essa estrofe que dialoga com uma ideia que justifica a desumanização das pessoas escravizadas no Brasil, que eram negras

O gesto de Laura foi acompanhado pelos também deputados eleitos pelo estado Matheus Gomes (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB).

Conforme Laura Sito, que atualmente exerce mandato como vereadora por Porto Alegre, querer justificar o verso racista atribuindo a esse trecho outro significado é ser condescendente com o racismo estrutural.

"Manter a estrofe [racista] é de fato não ter a sensibilidade de ter um hino que possa representar o conjunto da sociedade gaúcha, que também é composta pelos povos negros, que descende de pessoas que foram escravizadas no estado e no país. Nós fazemos parte da história do nosso estado com suor e sangue", destacou.

Sito afirma que o hino do Rio Grande do Sul precisa acompanhar as mudanças culturais ocorridas na sociedade brasileira com o avanço do debate racial. Portanto, afirma a petista, alterações precisam ser feitas em sua letra.

"Não é estranho que hoje, com o avanço do debate racial que nós temos na sociedade, nós também possamos fazer alteração no nosso hino, que tem uma melodia tão bonita, para que ele possa de fato representar a totalidade do povo gaúcho", completou.

Por que hino é considerado racista?

"Mas não basta para ser livre / Ser forte, aguerrido e bravo / Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo".

O trecho considerado racista do hino do Rio Grande do Sul foi composto pelo militar e poeta Francisco Pinto da Fontoura, no final do século 19, e adotado oficialmente pelo Instituto Histórico e Geográfico do estado na ocasião em que foi celebrado o centenário da Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos, movimento de caráter republicano ocorrido durante o Brasil Império.

Ao UOL, Laura Sito lembrou que a Revolução Farroupilha ficou marcada pelo Massacre dos Porongos, episódio classificado pela parlamentar como "um momento trágico" da história gaúcha, que culminou no assassinato de mais de cem soldados negros.

Durante o conflito civil, que durou de 1835 a 1845, os farroupilhas, na tentativa de fazer frente às tropas do Império, cooptaram negros escravizados dos adversários para usá-los no campo de batalha, com a promessa de alforria.

Evidências históricas indicam que a chacina contra os negros que lutaram ao lado dos farroupilhas foi facilitada pelo general gaúcho David Canabarro, que teria entrado em acordo com Dom Pedro 2º, em troca de anistia por liderar o movimento insurgente contra o poder imperial.

A partir dessa evidência histórica, Laura Sito afirma que "isso torna ainda mais forte a necessidade de não termos um trecho que dialogue com essa ideia [racista] no hino gaúcho" por ferir "a nossa condição humana".

Vereadores já protestaram contra versos racistas. Em 2021, os cinco vereadores que compõem a bancada negra da Câmara de Porto Alegre protestaram contra o mesmo trecho do hino gaúcho ao tomarem posse no Legislativo municipal.

A bancada negra da Câmara de Porto Alegre é composta por Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PCdoB), Karen Santos (PSOL), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL).

Em dezembro do ano passado, a Câmara de Porto Alegre aprovou projeto da vereadora Mônica Leal (PP) que obriga os parlamentares a "se prostrarem de pé e tomarem atitude de respeito durante a execução dos hinos brasileiros e rio-grandense".

Na prática, a resolução proíbe que gestos como o feito pelos cinco vereadores sejam repetidos no Legislativo municipal, sob a possibilidade de que sejam aplicadas medidas disciplinares.

UFRGS não adota hino gaúcho. A ideia de protestar sentado contra o hino rio-grandense partiu de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no início da última década.

A partir de 2018, a própria UFRGS deixou de tocar o hino estadual sob a justificativa de "não ser obrigatório em instituições federais".