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Prioridade na campanha, mulheres viram tema secundário no governo Tarcísio

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, em evento em homenagem ao Dia da Mulher - IsadoradeLeaoMoreira
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, em evento em homenagem ao Dia da Mulher Imagem: IsadoradeLeaoMoreira

Do UOL, em São Paulo

08/03/2023 04h00

Dois meses após sua posse, Tarcísio de Freitas (Republicanos) executou pouco do que prometeu durante a campanha em relação aos direitos da mulher. Embora tenha criado uma secretaria voltada para o assunto, ele nomeou uma secretária vista como "sem traquejo" e não implementou outras propostas relacionadas ao tema.

Na campanha do 2º turno, Tarcísio dedicou uma edição inteira de sua propaganda eleitoral na TV à desigualdade de gênero. No programa transmitido em 12 de outubro de 2022, o então candidato prometeu que, se eleito, determinaria que mais delegacias da mulher funcionassem 24h por dia e criaria uma secretaria de política para as mulheres —além de iniciativas voltadas para a saúde e o empreendedorismo femininos.

"Ao percorrer o estado de São Paulo, tenho encontrado inúmeras paulistas fortes, admiráveis. Mas que sofrem com preconceito, com a desigualdade de gêneros. Isso é inaceitável, não faz o menor sentido", disse Tarcísio, quando candidato em 2022.

As promessas também constam nas propostas registradas por Tarcísio junto à Justiça Eleitoral. No documento, há menção à criação de "um programa de prevenção, monitoramento por tornozeleiras eletrônicas e repressão de condutas agressivas contra a mulher" e de "abrigos regionais protegidos para a mulher vítima da violência", assim como a ampliação de linhas de microcrédito só para mulheres.

Hoje, das 140 delegacias da mulher, somente 11 tem 24 horas. É um absurdo. Vamos mudar isso e rapidamente."
Tarcísio de Freitas (Republicanos), em propaganda eleitoral

Porém, a única ideia que comprovadamente saiu do papel foi a criação da pasta —hoje a cargo de Sonaira Fernandes (Republicanos), 32, que foi eleita vereadora na Câmara Municipal de São Paulo em 2020 e é próxima da família Bolsonaro.

Procurada pelo UOL, a secretaria:

  • Informou que 12 municípios devem receber novos serviços de acolhimento para as mulheres vítimas de violência doméstica até o fim do ano.
  • Destacou que há uma modalidade de atendimento online para mulheres vítimas de violência nas delegacias do estado --na qual elas são atendidas por equipes da Delegacia da Mulher. O serviço, no entanto, funciona desde abril de 2020.
  • Alegou que atua de forma transversal junto a outras pastas e que "todas as iniciativas" ligadas ao tema "têm orçamento garantido".

Iniciativas e programas citados pela reportagem estão em fase de estudos e articulações com os demais órgãos envolvidos."
Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher, em nota

Após a publicação da reportagem, o Governo do Estado anunciou nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, a criação de duas linhas de crédito para mulheres empreendedoras. Batizada de Desenvolve Mulher, a iniciativa oferecerá R$ 50 milhões para micro e pequenas empresas paulistas.

Desde que assumiu o governo, Tarcísio sancionou uma lei para conceder auxílio-aluguel a mulheres vítimas de violência doméstica e outra que estabelece que funcionários de estabelecimentos sejam treinados para identificar e inibir condutas de assédio e estupro. Ambas de autoria de deputados da Alesp —e não do Executivo estadual.

Na última sexta-feira (3), a assessoria de comunicação do governo divulgou uma lista com as principais ações relacionadas ao Dia da Mulher —as iniciativas prometidas por Tarcísio durante a campanha não são citadas e o destaque é uma ação social programada para acontecer nesta quarta-feira (8) na Estação Sé do metrô.

'Diálogo respeitoso'

Políticos ouvidos em reservado pela reportagem indicam que Sonaira Fernandes deve ser o principal obstáculo para o avanço de políticas públicas para mulheres nos próximos anos. Eles classificam a secretária como uma pessoa "pouco aberta ao diálogo" e "sem traquejo" para a política.

Ela já disse que seu foco será no atendimento às mulheres vítimas de violência. Mas também declarou que trabalha para todos os paulistas e que está aberta ao diálogo respeitoso com todos os segmentos.

Sonaira Fernandes é a titular da Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher - Ciete Silverio - Ciete Silverio
Sonaira Fernandes é a titular da Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher
Imagem: Ciete Silverio

Formada em Direito, Sonaira conheceu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2014 — à época, ele era escrivão da PF e ela, estagiária. Quando o parlamentar foi eleito pela primeira vez, naquele mesmo ano, a jovem foi convidada para trabalhar no gabinete dele na Câmara.

  • A biografia de Sonaira no site da Câmara Municipal diz que participou da campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência, em 2018.
  • No ano seguinte, foi chefe de gabinete do deputado estadual Gil Diniz (PL-SP).
  • Foi convidada por Eduardo para disputar as eleições municipais em 2020 na capital paulista para ser "a vereadora da família Bolsonaro". Foi eleita com mais de 17 mil votos.

'Damares de São Paulo'

Sonaira com o padrinho político, o deputado Eduardo Bolsonaro - Reprodução - Reprodução
Sonaira com o padrinho político, o deputado Eduardo Bolsonaro
Imagem: Reprodução

Nos bastidores, a indicação de Sonaira para a secretaria é atribuída não apenas à influência de Eduardo Bolsonaro, como também de Diego Torres Dourado, irmão da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro que atuou na campanha de Tarcísio e foi nomeado seu assessor especial.

Dar a secretaria a uma "bolsonarista raiz" foi visto como um movimento do governador para não perder a conexão com seus eleitores mais conservadores. Evangélica, Sonaira recebeu o apelido de "Damares de São Paulo", em referência à ex-ministra e senadora Damares Alves (PL-DF). E disse que ficou "honrada" com a comparação.

Apesar de a secretária não esconder suas convicções —como ser contra o aborto—, a diretriz de Tarcísio quando o cargo lhe foi oferecido foi clara: cuidar das mulheres, sem passar por cima da lei, segundo aliados do governador.

Ela tem como bandeira política a luta contra a chamada ideologia de gênero, o aborto legal, o protagonismo de pessoas LGBTQIA+, e o feminismo —movimento que ela já chamou de "sucursal do inferno" e "o grande genocida do nosso tempo".

Reunião do secretariado de Tarcísio de Freitas: ele escolheu apenas 5 secretárias mulheres - Ciete Silverio - Ciete Silverio
Reunião do secretariado de Tarcísio de Freitas: ele escolheu apenas 5 secretárias mulheres
Imagem: Ciete Silverio

5 secretárias

Em relação às mulheres, Tarcísio enfrenta dificuldades desde antes da campanha eleitoral. Em junho de 2022, uma pesquisa do Datafolha apontava que 70% de suas intenções de voto vinham de homens. O mesmo indicador era de 50% para Fernando Haddad (PT) e Rodrigo Garcia (PSDB), seus concorrentes.

Eleito, Tarcísio tinha apenas 21 mulheres em sua equipe de transição, composta por 105 pessoas. Hoje, seu governo conta cinco mulheres entre seus 23 secretários. São elas:

  • Helena dos Santos Reis, secretária de Esportes
  • Lais Vita Merces Souza, secretária de Comunicação
  • Marilia Marton Correa, secretária de Cultura e Economia Criativa
  • Natália Resende de Andrade Ávila, secretária de Infraestrutura
  • Sonaira Fernandes, secretária de Políticas para a Mulher