Sintonia entre Lira e Haddad no arcabouço vira ensaio da reforma tributária
A votação da urgência do arcabouço fiscal por ampla margem de apoio foi considerada a maior vitória do governo Lula no Congresso até agora. Ela é atribuída à dobradinha do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A aprovação está cheia de significados e mostra que a parceria vai ser mantida para a reforma tributária.
O que aconteceu
A aprovação do arcabouço foi encaminhada nesta semana, com uma variada gama de partidos votando a favor de acelerar a apreciação da proposta.
Lira já está com a cabeça adiante e dá andamento às negociações pela reforma tributária. Na sexta-feira, esteve no Rio discutindo o assunto. Na quarta (24), ele estará em São Paulo com o mesmo objetivo.
Os planos de Haddad e Lira incluem usar a votação do arcabouço no plenário da Câmara nesta semana para demonstrar ainda mais força.
A urgência recebeu apoio de 367 deputados. Ambos atuam para ampliar o placar e deixar claro que a dupla tem base para levar a reforma tributária adiante.
A margem alta de votação é considerada fundamental, já que a reforma tributária vai enfrentar resistência de grupos poderosos. Prefeitos de grandes cidades já estão reclamando de possível perda de receitas e falam em mudanças no projeto.
O setor de serviços é outro que tem manifestado descontentamento. No mês passado, o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, Alfredo Cotait Neto, declarou que o projeto está fora da realidade.
Com Haddad, diálogo e parceria
Se hoje o clima é de satisfação, no domingo passado o governo estava de ressaca. Havia sido derrotado no PL das Fake News e no Marco do Saneamento. O resultado diferente no curto intervalo é atribuído aos responsáveis pelas tratativas da nova regra fiscal.
Interlocutores de Lira descrevem os ministros do Planalto como centralizadores e de difícil trato. O Marco do Saneamento é citado como exemplo negativo de um texto não discutido com o Congresso, com deputados ficando sabendo da decisão do governo apenas pelo Diário Oficial.
Já Haddad é visto como o oposto disso. Ele esteve duas vezes na residência oficial da Câmara dos Deputados na última segunda, véspera da votação da urgência do arcabouço.
Pela manhã, o ministro conversou com Lira e o relator do projeto, deputado federal Claudio Cajado (PP-BA). O trio ajustou o texto, que foi submetido aos líderes partidários na noite.
O episódio demonstrou duas qualidades: a disposição do ministro de conversar e a capacidade de chegar a um acordo.
Boa vontade de Lira depende de controle de emendas
Outro recado dado na votação da urgência é que o envolvimento de Lira em um projeto foi capaz de entregar 367 votos de um universo de 513 deputados. Mas isso tem um custo.
As emendas parlamentares são consideradas cruciais para a parceria funcionar. O Planalto e Lira disputam quem vai organizar a distribuição das verbas que são herança do orçamento secreto. O presidente da Câmara administrava estes recursos no governo Bolsonaro e quer manter este poder.
O placar na última quarta serviu de vitrine do que o governo Lula pode obter com a aliança com Lira. Questionado sobre o que acontecerá se Lira não puder carimbar as emendas, um aliado respondeu que a próxima votação vai demonstrar o descontentamento.
Centrão também mostra poder
As negociações sobre o arcabouço colocaram em lados opostos a bancada do PT de Lula e os partidos do centrão, que são o time de Lira. O partido do presidente desejava maior liberdade para gastar em investimentos e programas sociais.
Mas prevaleceu a opinião dos aliados de Lira. O centrão mostrou mais uma vez quem comanda a Câmara. O texto passou com maior rigor fiscal. As concessões que o Planalto conseguiu obter foi a possibilidade de manter o aumento real do salário mínimo e o pagamento do Bolsa Família.
Além de o PT ver suas demandas colocadas em segundo plano, detalhes das discussões demonstram como a maioria dos deputados estão mais inclinados a posições de direita.
Durante a reunião com a bancada do PL, o relator do arcabouço reclamava do pensamento do PT. "Este pessoal pensa que gasto é investimento", criticou Cajado.
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