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Sou do STF e há preconceito, diz Cármen Lúcia sobre desigualdade de gênero

Do UOL, em São Paulo

29/05/2023 15h42Atualizada em 29/05/2023 20h04

A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia afirmou, nesta segunda-feira (29), que o Brasil não atingiu a igualdade de direitos para homens e mulheres. A professora, juíza e magistrada participou de uma palestra do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), no centro de São Paulo.

O que aconteceu

Cármen Lúcia disse que a desigualdade de gênero ainda marca relações entre homens e mulheres na sociedade e na esfera jurídica. "Nós, mulheres, ainda não conseguimos atingir o patamar de sermos normalmente consideradas iguais. Sou juíza do STF e há preconceito. Temos tribunais que não tem uma mulher compondo, e somos na OAB a maioria advogada."

A ministra afirmou ainda que o número de mulheres negras no Judiciário é ainda menor. Segundo ela, magistradas correspondem a 38% do total — mulheres negras são apenas 7%. "Acho que é uma doença achar que uma mulher vale menos pelo que ela é. Ela é um ser humano do sexo feminino e ponto."

Segundo ela, a desigualdade e o preconceito "são enormes". "O direito faz o que pode fazer: proíbe a expressão à manifestação e a prática do preconceito. Quem não gosta de mulher sendo juíza pelo olhar a gente já sabe."

Costumo brincar que na hora da gente colocar a toga, os homens, em geral, eles têm alguém que ajuda. Eu digo que não precisa. Me viro super bem sozinha. Me amarro. O poder é feminino, vocês nos tiraram. Temos roupas que fecham atrás. A coroa é feminina. Vocês, para colocar uma beca, uma toga, precisam de alguém para ajudar.
Cármen Lúcia, ministra do STF

'Faroeste digital'

Ela ressaltou ainda o papel das tecnologias na sociedade. "A humanidade viu guerras por causa de terras, conflitos por causa de terras. Agora, a dominação é interna. Querer que um povo não se liberte interna ou externamente é uma forma de querer escravizar."

Para a ministra, as tecnologias transformam a humanidade, o processo político, econômico e social por meio de formas de dominação. "Quem não pensa não é livre e quem não é livre, não é digno."

Cármen Lúcia disse ainda que conversou com o ministro Luiz Fux sobre a necessidade de pensar as atribuições do STF no contexto das novas tecnologias. "Tenho dito ao Luiz Fux que temos que pensar, inclusive, nesse judiciário 4.0. Não há tela que substitua o olhar humano."

A juíza afirmou que o país voltou à "marmita digital" ao se referir às campanhas eleitorais nas redes sociais. "Quando proibimos o celular na cabine de votação disseram 'não pode'. Mas a marmita digital se reinstalou em pleno 2022? Porque era levar [o celular] e ali estava [estaria gravado] o voto. É isso que nós queremos?"

Cármen Lúcia defendeu a regulação de empresas de tecnologia. "Essas big techs precisam ser reguladas, o estado de direito construir uma fortaleza e deixar na porta uma passagem de papelão, é isso que fazemos quando não se regulam essas entidades, Não é possível."

Resolvemos que o faroeste digital vai ser bom? O faroeste digital numa sociedade vai dar um estado democrático de direito?
Cármen Lúcia, ministra do STF

Direito ao contraditório e à dignidade

A ministra do STF disse que os direitos previstos na Constituição não chegaram a todos os brasileiros. "A Constituição não faz milagre, não atingiu todo mundo. Nós, na comunidade jurídica, temos que fazer alguns movimentos concretos. O papel das faculdades de Direito vai ter que ser repensado. Precisamos formular e reformular o direito."

Ela ressaltou ainda que a sociedade espera que a comunidade jurídica garanta a Justiça. "Fomos garantindo ao outro que a gente iria garantir a Justiça. Hoje, quando uma mulher tem o filho assassinado com uma bala perdida, essa mulher espera Justiça, que nós da comunidade jurídica exerçamos o nosso papel. Queria ter um dia de 48 horas, de 72 horas para dar conta de fazer o que sei que é minha obrigação fazer."

A juíza enfatizou o direito ao contraditório livre de discursos de ódio. "O contraditório faz parte de nossas vidas. Ao contrário de 'nós e eles, uns e outros e agora não é nem adversários, são inimigos'. Isso é uma coisa estranha ao profissional do direito. Nós vivemos do contraditório ainda que seja para que dessa contradição saia uma conciliação, saia a aplicação do direito sem ódio. O contraditório faz parte do direito, da política. Somos todos humanamente iguais."

Ela disse ainda que discursos de ódio impedem o exercício do direito e democracia. "Essa coisa odienta corrói a base do direito, a base do estado de Direito e impossibilita a democracia."

Não há possibilidade de nós não nos comprometermos com a efetivação jurídica, social política e econômica da dignidade humana, que é hoje o princípio mais importante do direito e da Constituição Brasileira.
Cármen Lúcia, ministra do STF