Uerj pagou R$ 789 mil a 73 cabos eleitorais de candidatos da esquerda
A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) pagou ao menos 73 cabos eleitorais de 17 candidatos a deputado de partidos de esquerda nas últimas eleições.
O que se sabe das contratações
Essas pessoas foram contratadas nos meses que antecederam a campanha eleitoral em projeto de pesquisa com folhas de pagamento secretas às quais o UOL teve acesso. O mesmo programa —o ECO (Escola Criativa e de Oportunidades)— também abrigou cabos eleitorais da cúpula do PL, partido de Jair Bolsonaro, conforme o UOL já revelou.
Os 73 cabos eleitorais identificados pelo UOL nas folhas secretas trabalharam para políticos do PT, PV, PSB, PCdoB, PSOL e PDT (veja abaixo a lista completa).
Eles receberam da Uerj ao todo R$ 789 mil entre dezembro de 2021 e agosto de 2022.
A maior parte dos 73 cabos eleitorais trabalhou para candidatos do PT a deputado que fizeram campanha ao lado de Ricardo Lodi, ex-reitor da Uerj que disputou pelo partido uma vaga à Câmara dos Deputados. O UOL já mostrou que a Uerj pagou R$ 433 mil à família do coordenador da campanha eleitoral de Lodi.
O UOL também identificou nas folhas secretas o vice-presidente do PT no Rio e a esposa dele, com remunerações de R$ 15 mil por mês.
Quem é Ricardo Lodi. Foi reitor da Uerj de janeiro de 2020 a março de 2022, quando se afastou para se dedicar à candidatura. Ele não foi eleito deputado federal, mas ficou como suplente. Lodi atuou como advogado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment. Os projetos da Uerj com folhas secretas cresceram sob a gestão de Lodi com dinheiro do governo Cláudio Castro (PL).
Lodi nega ter usado projetos da universidade para viabilizar sua campanha, e os candidatos refutam influência nas contratações de cabos eleitorais pela universidade.
A Uerj disse desconhecer o uso do projeto por aliados de Lodi e prometeu apurar as denúncias.
Os aliados do ex-reitor
O UOL identificou nas folhas secretas 63 cabos eleitorais que trabalharam com 14 candidatos a deputado estadual (listados acima), os quais fizeram campanha ao lado de Ricardo Lodi.
Em março de 2022, ele aproveitou um evento com o presidente Lula na Uerj para renunciar ao cargo na universidade e lançar sua pré-candidatura a deputado federal.
Lodi conseguiu garantir a dobrada —parcerias eleitorais entre candidatos a deputado estadual e federal— de uma série de nomes importantes de esquerda no Rio.
Com 31.490 votos, ficou como segundo suplente da federação formada por PT, PCdoB e PV. Ao UOL, negou influência nas contratações.
Os fatos citados não são de meu conhecimento. Não tive participação nas seleções dos integrantes de qualquer projeto da Uerj, nem enquanto estava na reitoria e muito menos depois, quando me afastei da universidade, razão pela qual fiquei alheio e distante dos assuntos administrativos da Uerj. Da mesma forma, não tive qualquer influência na escolha das equipes de qualquer outro candidato.
Ricardo Lodi, ex-reitor da Uerj
Não se deve confundir a manifestação política de seus colaboradores com o uso eleitoral dos projetos, o que nunca foi admitido. No entanto, e como sempre tem acontecido com todas as denúncias, todos os fatos narrados serão devidamente apurados.
Nota da Uerj ao UOL
Parceiro de ex-reitor com 11 cabos eleitorais na Uerj
O candidato parceiro de Ricardo Lodi com mais cabos eleitorais localizados pelo UOL nas folhas da Uerj foi o empresário Abílio Pedra (PV), de Barra Mansa, no sul fluminense.
Na prestação de contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), há sete funcionários da campanha de Pedra a deputado estadual que também foram remunerados pela Uerj. Outras quatro pessoas que auxiliaram na captação de votos para Pedra, mas não foram oficialmente remuneradas, constam na lista de contratados pela universidade.
A parceria foi exibida nas redes sociais em atos de campanha. Lodi agradeceu ao empresário —que também não foi eleito— pelos mais de 1.500 votos em Barra Mansa.
Professores de um curso pré-vestibular montado pela Uerj no município denunciaram à reportagem terem sido forçados a ir a atos de campanha da dupla, sob a ameaça de perderem o emprego.
Abílio Pedra foi procurado por e-mail e telefone, mas não quis comentar as denúncias.
Após a publicação da reportagem, Ricardo Lodi afirmou, por meio de nota de sua assessoria de imprensa: "É importante esclarecer que em qualquer campanha política é comum candidatos de ideologia semelhantes se alinharem. Isso não quer dizer que um tenha conhecimento ou ingerência sobre as ações dos demais".
Dirigente do PT e esposa contratados na Uerj
O UOL também identificou nas folhas secretas da Uerj cabos eleitorais de candidatos a deputado federal de partidos da esquerda.
Edyr Jorge Rudim Thompson, vice-presidente estadual do PT, e sua esposa, Elisabete Ferreira Thompson, receberam juntos R$ 60 mil da Uerj em julho e agosto. As remunerações foram de R$ 15 mil por mês.
Edyr foi um dos líderes da captação de votos para o deputado federal eleito Lindbergh Farias (PT) em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Ele não consta, no entanto, na prestação de contas oficial da campanha.
Lindbergh admitiu que Edyr atuou em sua campanha, mas disse desconhecer que ele foi contratado pela Uerj. O vice-presidente do PT no Rio disse por telefone que não poderia falar porque estava no trânsito. Foi procurado novamente por WhatsApp e ligação, mas não retornou.
Primeira suplente da federação PT/PCdoB/PV na Câmara dos Deputados, Enfermeira Rejane (PCdoB) teve seis cabos eleitorais contratados no projeto ECO. Já Camila Marins (PT), que recebeu 4.628 votos, teve dois auxiliares de campanha contratados.
As duas negam ter negociado cargos e destacam que foram concorrentes de Lodi na eleição de 2022.
Até os próprios candidatos foram contratados pela Uerj
Ao menos dois candidatos a deputado estadual do PT receberam da universidade. Aliados do ex-reitor, eles não foram eleitos.
O ator e produtor cultural Kawany Pedroza Lopes Tomé, conhecido como Kawan Lopes, recebeu ao menos R$ 35 mil da Uerj entre fevereiro e agosto do ano passado.
Outros seis cabos eleitorais de sua campanha foram contratados pelo projeto ECO.
Por meio de nota, ele afirmou que "não houve nenhuma ingerência de indicação de nenhum nome para nenhum projeto da Uerj". "Kawan desenvolveu ações através de projeto de extensão de arte cultura muito antes do período eleitoral. Os recursos da dobrada foram encaminhados por meio de fundo eleitoral perante as declarações no TSE, assim como as poucas dobradas que tivemos com candidatos a deputado federal. Não houve qualquer irregularidade", completou.
O outro caso é o de Alex Freitas de Oliveira, o Alex Freitas Bartender, também do PT. Candidato nanico, obteve 487 votos. Ele foi o principal cabo eleitoral de Ricardo Lodi em Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio.
Bartender recebeu da Uerj ao menos três pagamentos de R$ 2.500. Ele foi procurado pelo UOL por telefone. Assim que foi explicado que se tratava de uma reportagem sobre contratados pela universidade, ficou em silêncio. Depois, não atendeu a nova ligação.
Filhas de candidato nas folhas secretas
Também foram contratados parentes de um candidato do PT aliado de Lodi. O corretor de seguros Claudio Cavalcante teve duas filhas empregadas no projeto ECO.
Julya, 23, e Beatriz, 21, ganharam as mesmas remunerações: em maio e junho de 2022, R$ 2.500; em julho e agosto, R$ 6.000. Procurado pelo UOL, Cavalcante disse pelo WhatsApp: "Eu sou corretor de plano de saúde. Se for a respeito disso pode [enviar perguntas]. Caso contrário, esqueça. A não ser que esteja querendo fazer um plano de saúde"
Dez cabos eleitorais em campanha na Baixada
Outro aliado de Lodi que teve cabos eleitorais contratados no projeto ECO foi Wesley Teixeira (PSB). Ele teve 21.361 votos e ficou como o primeiro suplente do partido na Alerj.
Teixeira realizou uma série de atos de campanha com Lodi —levou-o a Duque de Caxias, seu reduto político, e foi ciceroneado pelo ex-reitor na chopada dos alunos da Faculdade de Direito da Uerj, onde o petista dá aulas. Também fizeram panfletagem juntos.
Ao todo, dez pessoas formalmente registradas como cabos eleitorais de Teixeira foram contratadas no ECO, ganhando um total de R$ 62 mil.
Ao UOL, ele disse não ter tido ingerência nas contratações tampouco negociado com Lodi vagas nas folhas secretas em troca de apoio político ao ex-reitor.
"Os prestadores de serviço da minha campanha são militantes que vêm dos movimentos sociais, base da minha luta por direitos. Todos foram contratados, pagos e seus valores foram declarados na prestação de contas, de forma legal e transparente. Não há vedação legal que impeça qualquer pessoa de fazer a campanha do candidato de sua preferência política", afirmou.
O que dizem os deputados e candidatos não eleitos
Dani Balbi (PCdoB), por meio da assessoria de imprensa: "Informamos que não houve nenhuma ingerência de indicação de nenhum nome para nenhum projeto da Uerj. As pessoas que estão na prestação de contas da deputada no TSE efetivamente trabalharam na campanha".
Dani Monteiro (PSOL), por meio da assessoria de imprensa, disse que não houve "dobradinha" com Ricardo Lodi e que se afastou do ex-reitor, "inclusive antes da campanha, pelas ações dele à frente da reitoria".
Professor Josemar (PSOL) afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que foram feitas "dezenas de dobradas com candidatos a deputado federal, mas não houve qualquer ingerência da nossa parte nas estratégias de campanha com muitos desses candidatos".
Verônica Lima (PT) e Rodrigo Mondego (PT) disseram não saber que funcionários de sua campanhas foram contratados pela Uerj.
Leonel de Esquerda (PT) disse, por meio de WhatsApp, que não conhece os contratados e que a parceria com Ricardo Lodi "foi quase inexistente". "Ele foi um dos candidatos que não deram bola para a minha candidatura".
Bruno Candido (PDT), Letícia Florêncio (PT) e Professora Clarice (PT) foram procurados, mas não responderam os questionamentos enviados.
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