Uerj pagou R$ 24 mil a ex-PM condenado por tortura e morte de Amarildo
A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) pagou R$ 24 mil ao ex-soldado da PM Jorge Luiz Gonçalves Coelho, um dos 13 condenados pela tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza, em 2013, na favela da Rocinha.
O que aconteceu
Coelho foi contratado como bolsista do projeto de pesquisa ECO (Escola Criativa e de Oportunidades) entre julho e outubro de 2022. A remuneração mensal dele era de R$ 6.000 (valor bruto) em folhas de pagamento secretas às quais o UOL teve acesso.
Nos quatro meses em que recebeu dinheiro da universidade, o ex-policial ainda cumpria a pena (em regime aberto), a qual foi concluída neste ano. Ele foi condenado a dez anos de prisão.
Por WhatsApp, Coelho negou ter prestado serviço à Uerj e disse desconhecer o pagamento de R$ 24 mil. Ele afirmou que iria à universidade para tentar esclarecer por que seus dados constam nas folhas de pagamento.
Projeto contratou cabos eleitorais. O ECO, voltado a iniciativas de inovação em escolas públicas, é o mesmo programa que o UOL já mostrou ter sido usado para abrigar cabos eleitorais e aliados da cúpula do PL, partido do governador Cláudio Castro e de Jair Bolsonaro, e de legendas da esquerda, ligados ao ex-reitor da Uerj Ricardo Lodi, atual suplente de deputado federal pelo PT.
O ex-PM negou ter qualquer ligação política e disse que não vota há mais de 13 anos.
Uerj abre sindicância
Por e-mail, o UOL questionou a Uerj sobre que serviço Coelho teria prestado e quem foi o responsável por sua contratação. A reportagem também perguntou sobre a seleção do ex-PM, já que ele faz parte de um grupo de pessoas escolhidas por análise de currículo e entrevista.
A reitoria da Uerj não respondeu às questões e, por meio de sua assessoria de imprensa, disse apenas que abriu uma sindicância para apurar o caso.
A Secretaria Estadual de Educação, responsável pelo repasse dos recursos para a realização do projeto ECO, disse que acompanhará a sindicância realizada pela universidade.
A série de reportagens do UOL sobre as folhas de pagamento secretas da Uerj já gerou investigações do Ministério Público em andamento nos âmbitos eleitoral, cível e criminal.
'Cadê o Amarildo?'
O caso que resultou na condenação de Jorge Luiz Gonçalves Coelho foi um dos mais emblemáticos episódios de violência policial na história recente do Rio de Janeiro.
Em julho de 2013, o pedreiro Amarildo de Souza, morador da Rocinha e pai de seis filhos, desapareceu após ser levado para a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da comunidade. Ele foi conduzido por um grupo de PMs sob o pretexto de que poderia dar informações a respeito da localização de armas e drogas.
De acordo com a sentença de 2016, da 35ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, Amarildo foi torturado durante 40 minutos, o que culminou em sua morte. Na sessão de tortura, foi agredido com descargas elétricas, saco plástico na cabeça e afogamento em balde d'água.
O corpo dele nunca foi localizado, o que gerou uma série de protestos de movimentos sociais com o lema "Cadê o Amarildo?".
Ex-PM foi condenado a dez anos de prisão
Ao todo, 13 PMs foram condenados em 2016 por envolvimento na tortura e morte de Amarildo. Entre eles, o então soldado Coelho, que foi expulso da corporação.
Segundo a sentença, Coelho "participou ativamente da tortura que vitimou Amarildo". As investigações do Ministério Público constataram que Coelho foi um dos que buscou o pedreiro em um bar da Rocinha para levá-lo à sede da UPP, onde foi torturado.
Ainda de acordo com o MP, Coelho fazia parte de um grupo de confiança do comandante da unidade, o major Edson Santos, que recebeu a maior pena (13 anos de prisão).
Coelho também foi condenado, com outros sete policiais, pela ocultação do cadáver de Amarildo.
À época, a defesa alegou falta de provas para pedir a absolvição do PM. Ao UOL, ele disse na semana passada: "Paguei uma conta que não é minha".
Preso preventivamente em 2013, o ex-PM permaneceu em regime fechado até 2018 e terminou de cumprir a pena neste ano, em regime aberto.
Ex-comandante é reintegrado à PM com salário de R$ 26,8 mil
Em liberdade condicional, o major Edson Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, foi reintegrado aos quadros da PM no início de 2021. Em outubro passado, uma decisão de um colegiado de desembargadores do TJ determinou, de forma unânime, que Edson Santos permaneça na corporação, segundo a Folha de S.Paulo.
A Justiça considerou que houve prescrição do prazo para que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirmasse a expulsão do PM da corporação, o que é necessário no caso de oficiais.
O salário de Santos atualmente é de R$ 26,8 mil brutos.
Em entrevista à Folha, em 2015, o major Edson negou envolvimento no crime. "Onde ele está, você tem que fazer essa pergunta ao tráfico da Rocinha", disse, respondendo à indagação "onde está Amarildo?".
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