Crime sexual e tráfico: quem são os militares expulsos com pensão garantida
Militares expulsos das Forças Armadas carregam condenações que vão de homicídio a crime sexual e tráfico internacional de drogas, além de desvios disciplinares (conheça três casos a seguir).
Apesar da gravidade dos crimes, o pagamento de pensão às suas famílias começa logo após a expulsão —ou seja, enquanto os ex-militares ainda estão vivos.
As pensões mensais —que variam de R$ 1.500 a R$ 33,4 mil brutos— são pagas prioritariamente a cônjuges (vitalícia) e filhos (até completarem 24 anos), segundo as regras vigentes.
Os militares têm mensalmente 10,5% do salário descontado para que seus herdeiros recebam pensão após a morte deles. Mas uma lei de 1960, mantida na última reforma previdenciária, garante o benefício a militares expulsos ainda em vida --os chamados "mortos fictos".
As Forças Armadas dizem cumprir a legislação no pagamento das pensões.
Crime sexual
Quem: Alex Felisbino Rosa, ex-subtenente da Marinha
Condenação: Tentativa de estupro de vulnerável
Pensão: R$ 12,8 mil brutos
No dia 3 de julho de 2013, Alex Felisbino Rosa —então subtenente da Marinha— foi a uma sessão de cinema que exibia o desenho animado Universidade Monstros em Cabo Frio, na Região dos Lagos no RJ, onde se acomodou ao lado de duas garotas.
Após deixar a sala para comprar pipoca, o militar voltou à poltrona e usou o cotovelo e a perna para acariciar uma das meninas, segundo relato da vítima, de 11 anos. Mesmo ante o recuo da criança, Rosa fez nova investida, dessa vez passando a mão na coxa da garota.
A menina deixou o local aos prantos e telefonou para a mãe. A polícia foi acionada, e Rosa, preso em flagrante. Na ocasião, o militar não soube dizer qual era o filme que tinha ido assistir.
No ano seguinte, o subtenente foi condenado por crime sexual a dois anos e oito meses de prisão.
Em 2016, Rosa foi expulso da Marinha, que desde então paga pensão à família dele. Em maio deste ano, último dado disponível no Portal da Transparência, a pensão foi de R$ 12,8 mil brutos.
À Justiça, o militar negou a acusação, alegando que sua mão esbarrou de forma não intencional na perna da criança. Em sua sentença, a juíza Janaína Pereira Pomposelli narra as investidas do então oficial da Marinha e define: "O caso não retrata uma simples apalpadela".
Já à reportagem do UOL, dez anos após o crime, Rosa admitiu o que chamou de "erro", mas contestou a sentença e a consequente expulsão da Marinha.
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Quero receber"Não ocorreu toque em partes íntimas de forma nenhuma. Sei que foi um erro de minha parte, onde reconheço e expresso meus pedidos de desculpas à vítima, mas ser condenado por estupro [de vulnerável] por isso é um tremendo exagero."
A lei considera como estupro de vulnerável qualquer ato sexual com menor de 14 anos, mesmo que consentido ou que não haja violência física aparente.
Tráfico internacional de drogas
Quem: Manoel Silva Rodrigues, ex-segundo-sargento da Aeronáutica
Condenação: tráfico internacional de drogas
Pensão: R$ 5.700 brutos
Manoel Silva Rodrigues foi preso com 39 kg de cocaína em um avião que integrava a comitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em junho de 2019 em Sevilha, no sul da Espanha. O valor estimado da droga era de R$ 6,3 milhões.
O então segundo-sargento da Aeronáutica fazia parte de equipe militar para apoio à comitiva de Bolsonaro, que não estava na mesma aeronave. O avião da FAB onde viajava Rodrigues partiu de Brasília com destino a Tóquio e fez escala no aeroporto de Sevilha.
Rodrigues foi detido durante controle aduaneiro de rotina —a droga estava dividida em 37 pacotes na bagagem de mão do militar brasileiro.
Antes de ser preso, o ex-militar havia traficado drogas em ao menos sete viagens com aviões da FAB, segundo investigação da Polícia Federal. Foram quatro voos domésticos (São Paulo, Recife e Salvador) e três internacionais com escalas na Espanha, onde a droga era entregue.
A Justiça Militar condenou Rodrigues a 14 anos e seis meses de prisão por tráfico internacional de drogas em fevereiro do ano passado. Na Espanha, ele foi condenado a seis anos de prisão.
A expulsão dos quadros das Forças Armadas aconteceu em maio de 2022, quando a FAB começou a pagar pensão mensal de R$ 5.700 à sua família.
Uma das beneficiárias é Wilkelane Nonato Rodrigues, companheira do ex-militar. Segundo a PF, nas viagens em que traficou, o ex-sargento trocou mensagens com Wilkelane —em uma delas, enviou a foto de um braço levantado com um terço enrolado no pulso.
Ela chegou a ficar em prisão domiciliar em 2021. Wilkelane tinha conhecimento das escalas e opinava sobre o ex-militar participar das viagens, segundo a investigação.
Procurada, a defesa do ex-sargento não quis se manifestar.
Homicídio
Quem: Jonymar Vasconcelos, ex-terceiro-sargento da Marinha
Condenação: Homicídio
Pensão: R$ 6.300
Em 2007, Jonymar Vasconcelos —então terceiro-sargento da Marinha— foi condenado a 18 anos de prisão por matar uma pessoa que se recusava a consertar de graça as kombis de uma cooperativa de transporte clandestino em São Gonçalo (RJ).
Ele foi pago para cometer o crime, segundo a investigação que o levou a ser condenado.
A sentença foi proferida pela juíza Patrícia Acioli que, quatro anos depois, foi assassinada por milicianos em Niterói, região metropolitana do Rio.
"A conduta perpetrada pelo mesmo traz uma profunda mácula à sociedade na medida em que se institui um poder paralelo onde a força bruta se sobrepõe à ordem constituída", disse ela, na sentença que condenou Jonymar.
O irmão de Aristeu Vieira de Matos disse à Justiça que dois homens entraram no quintal da vítima e dispararam contra ele. A testemunha disse ter visto Jonymar do lado de fora da casa, em uma moto, aguardando a execução do homicídio.
O irmão da vítima classificou os três homens como matadores ligados a uma máfia do transporte público alternativo na região.
A esposa da vítima também disse em juízo que o trio havia ameaçado o marido de morte.
Jonymar nega ter praticado o crime e entrou com pedido de revisão da condenação, o qual foi negado pela Justiça. Ele ficou cinco anos na cadeia.
O UOL procurou Jonymar por meio de telefone e WhatsApp, mas ele não retornou. Nos autos do processo, a defesa do ex-militar disse que, à época do crime, o acusado era aluno de direito da UFRJ e que, no dia e hora do assassinato, estava estudando para uma prova.
Após a expulsão de Jonymar, a Marinha paga à esposa dele R$ 6.300 por mês de pensão desde 2012. No ano passado, ela recebeu ao todo R$ 80 mil.
O ex-militar é hoje advogado e atuou na defesa de George Santos, brasileiro que é deputado republicano nos Estados Unidos. Alvo de investigações nos EUA, Santos é acusado de estelionato no Brasil.
*Colaboraram Silvia Ribeiro, do UOL, no Rio, e Josmar Josino, colunista do UOL
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