Lula faz 'morde e assopra' com Maduro para recuperar R$ 6 bi da Venezuela

O governo Lula (PT) tem atuado para reconstruir as pontes com o ditador Nicolás Maduro de olho no pagamento de uma dívida da Venezuela com o Brasil que chega a US$ 1,27 bilhão (cerca de R$ 6 bilhões).

O que aconteceu

O Brasil encabeça o movimento de reinserção da Venezuela nos blocos econômicos mundiais, articulando uma nova roupagem do regime de Maduro aos olhos do mundo. A estratégia agora é focar nos benefícios econômicos que a Venezuela trará ao Brasil, com amplificação dos investimentos.

Para isso, Lula usa uma tática de "morde e assopra": apesar de ter posado para fotos e exaltado Maduro, o presidente está sendo obrigado a olhar para a contestada política interna da ditadura venezuelana e a propor mais transparência nas próximas eleições.

O encontro com Maduro em maio se tornou negativo para Lula, que recebeu uma série de críticas. O episódio, por ter demonstrado uma proximidade mais do que diplomática, foi visto como um escorregão do petista.

A dívida, calculada pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), provém de investimentos anteriores do Brasil no vizinho, realizados quase totalmente durante os governos petistas — em especial em obras de infraestrutura pagas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Na visão do Itamaraty, uma boa relação diplomática abre espaço para negociar este pagamento.

Relações do Brasil com a Venezuela

Lula reabriu a embaixada do Brasil em Caracas. Maduro voltou a ser recebido por um presidente brasileiro, em maio, após oito anos. Os dois se reuniram em Brasília e posaram para fotos no Palácio do Planalto.

O Itamaraty mantém a tradicional postura de discrição ao tratar da Venezuela. Mas o ministério acompanha com atenção os desdobramentos da política interna do país vizinho. Recentemente, a nova candidata de oposição a Maduro, Maria Corina Machado, foi considerada inelegível pelos próximos 15 anos em um processo que teve início em 2015. A notícia incomodou vários países.

Os diplomatas, segundo apurou o UOL, consideram que há um longo processo até as eleições de 2024. Por serem questões internas, eles esperam se manifestar sobre o assunto apenas se houver convite ou abertura do governo Maduro. O foco é reconstruir a relação diplomática com um país de fronteira e importante parceiro comercial.

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Uma das iniciativas já estabelecidas é a retomada do fornecimento de energia para Roraima pelo país vizinho. O fornecimento, cessado em 2019 por Bolsonaro, já foi garantido pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), com o discurso de fazer "uma grande integração energética na América Latina".

Lula também tem defendido a entrada da Venezuela nos Brics. O cálculo da gestão petista é o seguinte: quanto mais países sul-americanos se desenvolverem, melhor para toda a região. Na visão de Lula, desenvolver os vizinhos é, ao mesmo tempo, desenvolver o Brasil — como o presidente fez nos seus dois primeiros mandatos.

Foco no comércio

A Venezuela era um dos principais parceiros econômicos do Brasil até o início do governo Temer. Em 2012, com Dilma Rousseff, foram arrecadados cerca de US$ 5 bilhões em exportações para a Venezuela, segundo dados do governo federal.

As exportações despencaram no primeiro governo Dilma Rousseff (PT). O então presidente Michel Temer (MDB) esfriou as relações com o país vizinho, e a crise econômica na Venezuela agravou o quadro.

Sob Bolsonaro, não houve relação diplomática entre os dois países — mas foi registrada uma retomada das exportações, ainda que com índices menores que os do período do governo Dilma.

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A postura de Lula

Foco na economia e sem falas polêmicas de Lula. É essa postura defendida pelo assessor especial e ex-chanceler, Celso Amorim. Ele já sugeriu diversas vezes que o presidente foque suas falas na economia e na relação bilateral e evite frases polêmicas.

Depois de muito resistir, Lula parece ter ouvido: o presidente tem tentado fazer a ponte entre a Venezuela e outros países. Na ida à Bélgica, na cúpula entre países da Europa, América Latina e Caribe, esse foi um dos assuntos tratados pelo brasileiro, em meio aos debates do acordo entre Mercosul e União Europeia, com forte posicionamento em defesa da democracia.

No encontro, o Brasil encabeçou uma iniciativa com Argentina, Colômbia, França, Venezuela e o Alto Representante da União Europeia. Eles pediram "eleições livres" no país e o fim das sanções internacionais.

[Os chefes de Estado] fizeram um apelo em prol de uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional. (...) Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos.
Declaração conjunta em Bruxelas

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Conselheiros de Lula argumentam que o caminho é evitar a exaltação ao regime de Maduro. Líderes europeus já expressaram a preocupação em relação a um possível retorno da Venezuela ao bloco sul-americano, condição que o Brasil defende.

Lula estreitou os laços com a Venezuela ainda durante o governo de Hugo Chávez, desde o primeiro mandato do petista, em 2003. O Brasil liderou à época um grupo de pacificação na já conturbada política interna venezuelana. Agora, em 2023, a liderança do sucessor de Chavez, Nicolás Maduro, é contestada por órgãos internacionais. A Assembleia Constituinte instalada em 2017 não é reconhecida por vários países, incluindo o Brasil. No ano passado, a ONU denunciou que agências do governo venezuelano cometem crimes contra a humanidade para reprimir a oposição.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que informava a matéria, as exportações à Venezuela despencaram ainda no primeiro governo Dilma Rousseff (PT), e não após o impeachment em 2016. O texto foi corrigido.

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