Empresários que doaram R$ 400 mil a Ratinho Jr. ganham contrato em loteria

Empresários que doaram R$ 400 mil para a campanha do governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), ganharam meses depois um contrato de R$ 167 milhões para operacionalizar pagamentos da loteria criada pelo governo paranaense. A contratação tem fortes indícios de direcionamento, segundo técnicos do TCE-PR (Tribunal de Contas do Paraná). A Lottopar (Loteria do Estado do Paraná) e o grupo PayBrokers negam irregularidades.

O que aconteceu

O grupo empresarial PayBrokers venceu em março passado uma licitação para operacionalizar os pagamentos da Lottopar.

Especializado em ferramentas de pagamento, o PayBrokers tem como principais acionistas a família Lenzi, grupo de advogados atuante no mercado de jogos e apostas.

Ao menos quatro pessoas ligadas às empresas —três sócios e uma parente— doaram R$ 400 mil a Ratinho Jr. na campanha por sua reeleição no ano passado. Eles afirmam terem feito os repasses por "convicção político-partidária".

Um ex-servidor com cargo de comando na secretaria responsável pela criação da loteria ingressou no PayBrokers após deixar o governo. Henrique de Oliveira Moreira atualmente é sócio e diretor-financeiro do grupo empresarial. Ele também é casado com a filha do presidente do TCE-PR. Procurado, Moreira nega ingerência na licitação.

Relatório do corpo técnico do TCE-PR apontou indícios de direcionamento na licitação e defendeu sua suspensão. Até agora o Tribunal de Contas não tomou providências.

Os técnicos veem como anormal a escolha em regime de urgência do modelo de pagamentos antes mesmo da licitação para a concessão dos serviços lotéricos, ainda em andamento.

O que dizem o governo do PR e o vencedor do contrato

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, Ratinho Jr. não se manifestou sobre as doações dos empresários que venceram a licitação. O governo indicou a Lottopar para se posicionar sobre as suspeitas que envolvem a escolha do PayBrokers.

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O que diz a Lottopar. O órgão disse ter respondido a todos os questionamentos do TCE-PR; negou envolvimento do ex-servidor (hoje sócio do PayBrokers) no projeto e afirmou que a escolha de um consórcio com três empresas visa à entrega do melhor projeto para o estado.

O PayBrokers negou, em nota, ter havido direcionamento na licitação, alegando que "diligenciou contra o tempo" para cumprir os requisitos estipulados. Também disse que os participantes do consórcio não foram alvo de questionamento no âmbito do TCE.

Porta-giratória

Henrique Moreira, diretor do grupo PayBrokers
Henrique Moreira, diretor do grupo PayBrokers Imagem: Reprodução/Linkedin

O principal personagem que liga a gestão de Ratinho Jr. ao contrato suspeito na Lottopar é Henrique Moreira.

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Ele foi nomeado por Ratinho em setembro de 2020 para atuar como chefe da Divisão de Coordenação Administrativa da Seap (Secretaria de Administração e Previdência), uma das mais poderosas do Paraná, e permaneceu pouco mais de um ano no cargo.

Moreira fez o que se costuma chamar de "porta-giratória" no mercado financeiro —seis meses após deixar o governo, ele assumiu o posto de CFO (diretor-financeiro, na linguagem corporativa) do grupo PayBrokers em maio de 2022.

No cargo, Moreira comandou a ofensiva da empresa no nascente ramo das loterias estaduais.

As discussões para a criação da Lottopar começaram em fevereiro de 2021 —quando Moreira ainda estava no governo— e foram lideradas por colegas dele na Seap, conforme mostram documentos obtidos pelo UOL. Não há registros de que ele tenha participado diretamente do planejamento da loteria.

Segundo a Lottopar, o executivo "nunca teve relação com o projeto, em nenhuma de suas fases". Moreira disse ter sido convidado a trabalhar no governo por possuir perfil técnico.

Em dezembro de 2021, o governo Ratinho Jr. aprovou a criação da loteria na Assembleia Legislativa, mas o processo só andou de fato após sua reeleição em outubro passado.

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Além do vínculo com o governo, Henrique Moreira tem ligação familiar com o TCE-PR —cuja responsabilidade é fiscalizar a licitação vencida pela empresa da qual é sócio. Ele é casado com a advogada Mariana Guimarães, filha do presidente do tribunal, Fernando Guimarães.

Procurado, Fernando Guimarães afirmou, por meio da assessoria de comunicação do TCE-PR, que vota nos processos apenas em caso de empate. Caso isso ocorra no caso da Paybrokers, se declarará impedido.

Doações de campanha

O trânsito político de Moreira somou-se às doações que ele e seus sócios no PayBrokers fizeram à campanha de Ratinho Jr.. Ao todo, foram R$ 400 mil para financiar a reeleição do governador.

Henrique Moreira doou R$ 15 mil

Edson Antonio Lenzi Filho, líder do PayBrokers, desembolsou R$ 115 mil

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Edgar Lenzi, sócio e irmão de Edson, destinou R$ 180 mil

Daniele Fernanda Sanson Lenzi, esposa de Edgar, transferiu R$ 90 mil

As doações dos sócios da PayBrokers foram feitas para o diretório estadual do PSD, partido de Ratinho Jr., que as repassou imediatamente para o então candidato. Esse expediente faz com que as contribuições não apareçam diretamente relacionadas ao governador do PR.

Edson Lenzi negou, por meio da assessoria do grupo empresarial, que Moreira tenha influenciado em suas doações.

Edson fez a doação por convicção político-partidária, obedecendo às normas eleitorais. Edson já fez doações em outras campanhas pela mesma razão.
Resposta do grupo PayBrokers ao UOL

Moreira também disse ter feito a doação por "convicção política" após ser convidado para três jantares de arrecadação partidária.

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Já Edgar Lenzi não respondeu às perguntas enviadas pelo UOL por meio do PayBrokers.

Licitação sob suspeita

O corpo técnico do TCE-PR viu indícios de irregularidades no processo de escolha:

Exigências do edital e do termo de referência da licitação que restringiram a competição

Falhas na pesquisa de orçamentos que inviabilizaram a participação de outras empresas

Isso gera, na visão dos técnicos, "risco de superfaturamento, de enriquecimento sem causa da contratada e, portanto, dano ao erário".

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Seis técnicos do Tribunal de Contas pediram a suspensão da licitação antes da escolha do PayBrokers, mas até hoje o processo não foi julgado.

O desenho do sistema de software foi realizado antes mesmo de ser finalizado o estudo da concessão de loterias. Em outras palavras, estão licitando o sistema gerencial, sem ter a definição mínima daquilo que será gerenciado.
Relatório do TCE-PR

'Sorte ou direcionamento', diz relatório do TCE

O relatório do tribunal também destaca irregularidades na fase de pesquisa de preços.

A Lottopar procurou três empresas para obter orçamentos. Duas delas informaram não exercer atividades que as permitissem participar da concorrência. A única de fato interessada em prestar o serviço foi justamente a PayBrokers.

Os técnicos ainda sustentam que o edital do Paraná usa como base uma licitação da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) que teve como única habilitada uma empresa do grupo PayBrokers e estabelece cláusulas ainda mais restritivas.

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A isso se soma a exigência de que as empresas interessadas tivessem um prazo de apenas dez dias para apresentar uma amostra de software com 90% das exigências definidas para a contratada no edital —ou seja, o produto praticamente pronto.

O fato de determinada empresa ter software com especificações muito próximas às do edital provavelmente ocorrerá por uma das seguintes hipóteses: sorte ou direcionamento licitatório.
Relatório do TCE-PR

Não houve qualquer direcionamento em relação ao certame objeto da pergunta, muito pelo contrário. Uma vez publicado o edital para o Pregão Eletrônico nº 2306/2022, a PayBrokers teve que diligenciar contra o tempo para encontrar um parceiro internacional apto a cumprir os requisitos estipulados e assim estar apta a participar do procedimento.
Grupo PayBrokers, por meio de nota

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