Sakamoto: Lula não sabe tudo; para evitar 'groselha', silêncio é o melhor
O colunista do UOL Leonardo Sakamoto analisou no UOL News as recentes declarações do presidente Lula (PT) sobre uma eventual prisão do líder russo Vladimir Putin caso viajasse ao Brasil para a reunião do G20, em 2024.
Para Sakamoto, o presidente não precisa dar uma opinião formada sobre todos os assuntos que o rodeiam. E lembrou que, embora o petista seja conhecido por historicamente adotar uma estratégia de improviso, a prática tem comprometido o seu recente histórico de declarações.
O Lula tem dado um tiro no próprio pé, com frequência. Ele sempre rasgou discurso pronto e foi fazer aquilo que não estava necessariamente orientado pela sua assessoria. É uma coisa que é do Lula, normal. E ele é bom nisso. Mas, nos últimos tempos, ele tem ignorado protocolos, recomendações das assessorias, falado mais soltinho, e acaba falando groselha. O que acontece é que boa parte dos seguidores do presidente, e ele também tem seguidores bastante vigorosos, acabam fazendo um malabarismo para tentar defendê-lo — até que o próprio governo reconhece que exagerou e volta atrás. Lula é um grande retorno à normalidade democrática em muitas dimensões. Só por conta disso merece ser reconhecido, mas o presidente, por vezes, tem falado demais.
Ao sugerir uma eventual violação ao Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional e a própria Constituição brasileira, Lula iria contra um próprio movimento que denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro por genocídio e crimes contra a humanidade em Haia.
Essa declaração dele [Lula] sobre o Putin tem um agravante: o próprio petista, o lulista, o pessoal da esquerda de maneira geral, durante muitos anos, criticou Jair Bolsonaro por conta de um genocídio em curso contra os indígenas, agravado durante a pandemia da covid-19. Por conta disso, ele foi denunciado no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Então, o PT, a esquerda, todo mundo, de tempos em tempos, lembra dessa ação que pode tornar o ex-presidente réu no TPI. E o presidente Lula, que sempre tratou Bolsonaro como genocida, simplesmente fala que não conhece o tribunal? Acho que a grande dica é a seguinte: o Lula sabe muita coisa, mas não sabe tudo. Então para aquilo que ele não sabe, ficar em silêncio.
Corbo: Lula comete sucessão de erros injustificáveis em fala sobre Tribunal Penal Internacional
Para Wallace Corbo, professor de direito da FGV, é trágica a declaração de Lula de que descumpriria a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), caso Putin viesse ao Brasil. Sobretudo do ponto de vista de relações internacionais e respeito aos acordos e convenções dos quais o Brasil é signatário.
É complicado ver o Lula dizendo que não conhece o TPI na medida em que ele foi incluído na nossa Constituição, previsto o respeito às decisões do TPI em uma emenda constitucional, a Reforma do Judiciário, que foi aprovada durante o primeiro governo Lula.
O especialista também reforçou que, em seu entendimento, não cabe ao presidente da República dizer que não cumprirá a decisão do TPI e isso está previsto por força de emenda à Constituição.
Se for o caso de mudar, o Brasil entender que deve mudar, isso deve passar por uma longa discussão que envolva a aprovação de uma nova emenda da Constituição. Não deve ser dito como um mero argumento político no meio de uma conferência internacional. É uma fala desastrada do presidente, que desafia os termos da Constituição Federal, que indica uma potencial intenção de violar os termos da Constituição Federal.
Sakamoto: Bolsonaristas 'porcos' produziram provas contra si mesmos nos atos golpistas
O colunista lembrou que, ironicamente, os gestos escatológicos que resultaram na destruição dos edifícios-sede dos Três Poderes serão responsáveis por condenar os manifestantes envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro, em Brasília (DF).
Isso coloca as pessoas dentro da cena do crime. Se por um lado a gente viu naquele dia cenas escatológicas, agora a gente tá vendo a escatologia ser usada a nosso favor: baba, sangue, suor, até de repente urina e fezes. Todos esses fluidos, resíduos, deixados pelos golpistas vão colocá-los nos banco dos réus
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Quero receberO jornalista frisou ainda que, à medida que o trabalho da polícia científica avançar na investigação, outros nomes serão responsabilizados.
Vamos lembrar que os responsáveis não são apenas os gados que estavam chifrando a praça dos Três Poderes. A gente tem como responsáveis também os financiadores, que recentemente foram alvos de operação de busca e apreensão contra eles. E tem no final da linha de tudo, além dos executores, dos incitadores, financiadores, a gente tem os planejadores, ou melhor dizendo o planejador, Jair Bolsonaro que está no final dessa corda.
Corbo: Mauro Cid manter salário é exemplo dos privilégios indevidos das Forças Armadas
O professor da FGV, que também é especialista em Direito Constitucional, pondera que embora a manutenção de salário de Mauro Cid, acusado de integrar uma organização criminosa, cause insatisfação popular, a Legislação corrobora esse tipo de situação.
Na verdade, nós temos que pensar em duas situações que são relativamente diferentes. A primeira é a do militar como servidor público em geral, que é afastado do seu cargo provisoriamente, liminarmente, como é esse caso. De fato, não tem como ver uma situação como a do Mauro Cid e não ter algum tipo de repulsa, ou mesmo insatisfação, por ver essa pessoa receber o seu soldo [salário], um soldo bastante relevante e desproporcional considerando a realidade brasileira. Mas, em um sentido mais amplo, a manutenção do vínculo de um servidor público, qualquer que seja ele, e a manutenção do seu salário até que sobrevenha seja sua exoneração administrativa, seja uma decisão judicial transitada em julgado, assegura aos bons servidores públicos que eles vão poder realizar com independência sua atividade sem sofrer necessariamente impactos ou repercussões políticas porque discordaram do governante da vez. Nós vimos isso em relação ao governo Bolsonaro, os servidores da Funai, servidores que resistiram bastante às investidas autoritárias. A gente está de fato diante de um problema.
Ele acrescenta que, quando analisado especificamente sob o ponto de vista do direito militar, o problema se multiplica, uma vez que se trata de uma categoria com uma série de benefícios não compatíveis nem com o restante do serviço público, muito menos com a sociedade brasileira em geral.
Basta a gente pensar que se o Mauro Cid for expulso da corporação pela prática de um crime, ele é considerado em termos militares como se tivesse morrido ficticiamente. Para o Exército, isso permite a seus herdeiros receberem uma pensão equivalente ao seu soldo. Isso não existe em nenhum outro lugar do serviço público brasileiro, uma pessoa ser recompensada, ou seus familiares serem recompensados, porque você praticou um crime e foi expulso de uma corporação. Aí nós estamos no campo de privilégios indevidos entre os vários que as Forças Armadas conseguiram obter no Brasil por força desde os tempos de ditadura e da manutenção do seu poder até hoje. Isso de fato é um problema.
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