Privatização da Sabesp: promessa de Tarcísio, conta menor requer subsídio

Para cumprir sua promessa de baixar o valor da conta de água após privatizar a Sabesp, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), precisará subsidiar a tarifa usando parte do dinheiro que vai arrecadar com a venda da própria estatal. O conta de água, porém, voltará a subir com o fim do subsídio, preveem especialistas.

A sugestão de usar o dinheiro da venda para bancar a queda na tarifa foi recomendada pelo IFC (Internacional Finance Corporation), contratado pelo governo para produzir um relatório sugerindo o modelo a ser adotado na privatização da estatal.

O que diz o relatório

Governo pagou R$ 45 milhões para o IFC produzir o documento. O texto afirma que, sem ajuda estatal, a privatização não será suficiente para derrubar a conta de água e esgoto.

Por mais que a gestão privada seja eficiente com os investimentos e custos operacionais a serem realizados, isso somente não garantiria uma redução das atuais tarifas da Sabesp.
IFC, em relatório

A recomendação é que o governo use o dinheiro da privatização para baixar a conta.

A modelagem proposta para o projeto envolve a (...) redução tarifária a partir do uso de parte dos recursos gerados pela venda das ações do GESP [Governo do Estado de São Paulo], de modo que não haja impacto no valor da empresa e em seus acionistas.
IFC, em relatório

Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo
Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo Imagem: Gabriel Cabral/Folhapress

Governo aceitou a recomendação. "Ao vender essas ações, você pode usar esse recurso para duas coisas: mais investimentos e para redução da tarifa", disse ao UOL Natália Resende, secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística.

Essa estratégia rebate as críticas de que as tarifas vão aumentar com a privatização e a torna atraente ao consumidor. Mas pode-se colocar em dúvida a sustentabilidade desta redução a médio e longo prazo.
Hugo Sérgio de Oliveira, ex-presidente da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de SP)

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Esse tipo de subsídio é semelhante ao que a Prefeitura de São Paulo dá às empresas de ônibus (R$ 7,4 bilhões em 2023) para deixar a tarifa mais barata.

É uma inversão: a Sabesp transferiu ao governo R$ 450 milhões em 2022, mas agora será o governo que vai tirar dinheiro do estado para uma empresa privada baixar a conta
Amauri Pollachi, engenheiro e conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento).

"Em saneamento, não conheço nenhum lugar no mundo que tenha feito isso", diz Pollachi. "Por quanto tempo vão manter a tarifa baixa? Assim que possível, a empresa vai pedir o equilíbrio econômico-financeiro e aumentar a conta, como ocorreu em outros estados."

O valor do subsídio e sua duração é um incógnita porque o governo ainda não definiu por quanto venderá suas ações. "A gente está falando em uma redução racional de tarifa", defende a secretária Natália Resende. "Estamos estudando para ter mais investimentos com redução tarifária responsável."

Tarifa em São Paulo está entre as mais baixas do Brasil. Enquanto a conta na capital é de R$ 71,70 para 10 mil litros de água e esgoto por mês, esse valor é de R$ 134 em Campo Grande (MS), R$ 104 em Curitiba, R$ 103 em Manaus e de R$ 97 a R$ 111 no Rio de Janeiro, dependendo da empresa que administra o saneamento básico na cidade após a privatização.

Trabalhadores na estação de tratamento de esgoto da Sabesp, em Barueri (SP)
Trabalhadores na estação de tratamento de esgoto da Sabesp, em Barueri (SP) Imagem: Gabriela Cais Burdmann/UOL
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Universalização em 6 anos

Tarcísio também vai usar o dinheiro da vendas das ações para antecipar a universalização dos serviços de água e esgoto de 2033 para 2029. A gestão espera usar R$ 10 bilhões do que receber para elevar os investimentos a R$ 66 bilhões.

Acontece que a universalização já vai acontecer até 2029 na capital paulista. O contrato do município —que responde por 47% do faturamento da Sabesp— ganhou um aditivo no final de 2016 que prevê 100% de cobertura de água e 100% de esgoto coletado e tratado até essa data.

Como a universalização "está praticamente atingida", diz Oliveira, "a antecipação se destina mais a incluir a população de baixa renda, dando a impressão de que se coloca em prática uma política de inclusão social".

"A gente está olhando a sociedade", rebate a secretária. "Estamos antecipando saúde. Vamos focar nos vulneráveis. Serão 10 milhões de pessoas beneficiadas até 2029, além da despoluição de mananciais e do rio Tietê. Desses 10 milhões, vamos antecipar a universalização para 9 milhões e incluir 1 milhão que não eram atendidos porque vivem em área rural e em comunidades tradicionais."

Sabesp lucrou R$ 3 bilhões

"Queimar parte do recurso da privatização dessa forma só faz sentido se o Estado estiver quebrado", diz o deputado Antonio Donato (PT), um dos principais opositores da privatização na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). "Tarcísio aposta na crença de que privatizar é melhor e ponto", afirma.

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A estatal, porém, é um sucesso. Segundo o próprio governo, a Sabesp é "top 5 das maiores companhias de saneamento do mundo em receita" e lucrou R$ 3,12 bilhões no ano passado, aumento de 35,4% sobre 2021.

A Sabesp tem uma política de distribuição de dividendos para acionistas que é o mínimo exigido pelas sociedades anônimas: 25% do lucro. O restante vira investimento. Mas isso não acontece em empresas privadas e deve acabar se a Sabesp for privatizada.
Amauri Pollachi, conselheiro do Onda

Na Europa, as altas tarifas vêm estimulando a reestatização dos serviços de saneamento. Entre 2000 e 2017, foram contabilizado 835 reversões, 693 a partir de 2009. Em Portugal, a reestatização no município de Setúbal, no ano passado, previa uma redução de 20% na conta de água.

A maioria das reestatizações foi na França, pioneiro nas privatizações do setor e sede das empresas Suez e Veolia, líderes globais na área.

Estação de tratamento da Sabesp
Estação de tratamento da Sabesp Imagem: Divulgação/Sabesp

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