Empresário vai de réu por lavagem a dono de 'bet' oficial em menos de 1 ano
Um empresário pernambucano passou de réu por suspeita de liderar uma organização criminosa de lavagem de dinheiro de jogos de azar a dono de uma "bet" oficial no Rio de Janeiro (site de apostas credenciado pelo governo estadual) em um período de menos de um ano.
O que aconteceu
A empresa JBD Comunicação e Tecnologia foi credenciada pela Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro), em 29 de outubro, para operar um site oficial de apostas esportivas e ilottery, que reúne modalidades como roleta, pôquer e caça-níqueis. A página, chamada Marjosports, entrou no ar com o selo da Loterj no dia 7 deste mês.
O dono da firma, criada em 15 de julho, é Jorge Barbosa Dias. Em 2018, ele começou a ser investigado pelo Ministério Público de Pernambuco por suspeita de liderar uma organização criminosa formada para lavar dinheiro de jogos de azar.
Em novembro do ano passado, o empresário se tornou réu com outras 17 pessoas. Porém, em agosto deste ano, juízes da Vara Criminal de Taquaritinga do Norte (PE) reverteram a decisão que aceitou a denúncia do MP, levando o processo à estaca zero. Isso aconteceu após um outro réu obter um habeas corpus que suspendeu a ação penal.
Promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas) recorreram da decisão no mês seguinte —o recurso aguarda análise judicial.
Antes mesmo de a denúncia ser rejeitada, o empresário deu entrada no credenciamento de seu site de apostas junto ao governo fluminense.
A defesa do empresário disse, em nota, que "não há denúncia ou inquérito em tramitação" contra seu cliente e que "Dias possui todas as licenças para a exploração de apostas esportivas, o que faz em país estrangeiro por meio de plataforma digital devidamente registrada".
A Loterj afirmou, também por nota, que a JBD cumpriu todas as exigências previstas no edital de credenciamento, como apresentação de certidões negativas criminais, habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhista, além de qualificações econômico-financeira e técnica.
O que as investigações apontaram
Jorge Barbosa Dias começou a ser investigado pelo MP de Pernambuco em 2018 e, desde então, foram tomadas várias medidas contra o empresário e pessoas ligadas a ele, com aval da Justiça.
Em dezembro de 2021, o Gaeco deflagrou a Operação Game Over, cujo principal alvo foi Dias, para cumprir mandados de busca e apreensão.
Na mesma época, o site Marjosports --de propriedade de Dias-- foi proibido de funcionar por seis meses. Também foram determinados bloqueio de bens e retenção do passaporte do empresário, para que ele não deixasse o país.
Em 2019, a Justiça já havia ordenado as quebras de sigilos fiscal, bancário e de emails de Dias e de outras pessoas do seu grupo.
O MP detectou movimentação suspeita de R$ 417 milhões por parte de Dias e de outras pessoas e empresas ligadas a ele. As investigações também identificaram "desproporcionalidade entre a renda declarada à Receita Federal e os valores que os investigados receberam efetivamente em suas contas".
Somente de Dias e de ao menos seis firmas dele, os promotores detectaram 77 operações financeiras atípicas —e, por isso, comunicadas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)— em um valor total de R$ 93,7 milhões.
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Quero receberO Gaeco mapeou mais de duas dezenas de empresas e pessoas ligadas à suposta organização criminosa ligada a Dias que realizaram 314 "transações atípicas" entre janeiro de 2019 e agosto de 2021.
Por que o processo foi interrompido
A tese principal do MP é de que os recursos milionários movimentados pelo grupo ligado a Dias vieram da exploração ilegal de jogos de azar online.
Mas, no habeas corpus que interrompeu a ação, a Justiça concordou com a defesa de um dos réus que alegou que uma lei permite, desde 2018, a exploração dos sites de apostas esportivas. Com isso, como não haveria o crime de exploração de jogo ilegal na origem, não existiriam fundamentos para que o processo continuasse em tramitação em relação às suspeitas de lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
Os promotores alegam, contudo, que o empresário não obtinha lucros somente por meio de apostas esportivas, mas por outras modalidades como cassino, loteria e até apostas políticas e em reality shows.
Na decisão de 17 de agosto, os juízes da Vara Criminal de Taquaritinga do Norte entenderam que, ainda que o MP tenha detectado outros jogos de azar, "não restou delimitado na denúncia qual patrimônio e quais valores seriam oriundos de atividade lícita (aposta esportiva) e quais seriam da suposta atividade ilícita (apostas variadas/cassino)".
Agora, o Gaeco tenta reverter a decisão em segunda instância. Ainda não há prazo para que o recurso seja analisado. O processo corre em segredo de justiça.
No processo de credenciamento do site de apostas, Dias assinou um documento da Loterj com uma série de regras a serem cumpridas, entre elas, a adoção de "todos os procedimentos e práticas internos de prevenção à lavagem de dinheiro".
Mudança polêmica no edital
O Rio de Janeiro está entre os estados que se anteciparam ao governo federal no lançamento de sites oficiais de apostas, conhecidos como "bets". A primeira plataforma do país foi a de Minas Gerais (Lotominas), colocada no ar em fevereiro.
No Rio, o site Marjosports, da JBD, foi o terceiro a ser credenciado. Anteriormente, foram a Loto Carioca e a Pixbet. O Marjosports é o primeiro do estado, contudo, a operar também o ilottery, com apostas de loteria e jogos de cassino.
Para ter o selo oficial da Loterj por cinco anos, a empresa precisa pagar outorga de R$ 5 milhões em até cinco dias após a assinatura do contrato, além de uma taxa mensal em cima dos ganhos obtidos com as apostas. Os valores são revertidos para projetos sociais do governo do Rio.
Nos primeiros dias de operação, o Marjosports enfrentou instabilidades, chegando a ficar fora do ar para manutenção. A Loterj afirmou que o problema foi pontual, ocorrido no dia 13, quando houve a paralisação por algumas horas.
O primeiro edital de credenciamento de empresas para apostas online foi lançado pelo governo do Rio em 15 de abril. Em julho, ele foi retificado, com uma mudança que provocou polêmica.
A Loterj retirou uma exigência para que as firmas apresentassem um sistema de bloqueio para apostas realizadas por usuários de fora do território do estado do Rio.
Foi colocado no lugar um item que fala apenas que é preciso que as empresas garantam que o cliente tenha ciência de que "a efetivação das apostas será considerada realizada em território fluminense para todos os efeitos, inclusive fiscais e legais".
A Caixa Econômica Federal tentou impugnar o edital alegando que, com isso, "haverá mera presunção, baseada em declaração do apostador" de que a aposta está sendo feita no RJ.
A Caixa argumentou que há um decreto-lei de 1944 que proíbe a exploração de loterias estaduais para além dos limites territoriais dos próprios estados.
A Loterj manteve o texto do edital, alegando que "trata do credenciamento de Casas de Apostas que operam na venda on-line, baseado nas melhores práticas de compliance do mundo". "O documento foi elaborado respeitando a Legislação Federal e o entendimento dos Tribunais Superiores, não tendo sido criadas novas regras."
Desde julho do ano passado, a Loterj é presidida pelo advogado Hazenclever Lopes Cançado, que chegou ao cargo tendo a implementação das apostas online como uma de suas principais missões.
No meio político, Cançado é conhecido por sua ligação com o senador bolsonarista Magno Malta (PL-ES), de quem chegou a ser chefe de gabinete no início dos anos 2000.
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