Democracia saiu arranhada? Colunistas do UOL respondem, um ano após o 8/1
Em 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do STF (Supremo Tribunal Federal), em um movimento golpista contrário à eleição do presidente Lula (PT). Um ano depois, o UOL perguntou para seus colunistas: "A democracia saiu arranhada?". Veja as respostas:
Jamil Chade, de Notícias
A democracia vive uma encruzilhada no mundo e o caso brasileiro passou a ser considerado como um exemplo vivo do risco que se corre. Os acontecimentos de 8 de Janeiro deixaram o mundo perplexo e revelaram que mesmo em grandes democracias, como Brasil e EUA, a ameaça é real.
O que ocorreu em Brasília foi uma demonstração para observadores internacionais de que não existem garantias permanentes e que o processo de construção do estado de direito deve ser diário. Também foi uma sinalização clara da força da extrema-direita e de sua capacidade de passar à ação, assim como um sinal de alerta de que medidas precisam ser tomadas para blindar as democracias.
Natália Portinari, de Notícias
O 8 de Janeiro demonstrou que a vitória de Lula não foi uma solução mágica para a pacificação do país. A construção de um governo democrático é a vigilância constante sobre anseios autoritários como os que irromperam no ocaso do governo Jair Bolsonaro.
Não existe em nenhum lugar do mundo uma democracia "pronta", que possa ser "preservada". O que existe é uma disputa diária para que os conflitos ideológicos, sociais e morais que vivemos sejam resolvidos através das instituições, e para que elas se fortaleçam.
Reinaldo Azevedo, de Notícias
Do ponto de vista institucional, das prerrogativas dos Poderes e do funcionamento do sistema de Justiça — que soma o Judiciário e o Ministério Público —, a resposta é "não"; ao contrário, assiste-se a um fortalecimento das instâncias formais do Estado de direito na defesa de suas prerrogativas.
Ocorre que é preciso prestar atenção também à cultura democrática. E esta, sem dúvida, tem sido degradada por teorias e práticas alucinadas, que nos colocam diante do conhecido 'paradoxo da tolerância'. Indaga-se: 'Ações e proselitismo que solapem o regime de liberdades podem ser tolerados?' Assistimos a um flerte perigoso com a normalização de práticas disruptivas da ordem democrática.
A leniência com milícias de extrema direita (as de extrema esquerda são irrelevantes), potencializada pelas redes sociais, envenena a política e contamina até a chamada 'grande imprensa'. Há quem sustente, por exemplo, que o bolsonarismo peca por falta de modos, não por seu ódio ao pacto civilizatório, como se pudesse haver uma versão benigna de uma corrente inequivocamente fascistoide — e não tomo como sinônimos 'bolsonarismo' e 'eleitores de Bolsonaro'. A democracia, na sua estrutura, segue inabalada, mas é preciso combater com mais dureza os golpistas que continuam a vandalizá-lá.
Carla Araújo, de Notícias
O 8 de janeiro é uma das mais graves cicatrizes da nossa recente democracia. Atos criminosos que, entre outros fatores, resultaram do desrespeito às instituições e da desinformação em série e que não podem ser legitimados e muito menos minimizados. É uma mancha que precisa ser sempre revisitada para que essa tentativa de golpe jamais se repita. E, se as instituições saíram fortalecidas, ainda é preciso esclarecer autores intelectuais, os financiadores e se há mais instigadores.
Todos devem ser responsabilizados para que o país consiga seguir na construção de sua história, buscando uma sociedade mais democrática. Quando a democracia vence é a vontade popular quem vence. O país ainda vive um ambiente polarizado e cabe a todos continuar vigilantes para a preservação do nosso maior bem. Como dizem os mestres da Tropicália: 'é preciso estar atento e forte'. Sempre.
Jeferson Tenório, de Notícias
8 de janeiro foi a culminância de um ensaio antidemocrático e golpista. Presenciamos o ponto mais agudo de um processo estimulado durante 4 anos pelo Governo Bolsonaro. Nossa democracia, ainda que precária e instável, saiu um pouco mais fortalecida desse episódio. O STF teve um papel fundamental neste sentido. O dia 8 de janeiro deve servir para pensarmos que a democracia nunca está estabilizada, a democracia é uma conquista contínua e que nos coloca sempre num lugar de vigília permanente.
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Quero receberFernanda Magnotta, de Notícias
O que aconteceu no Brasil em 08 de janeiro de 2023, ou nos Estados Unidos dois anos antes, precisa ser visto mais como sintoma do que causa do que aflige a democracia no século XXI. Tem a ver com a nova onda de nacionalismo e populismo, impulsionada pelas assimetrias da globalização, pelo aumento da desigualdade no mundo, e pela percepção de deterioração da qualidade de vida em vários grupos sociais. Isso tudo, em meio a mudanças demográficas relevantes, que alimentam a tentativa de forjar uma guerra cultural entre as pessoas e que se apropria da contraposição entre o "eu" e o "outro" e a busca por um permanente "inimigo a ser combatido".
Analisar o 8 de janeiro, no Brasil, é relevante, pois ele escancarou a fragmentação de nossa sociedade, o enfraquecimento das estruturas tradicionais de representação política, e o oportunismo de figuras manipuladoras que se apresentam como "salvadoras dos interesses do homem comum" insatisfeito. Analisar a resposta a 8 de janeiro é ainda mais importante: mostra que é possível conter ondas autoritárias, seja pela resiliência e autonomia das instituições constituídas, seja pela força de articulações internacionais em rede. O desafio que permanece, um ano depois, no entanto, ainda parece o mesmo: as democracias precisam convencer as pessoas de que podem entregar resultados para seus problemas reais e mais imediatos.
Leonardo Sakamoto, de Notícias
Enquanto mentores e incitadores do 8 de janeiro não tiverem sido julgados, condenados e presos e enquanto os militares, da ativa e da reserva, que participaram do planejamento da insurreição não tiverem sido responsabilizados, a democracia seguirá arranhada.
Dizer que ela está mais forte do que nunca é um bom slogan para tentar mostrar força e unidade entre as instituições e afastar novas tentativas, mas os monstros não se importam com slogans. Pelo contrário, seguem orgulhosos do que fizeram, peitando a Justiça, indo às ruas a fim de defender golpistas presos, fomentando a discórdia entre as fileiras policiais, ameaçando quem defenda o Estado democrático de direito.
Enquanto só peixes pequenos forem enviados para a cadeia e Jair Bolsonaro e seus sócios nessa empreitada continuarem livres, sim, o sinal dado à sociedade é de que um outro golpe é possível.
Aguirre Talento, de Notícias
A democracia brasileira foi gravemente atacada no fatídico 8 de janeiro, mas a reação das instituições contra a tentativa golpista mostrou que a nossa democracia é sólida e preparada para reagir a situações extremas.
Estive pessoalmente na Praça dos Três Poderes naquele dia trágico e pude ver, sim, que a intenção dos invasores era provocar uma ruptura e um golpe de Estado. Isso era verbalizado abertamente por eles durante a destruição das sedes dos Três Poderes.
Um ano após esses fatos, com o andamento dos processos judiciais e das investigações contra os golpistas, o ânimo em defesa de ideias golpistas arrefeceu e os ideais democráticos se fortaleceram em nossa sociedade. Aquele dia ficará marcado nos livros de História, com uma lição para as próximas gerações: que um 8 de janeiro nunca mais se repita.
Felipe Salto, de Economia
A democracia saiu fortalecida, porque os poderes constituídos reagiram para preservar o Estado de Direito. Que a punição aos partícipes daquele episódio lamentável sirva de exemplo, espécie de vacina contra novos arroubos dessa natureza.
Juca Kfouri, de Esporte
A democracia saiu tão arranhada que lembrou a todos os democratas a necessidade de cuidar dela 24 horas por dia. E exige punição exemplar a todos que a ameaçaram.
Milly Lacombe, de Esporte
Vocês me perguntam se a democracia saiu arranhada depois de 8 de janeiro de 2023 e eu respondo que a democracia entrou arranhada. Não existe democracia parcial: democracia ou é ou não é. Então vejamos: podemos chamar de democrático o sistema que oferece direitos sociais e civis a quem mora em Higienópolis mas não a quem mora em Paraisópolis? A quem mora no Leblon mas não a quem mora no Vidigal? Não me parece que seja possível, ou legítimo, chamar isso que vivemos de democracia.
Estamos numa plutocracia: uma sociedade controlada, organizada e governada por um grupo pequeno de pessoas que detém imensa riqueza e, com ela, poder. E essa falta de democracia não brotou ao acaso: ela floresce quando deixamos de investigar, punir e elaborar ditaduras como a de 64. Quando fazemos acordos para não punir generais e demais militares que participaram dos horrores desse período. Quando achamos normal que um capitão de traços visivelmente fascistas, e que celebra como herói um torturador que colocava crianças para verem suas mães serem estupradas, se lance como candidato à presidente.
Sem que voltemos a 64, organizemos uma comissão da verdade sem nenhum tipo de pudor ou proteção, punamos os responsáveis que ainda estão vivos, façamos uma lista de nomes que jamais devem ser celebrados sob pena de detenção, coloquemos no chão estátuas e placas com nomes de ruas que façam homenagem a generais, ditadores e amantes de ditadores, não poderemos dizer honestamente que vivemos em uma democracia. E, em regimes frágeis como o nosso, cenas pavorosas como essas que vimos em 8 de janeiro do ano passado podem se repetir.
Walter Casagrande Jr, de Esporte
Eu nunca tinha visto a democracia tão ameaçada como em 8 de janeiro mas sabia que se ela sobrevivesse sairia muito maior e mais forte do que estava antes. A democracia venceu a sua maior batalha mas saiu bastante arranhada só que em apenas um ano tudo cicatrizou e serviu para nunca mais baixarmos a nossa guarda em sua defesa.
Cristina Fibe, de Universa
A democracia vinha sendo arranhada desde 2019, ameaçada pelos extremistas apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. O 8 de janeiro foi um último ato desesperado na tentativa de se manterem no poder para destruí-la de vez. Felizmente, a reação que se viu foi uma ampla aliança em prol do Estado Democrático, o que só o fortaleceu. Agora é preencher as ranhuras, refazer a pintura e manter o alerta para conter novas investidas.
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