TCU atropelou área técnica em processo sobre acordo da Braskem em Maceió

O ministro Aroldo Cedraz, do TCU (Tribunal de Contas da União), passou por cima de uma recomendação da área técnica em um processo sobre o acordo feito pela Braskem e autoridades de Maceió, aberto a pedido do senador Renan Calheiros (MDB-AL).

O senador pediu que o TCU apurasse os danos causados pela exploração de sal-gema em Maceió. Um afundamento do solo em quatro bairros da capital alagoana, em 2018, desalojou milhares de famílias.

A região de afundamento abrigava a exploração de sal-gema desde os anos 1970. A Braskem, que explorava as minas, não reconhece a responsabilidade pelos danos, mas aceitou pagar compensações aos afetados. Negociada em bolsa, a petroquímica tem como sócios a Novonor (antiga Odebrecht) e a Petrobras.

Na representação, Renan sustenta que os acordos celebrados entre o Ministério Público Federal e a empresa são insuficientes para reparar o dano ambiental.

Em dezembro de 2020, o MPF de Alagoas fez acordos com a Braskem para extinguir ações contra a empresa, prevendo uma série de obrigações cujo valor final foi deixado em aberto, já que ainda não era possível mensurar o dano total.

Segundo o MPF, o valor devido pela Braskem pode ultrapassar os R$ 20 bilhões estimados inicialmente, e repactuações estão previstas. A empresa estimou em R$ 14,4 bilhões - dos quais R$ 1,7 bilhão referem-se à compensação paga à Prefeitura de Maceió.

"Todos os acordos celebrados com a participação do MPF possuem cláusulas que consideram a dinamicidade do evento e a possibilidade de agravamento da situação ou de mudança de cenários, sendo prevista a possibilidade de repactuações e ampliação de objeto", diz o MPF, em nota.

Na manifestação de 25 de março, a unidade de auditoria especializada em petróleo, gás natural e mineração do TCU afirmou que não cabe à Corte de Contas refazer os cálculos projetados pelo MPF, pois isso seria interferir em uma decisão judicial.

Para os auditores, a apuração da extensão dos impactos e dos prejuízos causados pela exploração de sal-gema em Maceió depende da estabilização das minas e da finalização do processo de fechamento de mina, o que ainda não ocorreu.

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O parecer aponta, também, que a representação de Renan, que deu origem ao processo, não inclui nenhuma prova de que os danos sejam maiores do que os estimados, e destacou que os valores foram deixados em aberto propositalmente.

"Entende-se não haver providências adicionais a serem adotadas por esta Corte de Contas no momento", conclui a área de auditoria, recomendando o arquivamento.

Em seu despacho, de 4 de abril, o ministro Aroldo Cedraz ignorou a recomendação e disse que o assunto não cabe à AudPetróleo, unidade que deu o parecer pelo arquivamento do processo, e sim à AudAgroAmbiental.

Cedraz fala em "omissão" dos órgãos responsáveis em calcular o dano e determina que o assunto seja encaminhado à "unidade técnica com expertise adequada ao assunto tratado neste processo", ou seja, a auditoria ambiental.

Ele então instrui a auditoria ambiental a elaborar estudos para apurar o dano provocado pelo desastre e dá continuidade ao processo.

BRIGA JUDICIAL E POLÍTICA

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A representação ao TCU é apenas uma das frentes que Renan moveu contra os acordos. Além de ter recolhido assinaturas para instalar uma CPI no Senado, o caso chegou à esfera judicial.

O governador Paulo Dantas (MDB), aliado de Renan, ingressou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF alegando que os acordos se referem a mais de um município, mas não envolveram o governo do estado nas negociações. O governo também vê irregularidades na questão de as propriedades dos imóveis desocupados ficarem com a companhia.

A Braskem e a prefeitura já apresentaram defesa, alegando, em síntese, que o STF não seria o foro de questionamento dos acordos. E, no mérito, a Braskem afirma que as obrigações previstas nos acordos homologados pela Justiça Federal de Alagoas são legais e constitucionais.

A relatora no STF é a ministra Cármen Lúcia. Não há previsão sobre quando o caso terá desfecho na corte.

O pano de fundo das batalhas no TCU e no STF é a política local e a disputa entre Renan e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), pela hegemonia no estado.

Ao fechar um acordo bilionário com a prefeitura - administrada pelo prefeito João Henrique Caldas, o JHC (PL), aliado de Lira - e não com o governo de estado - comandado por aliado de Renan -, a Braskem atraiu os questionamentos do senador.

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O dinheiro pode se tornar vitrine da próxima campanha ao governo e fazer a direção do vento político favorável a Lira. A Braskem já repassou R$ 700 milhões ao aliado do deputado - dinheiro usado para comprar um hospital privado, obras de infraestrutura e ampliação das vagas em creches da Prefeitura. O restante, R$ 1 bilhão, deve chegar ao caixa da Prefeitura até 2025.

Em dezembro, Lula tentou arbitrar um acordo entre Renan e Lira, reunindo-se com os dois antagonistas no Palácio do Planalto. Deu em nada.

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