Polêmica entre Musk e Moraes se dá em semana estratégica para bolsonarismo
A polêmica entre Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, acontece em uma semana em que vários eventos já programados aumentaram a visibilidade de políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — o que contribuiu para repercussão do caso.
Nesta terça (9), Eduardo Girão (Novo-CE) usou a tribuna do Senado para, em inglês, agradecer a Musk pelo "apoio à liberdade de expressão" e dizer que suas posições eram "um reforço para o retorno da democracia". Transmitidas pela TV Senado, as imagens da fala foram compartilhadas pelo senador no X.
Linha do tempo
Na quarta-feira (3), Michael Shellenberger divulgou que funcionários do X relatam sofrer pressão de autoridades brasileiras para acessar dados sigilosos. As informações estariam em uma suposta troca de mensagens desses trabalhadores e não foram confirmadas.
Ativista americano, Shellenberger foi premiado por conservadores por seu trabalho ligado a Twitter, em novembro do ano passado, que se baseia em dados nunca oficialmente confirmados para dizer que a plataforma colaborava com governos que perseguiam usuários conservadores antes de ser assumida por Musk.
Shellenberger disse que atuação de Moraes era "muito mais que ditadura" em mesa na 37ª edição do Fórum da Liberdade na sexta (5), em Porto Alegre. A frase foi dita em conversa com o deputado federal Marcelo Van Hattem (Novo-RS), que defendeu esforços para "o impeachment de um ministro do STF" e compartilhou no ex-Twitter vídeo do debate com Shellenberger (veja abaixo). Em outras edições, o evento já homenageou nomes da direita brasileira.
Às 2h03 de sábado (6), Musk publica o primeiro tuíte sobre o tema. "Por que vocês estão pedindo tanta censura no Brasil?", escreveu o empresário sul-africano em resposta a mensagem publicada por Moraes na rede social por ocasião da nomeação de Ricardo Lewandowski para ministro da Justiça, em 11 de janeiro.
Tuíte de Musk funcionou como senha para onda de críticas a Moraes. Após a publicação, brasileiros — como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) — e estrangeiros — como Santiago Abascal, presidente do partido espanhol de extrema direita Vox — se posicionaram na rede. Só Musk fez mais de 10 posts sobre o tema.
No domingo (7), Bolsonaro chamou Musk de "mito da liberdade" durante live ao lado dos filhos Carlos e Eduardo. O ex-presidente afirmou que agora há "apoio de fora do Brasil muito forte", em referência ao bilionário, e falou que "grande parte da liberdade" nas redes sociais no país "está nas mãos" de Musk.
Na noite de segunda-feira (8), o senador Flavio Bolsonaro (PL) disse que "Elon Musk não cometeu crime nenhum". A fala ocorreu durante participação no programa Roda Viva.
Na terça (9), bolsonaristas seguiram para encontro conservador na Europa. O evento em Bruxelas, na Bélgica, reuniu os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) e Bia Kicis — além de outras personalidades ligadas ao ex-presidente — com alguns dos políticos europeus de direita que haviam criticado Moraes.
Bolsonarismo retoma controle da narrativa
Estudo aponta que STF se tornou grande inimigo dos bolsonaristas. Segundo tese de doutorado do cientista político Fabrício Amorim, da PUC-SP, apoiadores do ex-presidente veem como arbitrariedades as decisões da corte que permitiram a Lula (PT) disputar eleições de 2022. Para eles, o Brasil vive "ditadura de toga".
Musk, que tem histórico de provocação do poder judiciário e de interferência em conflitos políticos em outros países, escolheu Moraes a dedo para gerar instabilidade em torno da ideia de liberdade. Com isso, ele traz as decisões do STF para a esfera da política, reforçando a narrativa de autoritarismo
Fabrício Amorim, cientista político
"É a 1ª vez que a extrema direita retoma o controle da narrativa na internet desde o começo do governo Lula", diz Pedro Barciela, especialista em monitoramento de redes sociais. Para o pesquisador, a polêmica entre Musk e Moraes devolveu ao bolsonarismo uma posição da qual o movimento estava "órfão".
O bolsonarismo estava órfão de quem comprasse a narrativa de 'ditadura do STF' nos últimos meses, justamente porque o Bolsonaro e seus apoiadores recuaram em relação a esse discurso, por conta das sentenças do 8/1 e outras decisões recentes do tribunal. Com o posicionamento de Musk, esse espaço foi reocupado
Pedro Barciela, especialista em monitoramento de redes sociais
Apesar de movimento, Bolsonaro não foi diretamente beneficiado. Barciela diz que o debate ficou polarizado entre Musk e Moraes e mesmo Lula tinha sido pouco citado até Musk marcá-lo em um de seus tuítes, no sábado à noite. Isso fez com que os tuítes com menções ao presidente saltassem de 1% para 20% do total.
Especialista não descarta manipulação de dados no X para que discussão ganhasse mais evidência. A suspeita se baseia em episódio anterior. Em 2023, o jornal The Guardian publicou que, durante o Super Bowl, Musk exigiu mais destaque a um tuíte seu que gerou menos engajamento do que um post de Joe Biden.
No Instagram, polêmica gerou volume de publicações 3,5 vezes menor do que no ex-Twitter. O dado é usado por Barciela como indício da possível manipulação. Segundo ele, porém, restrições na oferta de dados da plataforma para análise impostas justamente por Musk impedem que se possa cravar a hipótese.
Para pesquisador, estrangeiros que criticaram Moraes aproveitaram tema em evidência no X para se promover. Um exemplo é André Ventura, deputado em Portugal e presidente do partido de extrema direita Chega, que, coincidentemente, alcançou seu pico de visibilidade na plataforma com críticas a Lula em 2023.
Possibilidade de que Musk tenha se manifestado por interesse econômico está em discussão. Barciela e Amorim lembram que o empresário sul-africano já tuitou sobre a situação política da Bolívia no passado, país que — assim como o Brasil — tem grandes reservas de lítio, substância central nos negócios de Musk.
Lítio é usado para fabricar baterias de carros elétricos. Uma das principais montadoras do mundo no setor é a Tesla, que pertence a Musk. Embora o fator econômico seja apontado por pesquisadores como motivo do interesse de Musk no país, especialistas como Guilherme Casarões, da FGV, descartam a relação.
Mudança em lei já havia colocado Musk e Moraes em lados opostos. Presidido por Moraes, o Tribunal Superior Eleitoral divulgou em fevereiro a Resolução 23.732, que torna "provedores de aplicação" responsáveis pelo conteúdo publicado nas plataformas. Desde então, a big tech responde pelos tuítes dos usuários.