Risco de derrota faz governo boicotar PEC das drogas sem propor alternativa

O governo Lula (PT) conseguiu atrasar a aprovação da PEC das drogas no Congresso, mas ainda não apresentou nem o esboço de uma nova política sobre o tema, como prometido em campanha.

O que aconteceu?

A votação da PEC foi adiada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara na última terça (5) por iniciativa governista. A Proposta de Emenda à Constituição aprovada pelo Senado em abril criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade.

O governo é contra a proposta, com base em avaliação do Ministério da Justiça, mas tem evitado comprar briga. Como o UOL mostrou, o Planalto ainda não conseguiu criar uma estratégia para reverter votações nas chamadas pautas de costumes, frente a um Congresso conservador.

A gestão tampouco apresentou sua própria proposta para lidar com o tema. Procurado, o Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos não respondeu ao UOL.

Promessa ainda não cumprida

Mudar o modo de enfrentar a questão das drogas foi uma promessa de campanha de Lula. Candidato em 2022, o presidente fez diversas referências à desigualdade do encarceramento por tráfico de drogas, que acaba prejudicando mais os jovens negros e pobres.

Uma "nova política sobre drogas" era um dos 121 compromissos registrados pela chapa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A campanha propunha uma nova estratégia "intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário".

Como nos discursos, o programa também criticava a abordagem vigente. "O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência."

Nenhuma proposta legislativa de política uniforme foi apresentada. As ações, por enquanto, são pontuais. Após a publicação da reportagem, o Ministério da Justiça argumentou que o Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos) tem passado por uma reestruturação que, segundo a pasta, impacta na abordagem prática do enfrentamento ao problema.

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A Senad, segundo o MJ, tem investido em prevenção, reinserção social e debatido a reestruturação da Lei de Drogas. Em parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tem incentivado programas que apontam para uma abordagem mais social e menos punitivista aos usuários. A secretaria também interrompeu a política de comunidades terapêuticas, base do enfrentamento na gestão Jair Bolsonaro (PL).

Membros do governo explicam que as mudanças têm sido implementadas por diferentes ações. Até então, não houve nenhum lançamento de uma política uniforme neste um ano e meio de gestão. Em vez de um projeto único, a política antidrogas tem se formado "pelas beiradas". O UOL procurou ainda o MDH, mas não teve resposta.

Dificuldade com Congresso conservador

Um dos problemas seria conseguir aprovar uma nova política. O governo precisa do aval do Congresso, onde tem perdido sucessivas brigas nas pautas de costume. A aprovação é necessária qualquer que seja o formato escolhido para propor mudança na legislação, seja por medida provisória, PEC ou projeto de lei. O que varia é só o número mínimo de votos em cada caso.

O Legislativo, na verdade, vai no caminho contrário ao defendido por Lula na campanha. Como resposta a iniciativas do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, as Casas têm endurecido as políticas sobre drogas, o que, na prática, resulta em aumento do encarceramento.

Membros do governo têm tentado empurrar o assunto para frente, por não ver chances de vitória. O próprio ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela interlocução entre os Poderes, já admitiu publicamente que "não é um bom momento para fazer o debate".

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Em abril, o PT votou contra o endurecimento da legislação no Senado, apesar de o governo ter liberado sua bancada. Jaques Wagner (PT-BA), líder governista na Casa, disse que a proposta era uma "questão de consciência e não teria como centralizar os partidos ou individualmente cada parlamentar".

Na Câmara, os governistas conseguiram adiar a votação até agora. Com os pedidos de vistas (mais tempo de análise), ela ficou para a próxima terça (11). Mas, sem maioria, o governo já prevê que o tema deve ir a plenário. Aí, a análise depende da boa vontade e da articulação do presidente Arthur Lira (PP-AL).

Lula tampouco deve se meter. O núcleo governista deve se manter contra o projeto, como ocorreu no Senado. Mas, segundo pessoas próximas ao presidente, ele não deve "queimar cartucho" de articulação com o assunto.

Com o STF, mais uma vez

A expectativa governista é que o tema acabe na Suprema Corte. Como fez com os projetos do marco temporal e da "saidinha" de presos, o governo orienta seu voto com base legal e espera que, se for derrotado no Congresso, o assunto seja julgado na instância jurídica.

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Posição do Ministério da Justiça é que PEC é inconstitucional. Em sua orientação contrária à aprovação da PEC, o Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) apontou que ela é incompatível com princípios constitucionais, tem consequências negativas para a saúde pública, impacto social e econômico adverso e viola direitos humanos.

A política criminal não deve ser feita no texto constitucional, mas sim através de leis federais. Em síntese, a criação de mandados de criminalização pelo constituinte derivado viola o princípio da separação de Poderes.
Relatório do Conad contra a PEC das drogas, usada pelo MJ

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