Análise: Vamos parar com essa conversa de que aborto é questão de costumes

Classificar o aborto e o estupro como "pautas de costumes" compromete o futuro e a sobrevivência de meninas e mulheres no Brasil, afirmou a antropóloga Debora Diniz em entrevista ao UOL News nesta quarta.

Lula reforçou ser pessoalmente contra o aborto, mas criticou duramente o projeto de lei que equipara o procedimento a homicídio.

O que faz o Lula? Mesmo sendo um presidente progressista, insiste em ir aos jornais e qualificar a questão do aborto e do estupro de meninas como uma 'questão de costumes'. Aborto não é uma questão de costumes, mas da pobreza, da desigualdade. É sobre política econômica, manter meninas na escola e o futuro das meninas negras no país.

Então vamos parar com essa conversa de que aborto é questão de costumes. Essa é uma forma de os homens —não todos—, mesmo progressistas, falarem sobre a questão das mulheres, da sobrevivência e do futuro das meninas e daquelas mais pobres. Debora Diniz, antropóloga

Para a antropóloga, a extrema direita tentou usar o debate sobre o aborto com viés político, mas se deparou com a forte reação contrária da opinião pública.

Houve uma mudança de chave na sociedade brasileira. Nos últimos 20 anos, o aborto se constitui como um nicho de operação extremista para movimentar com intensidade uma política que não se configura como de discussão de propostas, ideias e questões fundamentais. Dessa vez, eles deram errado nessa prática.

Acharam que trariam uma questão que ativaria o debate público para as eleições. Esse era o objetivo. Era um teste de lealdade de Lula à bancada evangélica, com suas promessas sobre aborto. É esse o caldo que estava por trás e a aposta do Congresso. O que aconteceu? A sociedade civil acordou de tal maneira que disse 'vocês ultrapassaram os limites do razoável'.

Quando as manchetes são lançadas, em uma forma de explicar que a legislação brasileira é comparável à do Afeganistão, é dizer que estamos retrocedendo a países nos quais as meninas não vão à escola, as mulheres não votam e não dirigem. Debora Diniz, antropóloga

Tales: Lira quer enrolar PL do aborto para não haver resistência de agora

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Arthur Lira fez um recuo estratégico ao adiar o projeto de lei antiaborto para o segundo semestre por entender que não haverá a resistência de agora, afirmou o colunista Tales Faria.

Lira está dando um recuo temporário. A estratégia dele é a de reapresentar e desenterrar essas propostas que são contra a sociedade e sem dar tempo de ela reagir. Como agora, ao desenterrar a questão da anistia para quem não cumpriu as determinações da Justiça Eleitoral com relação às cotas para mulheres e negros.

Ele sempre faz isso e, nesse caso do 'PL do estupro', quer fazer a mesma coisa. Abafou a história, vai esperar esfriar e voltar lá na frente. Tales Faria, colunista do UOL

Soraya Thronicke: encenação de aborto no Senado foi 'tiro no pé'

Em entrevista ao UOL News, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) classificou como um "tiro no pé" a encenação de um aborto por assistolia fetal realizada durante um debate no plenário do Senado na última segunda-feira (17).

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Thronicke fez duas críticas à performance, realizada em sessão com a presença de movimentos, deputados e senadores antiaborto, na esteira da tramitação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que equipara o aborto em gestações de até 22 semanas com o crime de homicídio simples.

A senadora já havia se manifestado sobre a performance, desafiando a mesma atriz a encenar o momento em que a filha de um parlamentar é vítima de um estupro.

De repente eu estaria fazendo [um evento] nesses mesmos moldes ou seria uma continuação dessa audiência para dar espaço para o debate. Falar a verdade, eu não vou tomar essa atitude, eu acho que só o fato de trazer à baila já colocou alguns ali para pensar, porque eu fiz questão de falar: 'Eu quero ver a encenação de uma filha sua, não a encenação de qualquer mulher. Enxergue a sua filha ali, numa provocação nesse nível.' E é chocante demais. E postergar a deliberação sobre isso não tira das costas deles. Eu acho que eles não trarão de novo, porque foi um tiro no pé.

Nós entendemos é que ali não foi uma audiência pública porque não chamaram as outras partes, na verdade, o que se sabe é que nem Nísia [ministra da Saúde] foi convidada. Então foi a utilização para uma encenação, a utilização do plenário só do interesse de uma ala então nós pedimos que não fosse feito isso nesses moldes.

O PL teve urgência aprovada na semana passada, mas ontem o presidente da Casa, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a proposta só será retomada no segundo semestre. A senadora disse que os parlamentares que defenderam o PL ficarão marcados.

Mesmo que a gente consiga o arquivamento, essas pessoas já ficaram pra história. E aí quero ser injusta, estão falando da bancada evangélica, muitos evangélicos não são favoráveis. Tanto que eles recuaram ou diminuíram o passo porque pessoas de vários espectros ideológicos se manifestaram. Foi tão feia coisa que que eles ficaram com medo.

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Essas pessoas estão marcadas e elas precisam ser vistas com olhos de muita cautela, porque a gente não pode esquecer. Nós não vencemos uma guerra. Nós mais ou menos vencemos uma batalha, mas ali está estampado. Elas estão carimbadas porque elas podem fazer tudo. E por que não fizeram nos últimos quatro anos? Quando eles tinham com certeza, em tese, né? Da sanção. A vida não era importante nos últimos quatro anos? É estranho demais, né? Soraya Thronicke, senadora (Podemos-MS)

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Quando: De segunda a sexta, às 10h e 17h.

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