Jamil Chade

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PL antiaborto 'alarma o mundo', afirmam mulheres diplomatas brasileiras


O Projeto de Lei 1904, que equipara a pena a uma mulher que faça o aborto, depois de ser estuprada, ao estuprador, é alvo de protestos por parte das mulheres diplomatas brasileiras. Num comunicado emitido nesta quarta-feira, a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras repudiou o projeto e afirmou que se trata de uma representação "de um extremo retrocesso aos direitos das mulheres alcançados a duras penas ao longo das últimas décadas".

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, a urgência do projeto de lei 1904/24. O PL equipara a punição de abortos realizados após as 22 semanas de gestação em casos de estupro a pena por homicídio. Gestantes e médicos seriam punidos, com penas eventualmente superiores ao estuprador.

Com isso, a proposta pode ser analisada no plenário a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas. O autor da proposta, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem como objetivo alterar o Código Penal, que afirma desde 1940 que o aborto não é punido em casos de estupro e risco à vida da mãe. Para médicos e especialistas, a lei teria um impacto forte sobre as meninas das camadas mais vulneráveis da sociedade.

"No país, a cada 8 minutos, uma menina ou mulher é estuprada, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A violência ocorre predominante contra menores de 14 anos e tende a ocorrer dentro de ambientes íntimos da vítima, como a casa, a escola e o trabalho, frequentemente praticada por um agressor conhecido", afirmam.

Segundo a associação, conforme dados do Centro para Direitos Reprodutivos, 136 países permitem a realização do aborto mediante solicitação da gestante, quando a gravidez representa um risco à saúde ou em outros casos específicos.

As diplomatas também apontam que, desde março de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a descriminalização total do aborto, em respeito dos direitos humanos e em defesa do direito à saúde e à vida.

"Em 23 de maio deste ano, o Comitê da ONU para a Convenção da Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), em sua 88ª sessão, reforçou essa recomendação ao Brasil, para reduzir a mortalidade materna global e garantir o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutivos", disse.

"O Projeto de Lei no 1.904, de 2024, agravado pela urgência da sua tramitação, alarma o mundo acerca dos intentos legislativos brasileiros de confrontar a CEDAW, da qual o país é signatário, e de caminhar na contramão do progresso mundial em garantir a autonomia das mulheres sobre seus corpos", alertam.

Estima-se que, por ano, ocorra 1 milhão de abortos clandestinos no Brasil, resultando em óbitos e sequelas para as gestantes. "Criminalizar o aborto não reduzirá o número de procedimentos realizados: ao revés, porá em risco todas as outras mulheres que hoje podem se socorrer da lei para terminar gestação em caso de anencefalia do feto, que represente risco à vida da gestante ou que resulte de violência sexual", apontam.

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Para elas, "a criminalização do aborto é medida preconceituosa, misógina e ineficiente".

"O Projeto de Lei no 1.904, de 2024, reflete o intento de se subjugar meninas e mulheres do país, privando-as de decidir sobre seus corpos e destinos, arriscando-lhes a vida ou punindo-as de forma bastante mais rigorosa do que a seus agressores", afirmam as diplomatas.

"Diante do acinte do Projeto em questão, que despreza os direitos da mulher a ponto de a penalizar por crime do qual é vítima, da involução ao progresso alcançado pelo país nessa temática até a presente data, em absoluta consonância com cerca de 90% dos países do mundo, a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras (AMDB) manifesta seu total repúdio ao Projeto de Lei no 1.904, de 2024, e espera que a matéria seja integralmente rejeitada", completam.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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