Lula ao UOL: projeto antiaborto é uma 'carnificina contra as mulheres'

O presidente Lula (PT) afirmou nesta quarta-feira (26), em entrevista ao UOL, que o projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio é uma "carnificina" contra as mulheres.

O que aconteceu

Presidente disse que, pessoalmente, é contrário ao aborto, mas, como chefe de Estado, entende o tema como uma "questão de saúde pública". "O Estado tem que cuidar isso", afirmou Lula. "Eu, Lula, pai, sou contra o aborto, mas como chefe de Estado, tenho que tratá-lo como uma questão de saúde pública", disse.

Lula disse ainda que mulheres com menor poder aquisitivo enfrentam riscos na hora de fazer o aborto. "Uma madame que tem que fazer um aborto vai na clínica mais cara do mundo e ninguém nem sabe. A pobre que tem que furar o útero com uma agulha de tricô. Conheço caso de mulher que pegava fuligem de fogão a lenha para tentar colocar na vagina e ver se abortava. É insano."

Projeto antiaborto criminalizava a vítima, disse Lula. O presidente criticou o projeto de lei de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). "[O PL fazia com] que ela [vítima] pegasse tempo de cadeia maior do que o estuprador."

Lula também comentou as manifestações da sociedade civil contrárias ao projeto. "Graças a Deus, a sociedade se manifestou", disse ele.

Presidente classificou o projeto como um "erro". "Essa discussão imbecil feita por um deputado permitiu que a sociedade se manifestasse. Acho que os deputados que fizeram a bobagem sabem o erro que cometeram", afirmou.

Lula disse ainda que foi questionado sobre o tema em todas as eleições anteriores que participou. "Já disputei muitas eleições, e esses temas eram debatidos em todas. Eu perdi em 1989, 1994, 1998, ganhei em 2006, 2010, 2002. Os debates são feitos fora de hora e [são] desnecessários. Você já tem uma regulamentação sobre o aborto, tem uma lei que garante. Eu dizia em 1982: o aborto tem que ser tratado como uma questão de saúde pública."

Ainda bem que as mulheres estão indo para as ruas. Mulher não é mais objeto de mesa e cama em lugar nenhum do mundo, muito menos no Brasil. Mulher quer ser agente política. Mulher não quer apenas tomar conta da casa, do filho, ela quer trabalhar fora e ser cidadã plena.
Presidente Lula, ao UOL

Todas as vezes que alguém tentar fazer alguma coisa que não diz respeito aos interesses da sociedade, as pessoas têm que se manifestar. Se você imaginar que a conquista do voto pela mulher no mundo foi uma guerra... quantas mulheres foram presas por defender o direito de uma mulher votar.
Presidente Lula, ao UOL

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O projeto apresentado não era um projeto, era carnificina contra as mulheres, porque estava criminalizando a vítima, fazendo com que ela pegasse tempo de cadeia maior do que o estuprador.
Presidente Lula, ao UOL

A gente tem que se manifestar. Quando as pessoas vão para as ruas se manifestar, eu acho maravilhoso porque eu nasci nisso, na porta de fábrica, fazendo passeata, fazendo campanha das Diretas, nasci pedindo o impeachment do Collor e lutando contra o impeachment da Dilma.
Presidente Lula, ao UOL

Manifestações nas ruas

Manifestantes se reuniram na avenida Paulista no domingo (23) para protestar contra o projeto de lei antiaborto. Foi o segundo fim de semana consecutivo em que a região recebeu protestos contra a proposta e a terceira manifestação na cidade. Dezenas de mulheres também foram às ruas em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.

Os participantes queimaram boneco de papelão do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PL-AL), e pediram o arquivamento do projeto. As mulheres seguravam cartazes com frases como "criança não é mãe" e "arquiva PL 1904".

Relembre o PL antiaborto

A urgência da proposta foi aprovada de maneira relâmpago e simbólica. Na prática, a aprovação de urgência permite que uma proposta vá direto para votação em plenário sem precisar passar por comissões.

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A aprovação, porém, foi confusa e gerou dúvidas. Arthur Lira anunciou somente a votação da urgência do projeto que anula as delações de réus presos e não comunicou que a urgência do aborto também estava na pauta. Após a aprovação, os deputados reclamaram da ação de Lira.

O autor, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), é próximo ao pastor Silas Malafaia. A articulação teve apoio da bancada evangélica. Após a repercussão negativa, porém, Lira tirou o projeto de tramitação e falou que o debate sobre o aborto será retomado apenas no segundo semestre.

A proposta mudaria quatro artigos do Código Penal. Atos que hoje não são crime ou que têm pena de até quatro anos passariam a receber tratamento de homicídio simples — punição de seis a 20 anos de cadeia.

Até mesmo os médicos poderiam ser presos. Hoje, eles são considerados isentos de responder por qualquer tipo de crime. Pela proposta, poderão ser punidos em caso de interromper a gravidez de feto que não seja anencéfalo.

A tramitação do projeto é uma resposta ao STF, afirmou o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO). Ele reclamou de o ministro Alexandre de Moraes derrubar uma norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proíbe um método de interrupção de gravidez. A decisão de Moraes foi específica sobre gestações de mais de 22 semanas derivadas de estupro.

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