Reinaldo Azevedo

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Opinião

Dólar dispara pós-fala de Campos Neto. Ou apito de cachorro e canto de galo

Opa! Mais uma entrevista daquele que fala mais do que o homem da cobra: o autonomista, independentista, olímpico, imperial, incensado e fortão das Galáxias Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O dia começou com o dólar a R$ 5,49. Fechou em R$ 5,588. Mas é claro que não se vai atribuir a indelicadeza àquele que fez mais algumas projeções pessimistas sobre a economia. E não no curto prazo, é bom deixar claro. Ele até admite que as coisas estão indo bem, ou não tão mal. Ele faz advertências de longo prazo... Perfeitamente. Para o jornalismo econômico que se pratica em regra em Banânia, está excelente! Antecipam-se os efeitos das ditas nuvens carregadas no horizonte; o impacto no dólar é imediato; já é possível projetar pressão sobre os preços. E pronto! Não falta à entrevista deste Demiurgo "Duzmercáduz" nem mesmo o "apito de cachorro"...

Com um claro movimento especulativo contra a moeda, a razão principal de uma entrevista do presidente do BC deveria ser baixar a tensão. O cara faz justamente o contrário e ainda aproveita a oportunidade para proselitismo pessoal. Obviamente não se vai perguntar se o BC deveria usar as reservas fabulosas que temos para dar um sustinho na tigrada, intimidando os mais afoitos. Sei... Quando se é "autônomo", não se compra briga com os amigos.

"DISSONÂNCIA ENTRE OS FATOS E O QUE ESPERAM"
Vejam o que diz o presidente do Universo:
"Na política fiscal, a gente tem uma coisa hoje parecida com a política monetária.
Você tem os resultados de curto prazo não saindo tão ruins, não muito fora do esperado, mas a expectativa piorou. Foi o que a gente tentou endereçar inclusive no Relatório de Inflação. A gente tem uma dissonância entre o que está acontecendo no curto prazo, o que de fato está acontecendo, e o que as pessoas esperam que vai acontecer no futuro. Isso, obviamente, gera um efeito no prêmio de risco. Contamina algumas variáveis. Em algum momento essas variáveis podem ter um impacto mais definitivo na nossa função reação. A gente entende que é importante esclarecer e endereçar esses ruídos. Para o Banco Central comentar cada coisa que o governo, se essa medida é boa ou ruim, não cabe. Para a gente, o importante é o que os preços no mercado que influenciam a nossa função de reação estão dizendo. O que a gente tem de leitura de mercado é que, apesar dos números de curto prazo não estarem muito fora do esperado, a gente teve uma percepção de piora fiscal na frente. A gente consegue ver isso, por exemplo, no questionário pré-Copom, não nas pesquisas. Um número de quase 80% de pessoas que acham que o fiscal piorou. A gente incorpora isso, leva em consideração. Mas o importante é cuidar do nosso lado, cuidar da nossa cozinha. Parte do nosso trabalho é tentar olhar para frente. Quais são os riscos daqui para frente? E tentar comunicar as coisas de forma mais técnica possível."

COMENTO
Não é possível que essa resposta não venha a ser objeto de investigação acadêmica nos cursos de economia. Em síntese:
1 - "Há uma dissonância entre o que de fato está acontecendo e o que as pessoas (Uzmercáduz) acham que vai acontecer";
2 - "Para a gente, o importante é o que os preços no mercado que influenciam a nossa função de reação estão dizendo".

Pergunta meramente retórica: havendo tal dissonância, se a autoridade monetária quer falar, ela deve fazê-lo para diminuir expectativas negativas, que são, então, especulativas — nesse caso, nem me refiro a especuladores vulgares — ou, ao contrário, deve dizer: "Ok, então vamos amarrar cachorro com linguiça, para mantê-los sob controle"?

Alguém aí é capaz de lembrar uma única entrevista de Campos Neto ou uma única intervenção para a patota dos mercados que tenha contribuído para baixar o dólar e elevar a Bolsa? Citem uma ao menos.

GRUPINHOS
E as reuniões de membros do BC com grupinhos do mercado financeiro?
"As reuniões com grupos fechados, com 10 ou 15 pessoas, passam a ser transmitidas. As reuniões com economistas, a gente está pensando como melhorar. Os países avançados têm mais a característica de não fazer nenhum tipo de reunião fechada com uma ou duas pessoas. Em países emergentes, é mais comum fazer esse tipo de reunião. O país emergente tem aquela característica de vender a sua história para atrair investimento."

A gente não sabe exatamente o que ele entende por país "avançado". Fica subentendido que os atrasados, chamados por benevolência, de "emergentes", precisariam fazer alguma propaganda de si mesmos. Indago: as intervenções que vêm a público têm servido para alimentar expectativas positivas ou negativas, muito especialmente as feitas pelo próprio Deus das Esferas?

Na resposta abaixo, temos a teorização -- metafórica -- do moto-contínuo dos juros altos, com base naquelas tais "expectativas" que, como cantou Tom Jobim em "Dindi", são as "histórias que são de ninguém, mas que são minhas e de você também"... Leiam:
"No sistema de metas, tem que olhar para frente. Por quê? Ao contrário às vezes da política fiscal, que tem um impacto mais de curto prazo, a política monetária leva entre 12 e 18 meses para fazer efeito.
Então preciso tomar uma ação hoje olhando o que está sendo esperado na frente. Se eu tomar uma ação hoje baseada na inflação corrente, é muito parecido como dirigir um carro olhando o retrovisor. Eu não vou enxergar o que está para frente e o carro vai bater. Entendo que, às vezes, para algumas pessoas, não é tão fácil entender qual é o papel da expectativa na formação de preço. O sistema de metas tem um pilar fundamental que é a transmissão via canal de expectativas. É importante que a gente leve isso em consideração."

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Vamos ver:
- esperado por quem?;
- de quem são as "expectativas"?;
- quem forma "as expectativas"?

Indago: o papel do Banco Central, inclusive em entrevistas como esta concedida por Campos Neto, é permitir que o rabo abane o cachorro ou, ao contrário, deve-se fazer um esforço para que o cachorro retome a autonomia do próprio rabo?

Não custa lembrar, a propósito: a meta de inflação compreende o intervalor entre 1,5% e 4,5%, e o centro é 3%. Se uma expectativa de inflação de 3,4% em 2025 ou 2026 é tida por "desancorada", então não se tem um regime de metas, mas uma camisa de força.

Respondam-me: quando se mantém a política monetária "contracionista", para ficar no jargão da turma, e o presidente do BC a atribui ao "que está sendo esperado pela frente", ele ajuda ou atrapalha o país? Ele concorre para o dólar se valorizar ou se desvalorizar? Ele atua para baixar ou para elevar a inflação?

CRÍTICAS DE LULA E PROXIMIDADE COM A OPOSIÇÃO
E sobre as críticas de Lula? O que Campos Neto tem a dizer?
"Obviamente, quando você tem uma pessoa da importância do presidente questionando aspectos técnicos da decisão do Banco Central, gera um prêmio de risco na frente. O prêmio de risco sempre faz com que você tenha que olhar o desenvolvimento dessas variáveis e como que isso impacta a nossa política. Então, de certa forma, quando você tem um questionamento em relação ao trabalho técnico do Banco Central, sim, impacta o canal de transmissão de política monetária. Mas não cabe ao presidente do Banco Central ficar respondendo ou questionando o que foi dito pelo presidente da República. O que a gente tem que fazer é comunicar: "Olha, se for ter um questionamento em relação a isso, isso ou isso, vai gerar mais prêmio de risco. Gerando mais prêmio de risco, vai ter uma incerteza maior. Essa incerteza maior acaba fazendo com que o nosso trabalho fique mais difícil."

Corolário: o presidente do BC pode falar mais do que o homem da cobra, inclusive para fazer previsões pessimistas. Mas o presidente da República tem de ficar em silêncio obsequioso.

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Releiam: o Fortão das Galáxias está dizendo que o chefe do Executivo, que não pode mexer uma palha contra ele, atrapalha o seu trabalho. E é claro que a turma "Duzmercáduz" vibra e especula ainda mais — na certeza, inclusive, de que ele vai deixar o dólar correr solto, embora pudesse pôr um freio da farra. "Mas nosso 'brother', obviamente, não fará isso".

Mas ele andou ou não andou dando, digamos, "dicas" a Tarcísio. Com aparente candidez, dá esta resposta:
"O que eu disse e que eu sempre digo para o Tarcísio é sobre o cenário econômico. O que eu tenho dito, não só para o Tarcísio, mas está em todas as minhas apresentações,
é que eu vejo um cenário em que temos juros muito altos sobre uma dívida muito alta globalmente e que a gente vai passar por momentos daqui para frente onde essa liquidez vai começar a enxugar. Essa liquidez que está sendo enxugada vai começar a ter efeitos nos emergentes."

O que lhes parece essa antevisão de ninguém menos do chefe autônomo da dita "Autoridade Monetária"? Ele queria levar tranquilidade aos mercados, ou o que diz parece compatível uma elevação de quase 1,5% da moeda americana nesta sexta?

Campos Neto admitiu, como não?, intimidade com a oposição e com a direita, embora, em tese, estivesse negando a proximidade. Leiam este trecho da resposta. Seria divertido se não fosse coisa perigosa:
"A próxima pessoa que sentar na minha cadeira provavelmente vai a eventos do governo. O que tem que ser cobrado dele não é se ele vai estar num evento do governo, se ele vai estar numa festa na casa de uma pessoa que seja muito de esquerda. O que deve ser cobrado é qual foi a decisão que tomou. Eu espero que isso se aplique no meu trabalho e que se aplique também ao meu sucessor".

Não se enganem: o rapaz é treinado nas artes da guerra. Está dizendo:
- "Sim, fui a eventos da oposição; o meu sucessor vai aos do governo";
- "sim, eu vou a eventos de direita; meu sucessor deve ir aos da esquerda";
- "cobrem de mim as decisões que tomei; e cobre dele as que tomar".

Campos Neto, estou convencido, é mais treinado do que imaginamos. A despeito de seu ar e tom meio entediados — como quem está a refletir sobre coisas mais profundos do que os humanos como nós conseguimos alcançar —, tem uma inteligência que parece burilada por serviço de Inteligência Militar. Sabe atuar da coleta à disseminação de dados. Ou "não dados".

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Diante da eventual suspeita de proximidade indevida com a oposição e com os conservadores, só lhe caberia, como presidente do BC, negá-la. Em vez disso, ele confirma a suspeita e estabelece uma simetria com seu sucessor, só que, nesse caso, a intimidade se daria à esquerda. Num raciocínio cínico, diz que ambos são, pois, autônomos.

CONCLUSÃO
Parece empate? Uma ova! Aqueles a quem fala e que lhe dão suporte não veem problema nenhum num presidente do BC reacionário, mas temem um que fosse progressista. Semelha estar criando apenas uma relação espelhada para sustentar a autonomia do BC, pouco importa o presidente. Errado. A fala é o chamado "apito de cachorro". E a cachorrada entendeu. O dólar chegou perto de R$ 5,59, com valorização no dia de 1,46%, tudo atribuído à tal "volatilidade de fim de mês"; ao "risco fiscal", que deve ter crescido muito de ontem para hoje, e até, pasmem!, a uma nova entrevista de Lula, desta vez à "Rádio FM O Tempo" ...

Assim como não se vai corrigir a informação falsa de que a entrevista de Lula fez disparar o dólar na quarta, não se indagará o que têm a ver com a moeda americana o pessimismo industriado do presidente do BC e o "apito de cachorro", que soa quase todo dia.

PÓS-CONCLUSÃO E O CANTO DO GALO
Encerro insistindo num aspecto sobre quarta-feira: é um raciocínio enganoso verificar quanto o dólar subiu "DURANTE A ENTREVISTA DE LULA AO UOL". Coocorrência de eventos não é sinônimo de correlação, menos ainda de relação de causa e efeito. Quando o colunista Leonardo Sakamoto fez a pergunta sobre corte de gastos e no momento em que o presidente abordou o binômio despesa/receita, a moeda estava, NAQUELE EXATO MOMENTO, cotada a R$ 5,50. Fechou a R$ 5,52, depois de oscilar ao longo do dia menos e mais R$ 0,01.

Se é para estabelecer relação de causa e efeito, que se tenha precisão absoluta. Essa história de "dólar se valorizou durante ou depois" é um erro lógico conhecido. Há até uma expressão latina para ele: "Post hoc ergo propter hoc": Ou: "Depois disso, logo por causa disso".

Depois que o galo canta, o dia amanhece. Acontece sempre. Mas amanhecerá sempre. Ainda que se matem todos os galos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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