Fora da chefia de militares, Abin muda, mas ainda vive sob influência da PF

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) saiu da alçada dos militares durante o governo Lula (PT) e retomou o combate a crimes ambientais, mas ainda vive um mal-estar interno com a chefia sendo ocupada por pessoas de fora, como o próximo corregedor, que pode vir da PF (Polícia Federal).

O que aconteceu

Mudanças após escândalos na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Sob o delegado Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL e pré-candidato à Prefeitura do Rio, a instituição foi envolvida em investigações sobre espionagem paralela e perseguição a opositores.

Comando sob nome da PF. A Abin deixou a subordinação aos militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e hoje está submetida à Casa Civil. A chefia ainda é de um delegado da PF, o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa, e há expectativa de que o próximo corregedor seja também um delegado da PF: José Fernando Moraes Chuy, ligado ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Servidores apontam desprestígio do governo. Eles reclamam que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, nunca visitou a agência. O papel do órgão é produzir relatórios e informes de inteligência, com cenários e análises de riscos para auxiliar na tomada de decisões da Presidência.

Descentralização após "Abin paralela". Para deixar o sistema de inteligência mais eficiente, a agência passou por uma reformulação em dezembro. Setores como o antigo Centro de Inteligência Nacional, onde atuavam alguns dos integrantes da chamada "Abin paralela", foram divididos em dois departamentos, o de Inteligência Interna e o de Inteligência Externa, descentralizando assim parte das atividades.

Foco em aumentar transparência. As mudanças também incluem a divulgação de um relatório anual de gestão do sistema de inteligência de olho em dar mais transparência às atividades do órgão.

Críticas ao futuro da corregedoria

Possibilidade de delegado da PF assumir corregedoria causa mal-estar. Entre os quadros da agência, a situação representa um desprestígio, uma vez que o trabalho de inteligência feito pela Polícia Federal é voltado à identificação de crimes e condutas criminosas. É diferente do realizado pela Abin, que é mais focado na produção de conhecimento e de cenários com objetivo de aconselhar o presidente da República e outros órgãos do governo federal, em temas que vão do garimpo ilegal à pandemia da covid.

Ajuda nas apurações sobre a "Abin paralela". Investigadores da PF que apuram a existência de uma estrutura paralela de inteligência para atender aos interesses da família Bolsonaro têm reconhecido o trabalho da corregedoria atual. Eles dizem que a oficial de inteligência Lidiane Souza dos Santos tem contribuído bastante. O próprio diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse em entrevista recente à CNN Brasil que não pode afirmar se há algum conluio entre a gestão atual e a passada da agência e disse desconhecer a indicação de Chuy para o posto.

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Corregedor tem mandato. O cargo dura por dois anos, prorrogáveis por mais dois. O mandato de Lidiane se encerra em 31 de agosto, sem indicação de que ela será mantida no cargo. Internamente, agentes da Abin admitem até a indicação de outro nome, mas não aceitam mais outra pessoa da PF no cargo. Eles preferem, por exemplo, alguém da CGU (Controladoria-Geral da União).

Delegado é próximo a Moraes. Chuy chefiou por um ano a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), durante a presidência de Moraes na Corte. Na PF, comandou a Divisão de Doutrina e Capacitação em Inteligência da Diretoria de Inteligência Policial e foi coordenador do Enfrentamento ao Terrorismo.

Pesa contra Chuy o fato de ter escrito um livro sobre a Operação Hashtag. Investigação que prendeu suspeitos de planejar ataques terroristas nas Olimpíadas de 2016 foi iniciada após Abin levantar informações sobre os suspeitos e encaminhar para a PF. Em seu livro, contudo, o delegado não cita o trabalho da agência, gerando insatisfação na Abin.

Além de mais um inequívoco sinal de desprestígio aos servidores da Abin por parte de sua direção-geral, uma vez que a agência possui em seus quadros servidores aptos a ocupar a função, trata-se de um claro conflito de interesses, uma vez que o indicado é policial federal e oficial da reserva do Exército, e a 4ª fase da Operação Última Milha aponta policiais federais e um militar como figuras-chave do esquema. O indicado também não possui experiência em matéria correcional nem em legislação afeita à Inteligência de Estado, o que levanta a necessidade de justificativa para o que parece violar o princípio da impessoalidade.
Nota da Intelis (União dos Profissionais de Inteligência da Abin), em crítica a Chuy

Atuação da covid às eleições na Venezuela

Agência conta com cerca de 1.100 servidores. Apesar de não informar oficialmente os números, a Abin conta com efetivo em todos os estados do país e nos cinco continentes, mas o número é considerado baixo para realizar as atividades de inteligência necessárias para um país de grandes dimensões como o Brasil.

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Atuação vai do combate ao terrorismo às eleições da Venezuela. Agência tem o papel central no Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência).

Produção de relatórios sobre a situação na Venezuela. Documentos sigilosos com análise de cenários sobre o país vizinho faz parte do escopo de atuação da Abin, que prioriza a produção de inteligência envolvendo os países da América do Sul, sobretudo os que fazem fronteira com o Brasil e que podem, por exemplo, impactar no fluxo de imigrantes. A vitória de Nicolás Maduro tem sido questionada internacionalmente.

Abin previu mortes e cenários trágicos da pandemia. Gestão Bolsonaro recebeu mais de mil relatórios produzidos entre março de 2020 e julho de 2021 que estimaram o impacto da pandemia, alertaram sobre risco de colapso de estruturas de saúde em vários estados, apontaram a importância do distanciamento social e da vacinação e projetaram número de mortes que se aproximaram do que ocorreu ao longo da crise de saúde.

Documentos tiveram sigilo levantado na atual gestão e expõem detalhes da atuação da Abin em situações de crise. Relatórios foram revelados pela Folha de S.Paulo e mostram como estrutura de inteligência oficial do governo defendeu medidas sanitárias em alinhamento com a OMS (Organização Mundial de Saúde), mas que foram ignoradas por Bolsonaro.

Combate ao garimpo ilegal e debates sobre estiagem. No governo Lula, agência também tem retomado sua atuação envolvendo as pautas ambientais que ficaram escanteadas durante o governo Bolsonaro. A agência busca atuar em temas que envolvem a soberania nacional, como o garimpo ilegal e os impactos da estiagem no Amazonas.

Ações de desintrusão. Foi na atual gestão que a agência realizou em junho, pela primeira vez, um encontro no município de Marabá, no interior do Pará, para discutir proteção territorial e desintrusão de terras indígenas. Na gestão atual, a agência já atuou em cinco ações de desintrusão de terras indígenas em conjunto com outros órgãos do governo federal desde 2023. Antes disso, a Abin já havia atuado em ações do tipo em 2013, 2014 e 2016.

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Planejamento e monitoramento para retomar territórios indígenas. Os agentes de inteligência têm atuado para fornecer informações que auxiliem no planejamento da retomada das áreas junto com outros órgãos públicos, como mapeamento do território, identificação dos atores envolvidos e possíveis crimes e os desafios vividos pela população indígena durante e após a desintrusão.

Agência também deve atuar no período eleitoral e em eventos com autoridades estrangeiras. Abin participa de eventos internacionais no país, como as reuniões do G20 em novembro, com o monitoramento de riscos e potenciais ameaças à segurança no local do encontro, auxiliando os órgãos de segurança pública.

Em relação às eleições no Brasil, a agência tem parceria com o TSE. Abin atua para auxiliar na implementação de tecnologias de criptografia de informações utilizadas durante o processo eleitoral e também auxilia em ações como distribuição de urnas pelo país.

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