PF investiga contratação de empresa de software espião pela PRF
A Polícia Federal investiga a contratação, sem licitação, da empresa israelense Cognyte pela Polícia Rodoviária Federal, além de apurar se a corporação utilizou softwares de espionagem durante as eleições de 2022.
O que aconteceu
Inquérito apura suspeita de lobby e de uso de software espião. A PF abriu uma investigação após receber informações da Corregedoria da PRF em meio a uma disputa interna no órgão entre dirigentes bolsonaristas e petistas. Uma das suspeitas é pelo fato de um agente da PRF ter pago, em fevereiro de 2018, uma viagem para o então diretor-geral da PRF, Renato Antônio Borges Dias, para Tel Aviv, em Israel.
PRF fala em férias. Procurada pelo UOL, a PRF afirmou que a viagem ocorreu durante o período de férias do então diretor-geral e não explicou o motivo da ida ao país, onde fica a sede da Cognyte (leia mais ao final do texto).
Dois meses após a viagem, uma equipe da PRF fez missão oficial em Israel. Renato Dias não participou dessa segunda viagem, ocorrida em maio daquele ano, que, de acordo com a corporação, teve como objetivo o "intercâmbio de conhecimento nas áreas operacional e de inteligência" e incluiu visitas a instalações e autoridades responsáveis por fazer segurança em áreas de fronteira.
PRF disse que não tratou de contratação de softwares ou equipamentos. Segundo a corporação, não houve nenhuma tratativa com a Cognyte ou outras empresas sobre isso.
Ex-diretor-geral da PRF está hoje licenciado do órgão por interesse particular. Em seu Linkedin, ele se apresenta como sócio-fundador de três empresas, sendo uma de relações governamentais na área de transporte e trânsito e outras duas de "inovações e soluções tecnológicas". O agente que pagou a viagem de férias do então diretor-geral é Duarte Raab Pires, hoje coordenador de Cooperação Internacional da Polícia Rodoviária Federal.
PF pediu informações a empresa aérea. A informação sobre o pagamento da viagem por Duarte Raab Pires foi dada pela empresa Decolar.com à PF neste ano, após solicitação do delegado responsável pelo inquérito. Segundo a empresa, o cartão de crédito utilizado na compra pertenceria a Duarte Raab Pires.
A investigação ocorre em paralelo ao inquérito que apura a chamada "Abin paralela" no governo Bolsonaro. Investigação envolvendo a Abin tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e tem entre as linhas de investigação a apuração de suspeitas de que a PRF teria utilizado softwares de espionagem semelhantes ao da Abin nas eleições de 2022.
No mesmo ano da viagem do diretor-geral a Israel, a PRF no Rio contratou um software de pesquisas da Cognyte. A empresa israelense foi a responsável por negociar o programa First Mile para a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e outros órgãos públicos.
O software adquirido pela superintendência da PRF no Rio custou R$ 5 milhões. O sistema Webint permite fazer buscas na internet, nas redes sociais e na deepweb (a camada oculta da internet não acessada por navegadores convencionais), além de invadir grupos de WhatsApp e de Telegram. Quem conduziu as negociações foi Caio Santos Cruz, filho do general da reserva Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro.
Em 2021, o contrato foi renovado, desta vez com a sede da Polícia Rodoviária Federal em Brasília. A renovação do contrato também custou R$ 5 milhões, desta vez para atualizar o sistema Webint para outro utilizado pela Cognyte, chamado Orbis e que conta com as mesmas funcionalidades.
A PF quer apurar se, além dos sistemas contratados, servidores da PRF também utilizaram outros softwares da empresa israelense. Uma das suspeitas é que teriam sido usados programas que permitem o rastreamento em tempo real de celulares, semelhantes ao First Mile.
O que diz a PRF
A PRF nega irregularidade em contratação. Diz ainda que não comenta viagem de férias de ex-diretor-geral. Questionada pela reportagem, a Polícia Rodoviária Federal informou que Duarte Raab Pires e Renato Dias estavam de férias na época da viagem a Israel e que, portanto, seus gastos foram "privados". Sobre a contratação da Cognyte, a corporação afirmou que ela seguiu "o rito técnico padrão". A corporação também nega que tenha adquirido o First Mile.
Escritório que representa a Cognyte não quis se manifestar. A firma de advocacia Trench Rossi Watanabe informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria comentar o caso.
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Quero receberA PRF informa que os dois primeiros citados, servidores, estavam em gozo de férias. As escolhas de destino neste período e gastos particulares desta natureza são privados.
Polícia Rodoviária Federal, em resposta à reportagem
A contratação [do serviço] por parte da PRF seguiu o rito técnico padrão, dentro do que é estabelecido em legislação para o serviço público e com submissão dos seus atos administrativos aos órgãos de conformidade e controle (...) O objetivo da viagem foi o intercâmbio de conhecimento nas áreas operacional e de inteligência. As atividades realizadas na missão a Israel foram de visitas às instalações e a autoridades responsáveis por fazer a segurança em áreas de fronteira, segurança viária e policiamento especializado. O objetivo foi o aprimoramento e a modernização da PRF no trabalho desenvolvido nas áreas de fronteira. Não houve tratativa com a Cognyte ou qualquer outra empresa para a contratação de softwares ou equipamentos para a PRF.
Polícia Rodoviária Federal, em resposta à reportagem
O que diz Renato Dias
A reportagem procurou Renato Dias por meio de WhatsApp no dia 7, mas não obteve resposta. Após a publicação da reportagem, o ex-diretor encaminhou notificação extrajudicial. Em ofício às 23h14 de segunda-feira (12), ele contestou as informações da reportagem, disse que pagou de forma parcelada a viagem e que nunca foi intimado sobre o inquérito, mas não comentou sobre a informação fornecida pelo Decolar.com à PF.
Ex-diretor diz ter informado ministro da Justiça à época. No documento, ele também disse que já havia explicado o caso ao então ministro da Justiça, Raul Jungmann, em 2018. O número do inquérito à que a reportagem se refere é o 20240025455, que foi instaurado a partir do ofício 203/2024/CG (34363945), encaminhado pelo corregedor-geral da PRF à PF, em Brasília.
Leia abaixo a íntegra da notificação extrajudicial
"Viagem para Israel - Em meados de 2017, durante um bate papo com os colegas, amigos, PRF Duarte Raab e o PRF Jesus Caamaño (na época ele exercia a função de Coordenador-Geral de Recursos Humanos na PRF), o Raab comentou que estaria de viagem marcada para Israel, juntamente com a sua esposa, a qual ocorreria em fevereiro de 2018 e que duraria 12 (doze) dias. Imediatamente, eu pergunto ao Raab, se ele e evidentemente a sua esposa Silvania, se importariam se fossemos juntos, eu e a minha esposa Fabíola Frias, pois tínhamos um sonho conhecer a Terra Santa, porém não sentíamos seguros de fazer essa viagem sozinhos. Eu e a minha esposa somos cristãos. O Caamaño, também por ser de uma família de cristãos, não titubeou e perguntou se ele também poderia ir. A resposta foi sim. Então eu disse ao Raab que não queria alterar o planejamento deles, e que gostaria de
viajar no mesmo voo, ficar hospedados nos mesmos hotéis, sendo que um foi pelo Airbnb, em Eilat, sul de Israel. Em Telavive e em Lisboa ficamos hospedados em hotéis. A viagem foi pela empresa TAP. Todas as minhas despesas e da minha esposa foram pagas por mim. Por ser uma viagem planejada com antecedência, pagamos de forma parcelada em dez meses. Eu estava oficialmente em gozo de férias. E nas minhas férias eu viajo para aonde eu quiser. Adoramos viajar. E viajamos muito.
2. Vale salientar que, o PRF Duarte Raab é um profissional muito bem qualificado, possui vários cursos de pós-graduação com mestrado, doutorado e pós-doutorado, é black belt, poliglota, fala fluentemente português, inglês, espanhol e hebraico, pois o Raab é filho de pai português e de mãe judia, que residem atualmente em Portugal. Antes de ser PRF, o Raab decidiu abandonar uma carreira muito bem-sucedida na iniciativa privada, onde exerceu cargo de diretoria na AMBEV, e ingressou na PRF. Na PRF Raab é muito bem quisto e respeitado, salvo por algum colega, invejoso e covarde, que recorrentemente apresenta de forma anônima dossiês com Fake News como essa denúncia sem fundamento no intuito de atacar a Instituição PRF, bem como a atual gestão e o próprio Raab.
3. Durante a viagem, o então Diretor-Geral da Polícia Federal, o Delegado Rogério Galloro, teria recebido um comunicado, de algum(a) colega PRF, também covarde e invejoso, que desejava a minha exoneração da função de Diretor-Geral da PRF, de que eu estaria em viagem para Israel sob às custas de alguma empresa. Imediatamente o Galloro procura o então Ministro Extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, para comunicar a informação e ao mesmo tempo solicitar autorização para investigar o DG da PRF, Renato Dias. O Ministério ao solicitar informações do então Corregedor-Geral da PRF, Célio Constantino, que de pronto responde ao MESP que a viagem não era oficial, não havia pagamento de diárias, e nem passagens compradas com o dinheiro do erário público, pois o então DG da PRF, Renato Dias, estava em gozo de férias. Por essas razões, e pela sabedoria do Constantino, ninguém me ligou em Israel para comunicar sobre que estava se passando no Brasil. Graça à Deus tive um período de doze dias de descanso, aproveitando as minhas curtas férias para aliviar a minha mente e conhecer lugares incríveis como Israel e a Jordânia. Somente fui ter conhecimento da denúncia caluniosa e difamatória, contra a minha honra perante aos meus pares, ao meu chefe superior e à sociedade, após o meu retorno ao Brasil.
4. Assim que retornei às minhas atividades de Diretor-Geral da PRF, no primeiro dia tomei ciência e procurei imediatamente o Ministro Raul Jungmann que me recebeu em seu gabinete. Eu solicitei ao Ministro que determinasse à Polícia Federal que me investigasse, pois eu fazia questão de ser investigado para esclarecer tudo, e ao final das investigações poder adotar todas as medidas judiciais cabíveis contra o(s) denunciante(s). O ministro então confirmou que o então DG da PF, Galloro, o havia procurado para solicitar autorização para seguir com as investigações. O ministro Jungmann, pela sua vasta competência, experiência, sabedoria, ciente da "guerra de fogo amigo" entre a PF e a PRF, bem como por ter recebido todas as informações, tempestivamente, do Corregedor-Geral da PRF, me respondeu da seguinte forma: "Renato, irei lhe dar a mesma resposta que eu dei ao Galloro. Vá trabalhar!! Não terá investigação e nem tempo perdido com isto", disse o Ministro. Evidentemente que eu mostrei ao Ministro a minha planilha de pagamentos da viagem, relatei como viajei, onde fiquei hospedado e que tudo estava sendo pago de forma parcelado por mim.
5. Sobre as Fake News da reportagem assinada pelo Sr. Mateus Coutinho do UOL - a) o jornalista cita a investigação, mas não cita o número do Inquérito Policial que eu estaria sendo investigado, nem cita qual seria o Delegado de Polícia Federal responsável pela investigação sobre a minha viagem para Israel. Até o momento não recebi nenhuma intimação. Gostaria muito de ser ouvido caso realmente exista essa investigação sobre a minha viagem de férias de 2018; b) o jornalista erra o nome da minha esposa e afirma que o colega PRF Raab pagou a minha viagem e da minha esposa. Isto é uma mentira que ofende a mim e à minha esposa, mas ofende ainda mais ao colega Raab e à sua esposa. Isto terá consequências judiciais para o jornalista, caso não faça a devida retratação; c) O motivo da viagem foi particular, em férias, e isto só deveria se importar a mim. Eu preciso declarar motivo específico para a imprensa na época para viajar nas minhas férias? Vivemos em um Estado de Exceção da Imprensa no Brasil?; d)empresa COGNYTE - nunca estive nessa empresa em qualquer lugar que seja, no Brasil ou em Israel. Nunca conheci ninguém desta empresa. Nunca recebi ninguém desta empresa. Não conheço seus produtos, e só fui ouvir o nome dessa empresa hoje na matéria; e) Viagem oficial para Israel - de fato os diretores de operações e de inteligência de 2018, acompanhados de um assessor de assuntos internacionais da PRF, juntamente com o PRF Raab, fizeram uma viagem oficial para Israel em meados 2018 como intuito de conhecer as novidades e fazer um intercâmbio, pois o Governo de Israel enxergava e enxerga a PRF como um parceiro estratégico no Brasil, por ser uma polícia que tem capilaridade em todo território nacional, principalmente na fronteira tríplice no sul do País. Israel sabia dos números de apreensões de armamento e drogas da PRF. E esse resultado poderia ser dez vezes maior com o uso de inteligência policial agregado de equipamentos com tecnologia de ponta, inteligência artificial, etc. Importante destacar que, Inteligência Policial é diferente de Inteligência de Investigação de Polícia Judiciária. Inteligência Policial até grandes empresas tem. A polícia militar tem. A PRF também tem. Isto é legal. Por sinal, a PRF sempre é requisitada pelo Ministério Público, Estadual e Federal, para dar suporte em inteligência policial nas investigações deles, justamente porque a PRF é sempre muito elogiada em suas atividades de inteligência policial. É por isso que a PF aproveita qualquer dossiê anônimo, qualquer denúncia infundada anônima, para ter motivo para investigar a PRF alegando que a PRF extrapola as suas competências funcionais ao realizar investigação policial. Não é verdade. A PRF sempre atuou a pedido do Ministério Público ou de alguma ordem judicial, com a devida autorização e ciência do Ministro. Tudo isto não passa de ciúmes institucional. A Polícia Federal não esconde mais que se sente "ameaçada" diante da evolução da Polícia Rodoviária Federal nos últimos trinta anos. Isto é inegável, pois até o uniforme da PRF a Polícia Federal quer ter igual, e tem. Sempre pede para participar das licitações de uniforme da PRF. O uniforme da PF vai deixar de ter a calça preta para ter a calça da cor caqui como o da PRF".
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