Comissão do Senado aprova projeto que altera prazos da Lei da Ficha Limpa

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta-feira (21) um projeto que reduz o prazo de inelegibilidade de políticos definido pela Lei da Ficha Limpa. Senadores aprovaram ainda a tramitação em regime de urgência da proposta, que agora segue para o plenário do Senado.

O que aconteceu

Aprovação do relatório do Projeto de Lei Complementar nº 192/2023 aconteceu de forma simbólica, sem registro nominal dos votantes. Senadores que vão do PL ao PDT discursaram favoráveis ao texto durante a sessão da CCJ.

Proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados no ano passado em meio à discussão de uma "minirreforma eleitoral". No Senado, o projeto é relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), que deu parecer favorável ao texto.

Pelo projeto aprovado, políticos cassados e condenados não poderão se eleger por oito anos a partir da condenação em segunda instância. Além disso, a proposta também estabelece que a inelegibilidade não poderá ser maior do que 12 anos. Atualmente, o prazo é contado a partir do final da pena ou do mandato do político.

Esse projeto que acabou de ser aprovado corrige uma pequena distorção de um projeto que nós aprovamos chamado Lei da Ficha Limpa lá atrás (...) Houve muita má fé de alguns setores que desinformam a população que nós estamos querendo facilitar a volta ou a vinda de pessoas que são ficha suja para a política, mas isso não é verdade (...) É hipocrisia a gente falar em pena perpétua para quem cometeu algum tipo de erro no Brasil. (...) Nós estamos fazendo hoje uma grande justiça. Senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator da proposta

Emendas rejeitadas. Nas últimas sessões de agosto da CCJ que discutiram o projeto, os senadores Alessandro Vieira (MDB-SE) e Marcelo Castro (MDB/PI) apresentaram emendas que revertiam o teor principal do texto. Entre as sugestões, estavam propostas para manter a forma atual de aplicar o prazo de inelegibilidade e também para retirar o trecho que define o teto de 12 anos para a punição. Todas as ideias, porém, foram rejeitadas pelo relator na sessão desta quarta.

Relator teve apoio dos poucos pares presentes na sessão desta quarta. "Não podemos aceitar uma inelegibilidade perpétua, não tem sentido. (...) Quem tem que avaliar isso no segundo momento é o eleitor. Não somos nós aqui que vamos perpetuar aqui a inelegibilidade de ninguém", afirmou Izalci Lucas (PL-DF), durante seu voto à favor da proposta.

Ao fim da sessão, presidente da CCJ também se manifestou favorável à proposta. "Nós não temos poucos casos concretos no Brasil de uma pessoas que fica 15, 20, 30 anos condenada sem poder ainda exercer atividade política. Isso talvez esteja tirando da política muitos homens e mulheres que queiram colaborar", disse Davi Alcolumbre (União-AP).

PL atinge 'coração' da Ficha limpa

Advogados afirmam que proposta busca afrouxar punições. Um grupo de oito advogados eleitoralistas, capitaneados por Márlon Reis, um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, avalia que os parlamentares estão tentando afrouxar inelegibilidades "de maneira nítida e acentuada", atingindo o 'coração' da lei criada em 2010 para afastar a candidatura de condenados por crimes graves.

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Os fundadores da Associação Brasileira de Eleitoralistas pedem que os senadores "dignifiquem o mandato recebido pelo voto popular" e votem contra a proposta.

Reverter a Lei da Ficha Limpa "atenta contra a soberania popular", afirmam advogados. Eles avaliam ainda que proposta "contraria o interesse público e serve apenas para dar livre acesso à candidatura a cargos eletivos a indivíduos que deveriam estar fora do processo político".

Projeto discutido pelos senadores representa "gravíssimos retrocessos" para as normas que regem o pleito. Uma das principais críticas dos eleitoralistas é feita ao dispositivo que prevê a inelegibilidade por oito anos, somente após o cumprimento da pena em processos criminais e em ações de improbidade. Segundo eles, proposta abre uma fenda para a redução drástica do prazo de inelegibilidade de condenados por homicídio, estupro, tráfico de drogas e organização criminosa.

Em alguns casos, indivíduos condenados por tais crimes nem mesmo ficariam inelegíveis, pois ao contar o prazo de 8 anos da condenação por órgão colegiado, e não do término da pena, esses indivíduos, ao término da pena, já teriam cumprido o prazo de inelegibilidade. Fundadores da Associação Brasileira de Eleitoralistas, em manifesto

Advogados também enxergam possibilidade de projeto abrir caminho para "situações anômalas e absurdas" e incentivar novos ilícitos. "Caso determinada pessoa, durante os oito anos de inelegibilidade, inclusive no sétimo ano, cometa diversos outros crimes ou ilícitos que geram inelegibilidade, terá sua restrição eleitoral limitada em apenas 12 anos. Ou mesmo, no décimo ou 11º ano de inelegibilidade cometa novos ilícitos, ainda assim, terá sua inelegibilidade limitada a 12 anos, o que é absurdo", advertem.

Bolsonaro não se beneficia, diz advogado da Abradep. Um dos nomes que, em tese, poderia ser beneficiado com a mudança da legislação seria o ex-presidente Jair Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pelos atos do dia 7 de setembro de 2022, quando fez ameaças ao ministro Alexandre de Moraes, e por ter se reunido com embaixadores para difundir dúvidas sobre as urnas eletrônicas na véspera da campanha eleitoral daquele ano. Mas, na opinião de Fernando Neisser, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) essa leitura não procede.

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Marlon Reis e seus pares veem "enorme risco" de "caos político". "A reversão de registros indeferidos importaria na recontagem de votos, alteração dos quocientes partidário e eleitoral, maiores médias e a retotalização dos resultados, com a substituição de parlamentares federais, estaduais e municipais, causando um verdadeiro caos político e insegurança institucional e jurídica", alertam por fim.

*Com informações de Estadão Conteúdo

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