Delegado que investiga Bolsonaro relatou ameaça uma semana após indiciá-lo
O delegado Fabio Shor, responsável por investigações que envolvem Jair Bolsonaro (PL), relatou em email à PF que ele e sua família foram ameaçados. Isso aconteceu uma semana após ele indiciar o ex-presidente no inquérito das joias.
O que aconteceu
Ameaças a delegado da PF. Relato de Fabio Shor foi encaminhado em 15 de julho para o colega Elias Milhomens de Araújo, delegado da PF que investiga desde março a mobilização de bolsonaristas para expor e atacar policiais federais que atuam em inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) que envolvam Bolsonaro e seus apoiadores.
Relatório do inquérito das joias foi finalizado uma semana antes. Delegado apresentou ao STF o relatório final do inquérito das joias em 5 de julho. Ex-presidente foi indiciado pelos crimes de peculato, que é o desvio de dinheiro público, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Além dele, outras 11 pessoas foram indiciadas por terem participado do suposto esquema que teria desviado presentes de autoridades estrangeiras recebidos por Bolsonaro.
Delegado encontrou pelúcia em seu carro. O boneco de um macaco azul foi pendurado no limpador traseiro do carro de Fabio Shor. O veículo estava estacionado em seu endereço residencial, em Brasília. Por ser o responsável pelos principais inquéritos envolvendo o ex-presidente e seus apoiadores, incluindo os blogueiros bolsonaristas investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais, Fabio Shor acionou a PF formalmente.
Inquérito não cita bolsonaristas. Apesar de o episódio ocorrer pouco tempo depois do indiciamento, não há no inquérito da PF, ao qual o UOL teve acesso, nenhuma referência a eventual envolvimento de Bolsonaro ou de outros indiciados nas ameaças feitas a delegados.
Diante dos últimos acontecimentos envolvendo ameaças a este subscritor e seus familiares, encaminho o presente para ciência a avaliação.
Fabio Alvarez Shor, delegado da Polícia Federal, sobre ameaças recebidas
Depoimento foi incluído em investigação sobre campanha de difamação. Desde março, a Diretoria de Inteligência Policial monitora as postagens de Allan dos Santos, que começou em 8 de março uma campanha para expor delegados da PF que atuam nos inquéritos que atingem diretamente bolsonaristas. Atuação passou a ser investigada em um inquérito conduzido por Milhomens.
'Claro recado' de bolsonaristas. Milhomens destacou episódio envolvendo Shor na representação ao STF na qual pediu novamente a prisão de Allan dos Santos e de Oswaldo Eustáquio (ambos foragidos da Justiça), além de medidas cautelares envolvendo o senador Marcos do Val (Podemos-ES) e buscas em endereços de outros blogueiros bolsonaristas. Delegado também destacou que blogueiros bolsonaristas intensificaram a exposição dos delegados nas redes após o indiciamento de Bolsonaro e inclusive passaram a divulgar uma foto de um documento oficial dele no dia 13 de julho deste ano.
Responsáveis por colocar objeto no veículo de Shor não foram identificados. Ao menos, não houve indicação de nomes até a deflagração da operação policial, em 14 de agosto. Não há mais detalhes sobre a apuração.
Investigação levou a bloqueio do X no Brasil. Foi no âmbito dessa investigação sobre as ameaças aos delegados que o ministro Alexandre de Moraes acabou por determinar a suspensão do X no Brasil. A plataforma se recusou a cumprir ordens para remover portagens dos investigados, incluindo do senador Marcos do Val, e acabou deixando o país.
O objeto em si não representa ameaça, contudo, transmite um claro recado de que seus autores conhecem o veículo e o local de residência do servidor, como mais uma forma de intimidar sua atuação nas apurações de ORCRIM [organização criminosa] em curso no STF.
Trecho de representação do delegado da PF Elias Milhomens, ao STF
A apuração de tal fato se encontra em curso, a partir da análise das imagens de CFTV disponíveis, não sendo possível, até o presente momento, a identificação dos autores. É inegável, contudo, que a campanha iniciada nas redes sociais ultrapassou os limites do âmbito cibernético e alcançou fisicamente o local de residência do servidor e seu veículo, demonstrando que a conduta, uma vez incitada, possui desencadeamentos imensuráveis, mesmo que seu autor se encontre em outro país.
Trecho de representação do delegado Elias Milhomens ao STF
Campanha contra investigadores
Inquérito apura obstrução de investigação, incitação ao crime e corrupção de menores. Foragido nos Estados Unidos, Allan dos Santos convocou apoiadores para sua campanha. Ele chegou a ter suas contas nas redes sociais bloqueadas no Brasil nas investigações sobre milícias digitais, mas abriu novas páginas nos EUA, incluindo uma chamada "Revista Exílio", que usou para anunciar sua campanha em 8 de março deste ano.
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Quero receberDelegado alertou para risco de ameaças extrapolarem ambiente virtual. Ao monitorar as postagens e suas repercussões nas redes, o delegado Milhomens identificou risco de falas contra os policiais irem além da intimidação e da "execração midiática".
Postagens expuseram parentes e foto oficial de delegado. Fotos da mulher e do filho de Fabio Shor foram divulgadas, com críticas e narrativas acusando o delegado Shor até de "apontar arma" para crianças. Postagens se intensificaram após apresentação do relatório do caso das joias e algumas delas até mencionam a investigação.
Documento oficial exposto. Chamou a atenção dos investigadores o fato de uma das filhas do blogueiro Oswaldo Eustáquio ter compartilhado no dia 13 de julho nas redes sociais, incluindo no X, a foto que consta no documento de identificação de Fabio Shor emitido pelo Detran do Rio de Janeiro. Diante disso, a PF solicitou que o Detran-RJ fizesse uma auditoria em seus sistemas para identificar quem acessou as informações do delegado.
Chega de ficar apenas reclamando de Moraes: está na hora de expor quem faz parte das ações ilegais que estão sendo realizadas na Polícia Federal. Allan dos Santos argumenta que todos esses agentes têm rosto, nome, sobrenome e salários. O jornalista fala que também será possível mapear, assim, promoções e aumento de salários, uma vez que saiam do anonimato.
Postagem feita em canais ligados a Allan dos Santos, em 8 de março deste ano
O projeto em si [assim como a divulgação de seus propósitos] tem o objetivo de intimidar e sujeitar à execração midiática os policiais que atuam nos referidos casos, além de seus familiares, o que foi sugerido por alguns perfis que comentaram a referida publicação. Tal fato, considerando o histórico de atos de violência já praticados, pode extrapolar o ambiente virtual, consubstanciando-se em ataques físicos em face dos policiais federais; isso porque a sugestão foi lançada e seu alcance é imprevisível.
Trecho de relatório do delegado Elias Milhomens sobre a campanha de Allan dos Santos
Oferta de 5 milhões de dólares
Delegada antecessora também relatou ameaças. Atualmente cedida ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), a delegada da PF Denisse Ribeiro Dias também relatou ao delegado Milhomens que recebeu mensagens de um usuário identificado apenas como "Tacitus" com ameaças veladas e tentativas de obter informação dela em troca de dinheiro.
Mensagens intimidadoras nos emails. No caso de Denisse, as mensagens foram direcionadas aos emails institucional e pessoal e começaram em 26 de março, após Allan dos Santos lançar sua campanha. Ela atuou nas principais investigações envolvendo grupos bolsonaristas antes de Shor. Ela deixou os inquéritos em fevereiro de 2022 ao entrar de licença-maternidade. Além disso, ela atuou na Operação Acrônimo, deflagrada em 2016 para investigar, entre outros fatos, as suspeitas de financiamento ilegal para campanhas políticas em 2014, incluindo a do então governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Email faz referência à operação e a proposta de 5 milhões de dólares. Mensagens recebidas por ela naquele ano citam o fato de a investigação ter encontrado pagamento de R$ 4 milhões da empresa JHSF à firma de advocacia de Moraes entre 2010 e 2014. Antes de se tornar ministro, Moraes chegou a atuar como advogado. Os emails sugerem ainda que ela poderia receber o pagamento caso "colaborasse" com o grupo para levantar mais informações sobre o episódio.
Episódio foi revelado pela Folha de S. Paulo, em 2016. Pagamento não chegou a ser investigado, pois, segundo a Folha, o ministro Luiz Fux, do STF, arquivou o caso por não envolver nenhuma ilegalidade a ser investigada. Na época, o ministro afirmou à Folha por meio de nota que os valores se trataram de pagamentos pelos serviços advocatícios devidamente registrados e com emissão de nota fiscal.
Confidencialidade dos dados. Ministro também afirmou que não poderia detalhar os serviços devido a cláusula de confidencialidade com o cliente. A empresa também afirmou em nota que Moraes atuou como "advogado e consultor jurídico" para eles e que as documentações haviam sido enviadas às autoridades.
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