O abandono de Beatriz, que perdeu o marido e o filho, mortos pela PM
Foi a entrevista mais difícil e dolorosa que já fiz na vida.
Ao final, sem saber o que dizer, fiz um apelo às autoridades do Estado de São Paulo, que estivessem nos vendo no UOL News, para entrar em contato com a merendeira Beatriz da Silva Rosa, na comunidade do Morro do São Bento, em Santos, no litoral paulista.
Ela está precisando de ajuda urgente, depois de perder o marido Leonel e o filho Ryan, de 4 anos, ambos mortos em ações da PM, que já deixaram um rastro de 474 vítimas fatais de janeiro a setembro deste ano, segundo dados da própria Secretaria de Segurança Pública, chefiada pelo capitão da Rota Guilherme Derrite.
Nesta quinta-feira (5), quando fizemos a entrevista, Beatriz estava completando um mês de luto pela morte de Ryan e, como em todos os outros dias, saiu de casa cedo para trabalhar, pois tem outros dois filhos para criar sozinha. Leonel, o marido deficiente físico que andava de muletas, foi morto já faz 9 meses. Os dois foram atingidos por balas perdidas quando estavam em frente ao barraco de dois cômodos, em dias diferentes, quando a polícia subiu o morro, e só se ouviu o barulho de tiros e gritos desesperados de Beatriz. Os rigorosos inquéritos ainda não foram concluídos. Ninguém foi preso.
"Está sendo muito difícil para mim, porque perdi a rotina do dia a dia. Eu acordava, trocava o menino, o levava para a escola, e ia trabalhar. Hoje, eu fico perdida de manhã. Para ir trabalhar, eu tenho que fazer o caminho que eu fazia para leva-lo para a escola todo dia. Olho para a cama dele, e penso: 'Cadê o meu filho?' Não tenho mais o meu filho". Beatriz faz muitas perguntas, sem esperar respostas.
Tales Faria e Diego Sarza, meus colegas na entrevista, tinham dificuldades para fazer perguntas, assim como eu. E ela se esforçava para responder, segurando o choro, tentando entender a tragédia que aconteceu na vida dela. "Eu venho procurando respostas desde a morte do Leonel. Já não consigo dormir nas minhas piores noites. Mas eu tive que levantar e ir trabalhar. Quem vai sustentar as crianças, pagar a minha água, a luz, o aluguel?"
No final, não podíamos apenas dar boa noite e agradecer por ela ter falado com a gente, o que só aumenta a sua dor e escancara o desamparo. Por isso, resolvi fazer o apelo, mesmo não sendo esse o papel do repórter.
Não sei se alguém do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) assistiu ao programa e se interessou pelo drama da merendeira. Até aquele momento, Beatriz só tinha recebido atenção de uma assistente social da prefeitura de Santos, que marcou consulta com psicóloga para quem restou da sua família —Beatriz e os dois filhos.
"Por enquanto, a gente só está esperando por uma resposta, o final do inquérito. A gente só fica com aquele vazio, aquela angústia." Sem isso, ela não pode nem mover uma ação de indenização contra o Estado e reivindicar todos os benefícios sociais a que tem direito.
Quantas outras famílias de vítimas da violência policial sem controle não estão hoje passando pelas mesmas dificuldades? Os inquéritos demoram, a Justiça é lenta. Não basta comprar mais câmeras para a PM usar quando quiser, mudar os discursos, reconhecer os erros.
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