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Pesquisa investiga possíveis problemas neurológicos causados por zika em adultos

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Roberta Jansen

Do Rio de Janeiro para a BBC Brasil

23/02/2016 15h36

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D'or de Pesquisa e Ensino (Idor, ligado à rede D'or de hospitais) começou a estudar, nesta segunda-feira (22), se adultos infectados pelo zika vírus podem desenvolver problemas neurológicos, além da já conhecida síndrome de Guillain-Barré.

A decisão de fazer o estudo veio depois da constatação de alguns casos suspeitos de síndromes neurológicas associadas à infecção por zika.

Médicos de diferentes hospitais do Estado vêm relatando um número acima da média de casos de Guillain-Barré (um problema autoimune que ataca o sistema nervoso) e também de encefalites e encefalomielites - inflamações no cérebro e na medula normalmente decorrentes de infecções virais.

As doenças podem causar desde uma leve confusão mental até convulsões e paralisia.

"Temos casos relatados de alterações neurológicas em pessoas que tiveram diagnóstico clínico de zika", afirma a diretora científica do Idor, Fernanda Tovar Moll, professora da UFRJ e especialista em neuroimagem.

"Nosso projeto vai usar técnicas de neuroimagem para tentar determinar essas alterações e contribuir para esse diagnóstico. Vamos procurar na ressonância sinais que corroborem essas reações clínicas, como alterações no tecido cerebral e na medula."

 

Casos são raros

Pesquisadores frisam, no entanto, que tanto a síndrome de Guillain-Barré quanto outros problemas neurológicos são ocorrências muito raras. Ou seja, apenas um pequeno percentual das pessoas infectadas pelo vírus da zika (sejam elas sintomáticas ou assintomáticas) podem ter algum desdobramento mais grave - embora não haja como saber quem seria mais propenso a tais complicações.

Vale lembrar também que essas complicações não são exclusivas da infecção por zika - podem ocorrer em outras infecções por vírus ou bactérias.

De toda forma, em se tratando do zika, continua valendo a regra de que a infecção só é mais preocupante entre as grávidas, por conta do risco de más-formações nos fetos.

Minicérebros

De volta ao estudo fluminense, Fernanda explica que ainda há poucos casos estudados para que seja possível determinar quais alterações específicas seriam características da infecção por zika. Mas tudo indica que as alterações sejam mesmo no tecido cerebral e na medula.


A especialista explica que não há ainda como saber se esses pacientes com problemas neurológicos terão sequelas. E que, por enquanto, o foco é, justamente, mapear todo o espectro de ação do vírus e as complicações decorrentes.

Num outro desdobramento da mesma pesquisa, cientistas do grupo estão inoculando o vírus da zika em microcérebros criados em laboratório. O objetivo dessa experiência, que remete a filmes de ficção futuristas, é justamente acompanhar eventuais estragos que o vírus possa causar no tecido cerebral.

Com isso, seria possível também determinar, sem dúvidas, se o vírus causa de fato alterações na formação do cérebro que levam à microcefalia em fetos.

Os organoides, que têm 2 milímetros de diâmetro, já foram inoculados com o vírus da zika. Os microcérebros reproduzem o desenvolvimento fetal humano até os dois meses de gestação - o período mais crítico da infecção.

Cabe agora aos cientistas acompanhar como a infecção afeta os tecidos nervosos e o desenvolvimento cerebral. A experiência, que começou na semana passada, deve ter seus primeiros resultados em seis meses.

"A gente quer entender, por exemplo, se há um efeito direto do vírus no tecido nervoso, se provoca alterações diretas no cérebro ou se as alterações registradas seriam um efeito da infecção na mãe", explica o neurocientista Stevens Rehen, do Idor e do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.

"Se o efeito for direto do vírus no tecido cerebral, podemos tentar entender esse processo e, futuramente, desenvolver mecanismos para impedir essa infecção ou mesmo testar medicamentos."

O grupo de neuroimagem liderado por Fernanda Tovar Moll também está investigando a microcefalia em bebês. "A ideia é mapear as alterações no sistema nervoso central desses bebês, as más-formações, a comunicação entre os dois hemisférios do cérebro, o contorno do cérebro, tudo isso", explica a especialista.

"Além do método de imagens, estamos trabalhando também com neuropsicólogos e pediatras."

O objetivo do estudo é acompanhar os bebês de mulheres que pelo menos tenham tido o diagnóstico clínico de zika, mas, idealmente, que tenham sido testadas. Os especialistas querem não apenas determinar os problemas no nascimento, mas tentar também determinar se bebês nascidos aparentemente saudáveis - de mães que tiveram zika em estágios mais avançados da gestação - podem vir a apresentar algum problema no futuro.